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Em torno do móbil do desenvolvimento humano: "Comunicação e Cultura Inclusivas"

por Lerparaver

Augusto Deodato Guerreiro*

Em torno do móbil do desenvolvimento humano:
"Comunicação e Cultura Inclusivas"**

Resolvemos fazer uma grande e significativa viagem, passeando e observando, ideando e descobrindo novos caminhos inclusivos da comunicação e da cultura, provocando e justificando um mundo da vida acessível, de todos e para todos, fundamentando e experienciando esses novos caminhos espalhados pelo imensurável horizonte sociocomunicacional e cultural, filosófico, científico e tecnológico, pedagógico e interacional, relacional e desenvolvimental de competências pessoais e sociais, de esclarecimento e sensibilização pública no que respeita às prementes questões a implementar nos procedimentos solidários e da partilha, que todos estamos obrigados a cultivar na dignidade que somos e semeamos, fertilizando e eticizando a vida para todos, com todos.

Não podemos ignorar ou menosprezar o facto de andarmos por cá muito pouco tempo e que, nessa medida, tal circunstância a pouco ou a nada parecer vincular-nos a compromissos com questões que podem ajudar a melhorar o mundo. Há quem se sirva dessa circunstância para justificar a sua opção de estar na vida, espoliando os outros ou vegetando no "deixa andar". Mas no que nos temos de fixar é no facto de a vida só ter sentido se a vivermos e a rentabilizarmos em favor do digno desenvolvimento humano e do progresso no mundo, que se anseia cada vez melhor. "A vida ganha renovado e inovador sentido desde que sejamos capazes de viajar, com espírito de descoberta e êxito, no fascínio dos efeitos dos desafios do mundo multidiferente, pluricultural e intercultural." (GUERREIRO, 2012: 105). Para além das partidas à nascença ou demasiado precoces na esperança de vida, o tempo de vida que Deus nos proporciona é sempre o tempo suficiente para nos podermos comprometer, com alegria e empenho, desempenho e concretização de objetivos em resultados práticos e eficazes, na promoção da tão necessária e vital edificação sólida de mais generosidade e solidariedade, dignidade e partilha, o que só acontece comunicando com todos, na mais vasta diversidade comunicacional e cultural:
a) Na comunicação, porque se trata de um fenómeno psicossociológico infinitamente complexo, o móbil e edificação do desenvolvimento e progresso, que se traduz em processos de interação simbólica para satisfazerem uma necessidade inata de todos nós, que é o relacionarmo-nos e o interagirmos, efetuando-se o relacionamento através da emissão, recepção e interpretação de imagens simbólicas mediante a utilização de códigos comuns e de ordem cultural, partilhados como resultado de um processo de aprendizagem e de socialização, (con)vivendo, não podendo ninguém viver em incomunicação (secundando também Watzlawick na inevitabilidade da comunicação), sob pena de sucumbir intelectualmente ou de se tornar num inepto e vegetante ser. Isto porque comunicar é "partilhar uma mesma ou mais experiências de vida (ou apenas qualquer informação, mesmo de índole simbólica, de cortesia e por intermédio das mais diversas manifestações) por pessoas que se reconhecem (ou não) como detentoras de uma identidade comum (ou não), bem assim numa dimensão multicultural ou intercultural/pluriétnica, multissensorial ou nas diferenças, independentemente de condicionantes comunicacionais impostas ou decorrentes das variadíssimas circunstâncias, metodologias e estratégias humanas ou de especificidades de natureza sensorial, sociocognitiva (e patologias neurogénicas da comunicação), intelectual, psíquica, neuromotora e outras" (GUERREIRO, 2012: 7);
b) Na cultura, porque, basicamente, temos de ser capazes de viver e conviver, de forma natural, intercompreensiva e cívica, no conjunto de todos os valores, normas e regras de conduta, dos símbolos, obras e rituais de cada comunidade humana, em todos os contextos sociocomunicacionais e culturais, como interculturais, multiétnicos, na cultura de massa (produzida pelos dispositivos de informação mediática), erudita, popular, etc., mesmo com dificuldades decorrentes das mais diversas problemáticas da deficiência (GUERREIRO, 2012: 67-78);
c) Na inclusão, porque temos de ter a naturalidade, capacidade e competência para viver e conviver em plena cidadania esta redundância conceptual transitória, que entendemos como doutrina/filosofia ou postulado que, como processo integrativo equacionadamente perspetivado e estruturado, visa criar e exercitar competências pessoais e sociais e de relacionamento humano para implementar formas escorreitas de desenvolvimento sociocognitivo, de interação e intercompreensão. É um conceito nobre e generoso que todos devemos cultivar e incorporar nos nossos saberes e conhecimentos, sentimentos e ações, despertando consciências e ativando comportamentos socializantes e universalizantes, sem reservas em relação às desvantagens ou condicionantes sensoriais, cognitivas, neuromotoras e outras. É relacionarmo-nos num olhar natural, abrangente e com empenho pedagógico, sociocomunicacional, cultural e educacional, generalizando a partilha da compreensão e da cultura sobre essas diferenças, as quais também implicitam em si mesmas o dinamismo das capacidades e competências humanas (GUERREIRO, 2012: 110-111).

É no âmbito desta reflexão e feliz dimensão humana que nos procuramos valorizar e fortalecer, sustentando-nos nas mais indispensáveis essencialidades que nos permitem existir e viver, numa coevolução batesoniana, precisamente eticizando a vida.

Todavia, falar de inclusão numa qualquer situação ou contexto (numa escola, em atividades diversas, na sociedade...), indicando o vocábulo inclusão que deve ser de todos e para todos, mas sendo sobretudo uma formalização conceptual ou expressão que deverá encerrar o necessário sentimento substantivo que envolve todos no todo que pertence a todos, partilhado por todos. Trata-se de uma substância conceptual, teórico-empírica, inequivocamente experienciável com sucesso e que nos encaminha para o universal, que só pode ser concebido e entendido como inclusivo (onde todos, sem exceção, tenhamos condigno lugar), num redimensionado "lebenswelt" ("mundo da vida" husserliano), paradigma e problemática também hoje associada a todo o tipo de reflexão, estética e ética, sobre a comunicação e influência dos media. É preciso que encontremos uma harmonia vivencial e convivencial em que, numa perspetiva de universalidade, todos caibam em todo o lugar. Mas é fundamental termos dentro de nós esse olhar e esse sentir universal, com sensibilidade e competência pessoal e social, razão e também coração.

Para que este domínio possa evoluir até à sua concretização, com proficiência e solidez, de forma a que todos os caminhos se tornem acessíveis, cabe a todos nós, especialmente pais e professores, sermos sempre o exemplo vivo, de saber e missão, do muito que podemos fazer para ajudar todos os alunos a vencerem com tenacidade, persistência, boa vontade e cidadania, mercê dessa elevada responsabilidade que todos temos de vestir e atuar em permanência na consecução de resultados. Às vezes há questões da ciência que são intuíveis pelo pensamento e pelo coração, parafraseando de certa maneira Saint-Exupéry. Não podemos, numa aceção algo hegeliana, cumprir nada de grande no mundo sem paixão, sem olharmos para as coisas, concebermos e implementarmos soluções sem a força anímica da vontade e do querer, sem uma destemida volição. E em sintonia com Eduardo Lourenço, a propósito da universalidade que procuramos promover e generalizar, o universal não é apenas um espaço global e cosmopolita, mas a universalidade do olhar de quem pensa esse espaço, no qual se enquadram dificuldades da mais diversa natureza, designadamente as de ultrapassar os terríveis muros invisíveis de que tantas vezes os reais são feitos.

Estamos a procurar, com o recurso a esta espécie de construções significantes materializáveis em ações, reforçadas pela reflexão e atividade teórico/empírica nossa, no sentido de contribuirmos para irmos eliminando aos poucos, e de forma natural, o peso e o efeito negativo, por vezes nefasto, da necessidade de se utilizar o transitório e redundante conceito inclusão em todos os domínios, no relacionamento e interação, na comunicação e educação e formação, no desenvolvimento humano. Obedecendo a esta estratégia, um dia, quando deixarmos de sentir a necessidade de reforçar os diferentes domínios do conhecimento com o adjetivo ou especificação inclusivo, que é um pleunasmo e que acaba por carregar consigo uma dimensão supostamente valorativa mas que é marginalizante, porque acorda fantasmas que não há meio de conseguirmos exorcismar, o termo inclusão perderá, nesta conceção, o significado objetivamente pedagógico tão bem refletido e equacionado na célebre "Conferência de Salamanca", organizada pela UNESCO em 1994.

Um pouco empiricamente, todos sabemos que inclusão, comunicação ou educação inclusiva, sobretudo educação inclusiva, o inclusivo é para a concretização em sala de aula do ideal de uma escola de todos e para todos, generalizando-se a todas as áreas do conhecimento, funcionais e operacionais. No entanto, educação inclusiva é em si própria um conceito transitório e de certa maneira redundante, uma vez que o conceito educação, em termos éticos e democráticos terá que pressupor sempre o ideal de inclusão. Quando, no plano da educação especial (que haverá sempre educação especial, infelizmente), soubermos agir e interagir naturalmente e sem a presença de determinados estereótipos que rotulam, que marginalizam, o adjetivo ou especificação inclusivo vai-se esbatendo e desaparecendo como efeito de redundância ou de reforço de um termo para o interpretar como inclusivo, para todos e com todos. Sendo uma escola de todos e para todos, todos lá têm lugar, não há lugar para a excrescente nuance inclusão.

Não há dúvida de que, progressivamente, temos vindo a tornar-nos cada vez mais escorreitos especialistas em competências pessoais e sociais e humanas, na transmissão e partilha, no que se refere ao conhecer e saber, no que respeita ao saber atuar e saber fazer acontecer proficuidade, numa perspetiva de igualdade de oportunidades para todos. E estamos cientes de que, na intercompreensão do conceito educação especial, teremos que ser capazes de conhecer bem e de atuar bem na dimensão e concretização do conjunto de recursos e de serviços especificamente vocacionados para proporcionar procedimentos de apoio ao processo de aprendizagem de alunos com necessidades educativas especiais. Está implícita neste processo a didática, que é o saber e a responsabilidade de converter os conteúdos programáticos (transformando-os) em situações de aprendizagem, em efetiva aprendizagem. E é preciso olhar para esses conteúdos em termos de acessibilidade e usabilidade, sobretudo quando se trata de os transmitir a alunos com necessidades educativas especiais e de os partilhar com esses mesmos alunos. Mas, à medida que vamos chegando às diferentes e (com convicção) melhores soluções para a variedade de problemáticas da deficiência, vamo-nos confrontando (também numa aceção popperiana) com a emergência de "toda uma família de problemas-filhos", que são "encantadores ainda que talvez difíceis" (a dinâmica da inteligência e da generosidade na investigação e desenvolvimento), "para cujo bem-estar" poderemos trabalhar, "com um sentido", até ao fim dos nossos dias. A riqueza e beleza de tudo isto está no facto de sermos um megapuzzle sem medida e em permanente evolução. "A vida é um difícil, complexo e incomensurável megapuzzle que leva tempo e tolerância a montar, que impõe ajustes, invenção e/ou redimensionamento de peças, e que nunca se considera concluído. Se edificarmos e integrarmos uma sociedade inclusiva, que reconheça, respeite e valorize a diversidade humana, sorriremos à vida e a vida sorrir-nos-á!" (GUERREIRO, 2012: 110).

Pretendemos partilhar esta investigação (aprofundada e sistematizada no livro indicado em nota bibliográfica a este artigo) com os estudiosos e investigadores no âmbito dos aludidos novos caminhos e envolvê-los, ao mesmo tempo, num vital e inclusivo universo comunicacional e cultural, educacional e formativo - num processo de desenvolvimento biopsicossocial, biossociocognitivo e humano, sobretudo com particular enfoque nas pessoas com deficiência visual, essencialmente centrado:
1. Na sociocomunicabilidade, competências, dinâmica e influência comunicacionais.
2. Na linguagem - comunicação verbal (oralidade e escrita), gestual, não-verbal e língua gestual nas emoções, na conversação e influência na diversidade de capacidades e competências comunicativas.
3. Na comunicação e cultura - base interacional para a socialização, edificação e promoção dos grandes valores humanos na solidariedade e na partilha.
4. Na cultura da suplência sensoriocognitiva e intelectual, relacionamento e interação.
5. No impacto da cultura da imagem humana na sociocomunicabilidade - para uma teoria sociocomunicacional do corpo humano (direitos e deveres do corpo e da película que somos, em que nos exteriorizamos e nos permitimos ser visualizados), num sentimento de missão na tolerância, na solidariedade e na cultura da partilha.
6. No desenvolvimento tifloperceptivo-psicomotor, literácito (nas várias modalidades discursivas e de suporte) e cognitivo, da orientação e mobilidade, autonomia e independência, sociocomunicabilidade, empregabilidade e qualidade de vida dos cidadãos com as diferentes idiossincrasias, desvantagens ou dificuldades comunicacionais, de socialização e interação.
7. Numa fundamentação científica que assenta numa substancial bibliografia e webografia, base da sistematização e enquadramento teórico-empírico da obra de referência em que temos vindo a viajar e a refletir na elaboração desta breve abordagem sobre a mesma, como forma de sugerir a sua leitura a um número tão alargado quanto possível de interessados no estudo, no aprofundamento e na partilha (que abertamente propomos) da matéria nela exposta, algo complexa mas evidente e que, muito justamente, exige urgente e séria reflexão, para ajudar a despertar consciências e a ativar comportamentos socializantes e universalizantes em favor da adequabilidade, acessibilidade e usabilidade do universo do conhecimento para todos os cidadãos, no maravilhoso mundo da vida que a todos pertence.

Neste sentido, à medida que, por indiscutível opção e persistência, aceitarmos o desafio explanado neste texto e nos dispusermos a participar numa saudável coevolução humana, valorizando-nos nesse sublime desafio de sinergético empenho e desempenho sem egoísmos, numa relação de dignas influências mútuas e numa interação de envolvências recíprocas e cumulativas, havemos de ir chegando aos "bons portos" possíveis, dentro da inevitabilidade de continuarmos a investir na descoberta e validação, implementação e promoção de caminhos em busca de um mundo melhor e acessível a todos, em consonância com as capacidades e competências que vamos adquirindo na força da dinâmica evolutiva do megapuzzle, que somos, apesar de nunca estar concluído. Mas a soma de sucessos será cada vez mais farta e fecunda, já que o estudo e a cultura é que nos ajudam a encontrar esse mundo e nos gratificam no processo a ele conducente. Vamos continuando, numa firme convicção nossa e aceção confuciana, a "polir a pedra" (estudando, aprofundando e fundamentando a nossa pretensão e investigação) e a "purificar o espírito" de ação e concretização (que sempre temos de ser) pela cultura da cultura da solidariedade e da partilha, pela cultura espiritual e intelectual, moral e cívica, pedagógica e educativa/formativa, dando as mãos (às ordens da disponibilidade e responsividade adequadas), num legítimo propósito coevolutivo nos processos de inclusão no mundo de todos e para todos, em conformidade com o que explicitamos ao longo do livro a que nos reportamos e abaixo referenciado.

*Investigador e Professor Catedrático Agregado na Escola de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
**GUERREIRO, Augusto Deodato (2012). Comunicação e Cultura Inclusivas. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
[Publicado em junho de 2012, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Ministério da Educação e Ciência e Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (CICANT)].