Veja a parte I aqui
O caminho até o metrô é curto e rapidamente chego lá, onde sou recebido por uma agradável e belíssima funcionária, que além de tudo é minha amiga. Me acompanhou, meio de longe, a vida nesses últimos tempos e posso abraçá-la e dar boas risadas com ela, enquanto nos dirigimos a plataforma.
Comento com ela que está tudo meio vazio, e ela também sorri uma vez que este fato significa um bom ambiente de trabalho para ela e uma viagem confortável para mim.
O trêm chega, dou um beijo suave no rosto da minha amiga, passo a mão pelos seus cabelos e desejo a ela um bom trabalho. Recebo depois por meu turno um leve carinho nas costas, na mão e um beijo também no rosto, acrescido de um desejo de bom final de semana. Estamos rindo, relembrando algo engraçado que aconteceu conosco há algum tempo atrás.
- Então não precisa pedir para um funcionário te esperar na estação da sé mesmo Marlon? - Minha amiga me pergunta.
- Não, eu ando sem problemas por lá. Bom trabalho e tenha um excelente final de semana.
Eu penso que usar um serviço quando não precisamos dele é, no mínimo, inútil. Sem manejar bem a bengala e posso andar com relativa seguransa, ao menos em lugares que conheço bem. A estação da Sé é um bom exemplo. Se alguém não está acostumado a andar por lá ou sente que tem dificuldades, então que use o serviço do metrô. Eu não preciso deslocar um funcionário, que eventualmente poderia estar sendo mais útil a outras pessoas, para me condusir por um trecho de trinta metros até a outra plataforma.
O trêm dá sinal de que vai sair. Minha amiga se afasta, vai voltar ao seu trabalho. Sua risada é deliciosa.
Eu estou com um sorriso alegre no rosto por tê-la encontrado , na lembransa diálogos e outros momentos passados ao lado dela, nos sobes e desces da estação. Me surpreendo ao pensar de quantas pessoas me tornei, podemos dizer assim, íntimo, nesses pequenos trajetos ao longo dos anos.
O caminho até Sé é curto, é a estação seguinte a que eu entrei. Antigamente esta pequena viagem era mais regular, mas agora o metrô é capaz de parar e andar umas trinta vezes entre uma estação e outra. São Paulo está decaindo, e rapidamente. A solução é se segurar para não cair, já que os trancos são quase que constantes.
Felizmente ninguém quer me obrigar a sentar hoje.
Mesmo se eu quizesse me sentar, no período de quase dois minutos que fico dentro deste metrô, eu não conseguiria.
Só o tempo de passar pela maça de pessoas, sentar, e me ageitar seria igual ao tempo que o metrô leva para chegar em Sé. Fico impressionado com a falta de bom senso ou de inteligência das pessoas quando insistem em que eu me sente, sem dar atensão ou respeitar minha recusa em fazê-lo.
No início eu explicava a elas exatamente o porque iria permanecer em pé. Comecei a perceber que, literalmente, o tempo gasto para isso era quase maior que o tempo de chegar a meu destino. Não bastasse isso, comecei a perceber que elas não me ouviam.
- Senta aqui, moço.
- Não, obrigado. Vou descer logo, nem daria tempo.
- A, mas você não quer mesmo sentar?
- Não, obrigado. Vou descer logo, nem daria tempo.
- Tem certeza?
- Tenho, vou descer na próxima já, eu nem ia conseguir sentar direito e já ia ter de levantar.
- A ...
(pausa de dez segundos)
Algumas pessoas em volta começam a murmurar.
- Mas o senhor não quer mesmo sentar? - a mesma pessoa volta a carga.
- Não, eu não quero.
Outra pessoa olha para quem está me oferecendo lugare diz:
- É melhor ele sentar... Se não ele vai cair .. tomar condução está cada dia mais complicado ...
- Mas moço, é melhor o senhor sentar aqui, vem cá, senta ... o lugar tá vazio, olha ... vem cá, eu te ajudo .. por aqui ... (mãos tentando agarrar meu braço)
Nesse momento um grupo de três, quatro pessoas normalmente começa a falar um conjunto das frases acima, mais ou menos juntas, enquanto eu tento me desvenciliar. Me sinto ótimo ao lutar contra quatro, cinco pessoas pelo meu direito de ficar em pé.
Me sinto ainda melhor ao perceber que, a essa altura, o trêm inteiro deve estar acompanhando o round ... sempre quiz ser famoso, falando francamente...
- Olha, trabalho não sei quantas horas sentado, vou ficar de pé um pouco. (depois de, o mais educadamente que me foi possível, retirar as mãos da bem intensionada pessoa do meu braço)
- É melhor o senhor sentar.
Lembro-me de que um dia, finalmente, perdi a paciência. Ser educado é bonito, mas somente quando te levam a sério...
- Fu... I said no, I'm not gonna sit-down, there's no time enough, I am leaving soon!!
Silêncio em volta. Agora as pessoas pararam de insistir. Se o leitor não me quizer acreditar o problema é dele, mas não estou fazendo fixão. ("carál..., eu já disse que não vou sentar! Não daria tempo! Vou descer logo!")
Parece que, quando se falla inglês, as pessoas começam a te ouvir. Talvez porque ver um cego falando inglês é por demasiado ... surpreendente ... ou porque elas simplesmente não se preocupam em ouvir o que "o cego" está dizendo em resposta aos seus pedidos, mais preocupadas que estão com seus objetivos super caridosos do que com ele. Fato é que, desde essa data, quando as pessoas me ignoram e não há outra maneira de fazer com que me ouçam, decido falar inglês. Por qualquer razão que seja funciona e, se elas não entendem, pelomenos fazem algo mais importante: respeitam o que eu digo.
Odeio quando esse tipo de coisa acontece. Chego no metrô geralmente cançado e tenso, e ainda tenho de me matar dando explicações a pessoas que nem sequer estão preocupadas em me ouvir, para conseguir ter o direito de andar em pé por um minuto e meio em paz dentro de um trêm.
Mas nessa sexta-feira estou definitivamente em um dia excelente. Posso ter meu direito a andar em pé em um trêm por um minuto e meio, não há problemas, ieba!
Enquanto viajo no metrô vou divagando sobre tudo isso. Logo chego em Sé e é hora de desembarcar.
A estação está tranquila, bem vazia como aliás em todo o meu percurso até aqui. Passo agora talvez pelo trecho mais interessante do caminho, não porque tenha algo especial ou incomum.
Estou em uma das três plataformas no primeiro piso da estação. A plataforma "do meio", onde estou, é usada para o desembarque das duas linhas que correm paralelas. As plataformas das pontas, localizadas a minha direita e a minha esqerda, são utilizadas para o embarque em cada uma das respectivas linhas. Me dirijo para o piso térreo, idêntico ao primeiro, com a excessão de que as plataformas e linhas correm no sentido transversal às deste. Meu destino é uma plataforma da ponta, utilizada portanto para o embarque.
Enquanto vou andando, deixo os pensamentos vaguearem.
Quando penso sobre "ser cego", tenho sentimentos contraditórios. Sei que estou em uma situação relativamente boa, se for levar em conta a realidade geral dos deficientes nessa porcaria chamada Brasil. Não posso olhar para trás e reclamar, pelomenos não muito.
Passo metade do tempo imaginando coisas do tipo como seria minha vida se eu estivesse em uma sociedade minimamente conciente, ou como seriam mais fáceis as coisas se eu enxergasse. Penso que se eu tivesse um carro, por exemplo, não teria de me sugeitar a usar a péssima estrutura de transporte de São Paulo. Por outro lado, se eu enxergasse, possivelmente não teria a funcionária do metrô como amiga.
Talvez conversasse com ela alguma vez, caso desejasse uma informação qualquer. Eventualmente ela me ajudaria e pronto ... talvez se eu a olhasse por um tempo maior ela fecharia a cara, ofendida pelo assédio * se bem que com a lindeza dela, creio que esse tipo de coisa já deve ter se tornado meio que uma constante em sua vida ... Mas o fato é que não haveria motivos para sermos amigos, já que eu não teria de a ver todos os dias, e mesmo se a visse, ela não teria cinco minutos (o tempo que ela gasta para me levar até a plataforma) para conversarmos.
Este trecho, de uma plataforma de sé até a outra, é curioso. Váreas vezes pessoas me ofereceram ajuda para andar possivelmente os trinta métros mais fáceis de todo o meu percurso. Não sou imprudente, nem gosto de dispensar ajuda. Se eu posso andar um trecho, seja ele qual for, com um normovisual ao lado, o faço. Uma coisa é tirar um funcionário de suas obrigações para me ajudar em um trecho onde eu ando sozinho muito bem. Não sou egoísta. Se tiver de andar sozinho, eu ando. Outra coisa, muito diferente, é não aceitar a ajuda de alguém que saiu de e está indo para o mesmo lugar que eu.
Fato é qe, nexte trecho, Conheci váreas amigas, Normalmente mulheres jovens, normalmente lindas, normalmente inteligentes. Seja lá o que esse trecho tiver, ele faz com que pessoas legais inexplicavelmente qeiram me ajudar. Novamente me pergunto se teria tido a oportunidade de conhecer estas amigas tão legais se eu enchergasse.
Sim, sempre amigas ... sou um sussesso para ganhar novas amizades femininas, mas até hoje nunca consegui inexplicavelmente fazer com que qualquer dessas amizades se tornasse em algo mais ... Já sofri muito e tive severas restrições na auto estima por conta disso. Aparentemente as garotas me concideram uma excelente pessoa para amizades, e uma pessoa fora de questão para qualquer outra coisa. Não consigo entender isso e, hoje, de toda forma, já não importa mais.
Tal como neste texto, enquanto ando pela estação, vou divagando sobre coisas da vida. Estou agora no fim da escada rolante que me levará até a outra plataforma. Quando saio da escada, felizmente sem ser segurado por ninguém, começo a notar imediatamente algo errado. Muito calor, barulho de muitas vozes.
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Comentários
Pois é Marlon!! concordo
Pois é Marlon!! concordo com você que o deficiênte visual é privilegiado sim... em relação a outras deficiências... Parabéns pelas coisas que escreve! um super beijo, Fernanda
Olá, O texto ainda precisa
Olá,
O texto ainda precisa ser postado todo aqui, quando as outras partes estiverem prontas ... mas eu, em momento algum, referi que deficientes visuais levam algum tipo de vantagem em qualquer coisa, posto que isso seria preconceito e que eu teria condições parciais apenas para fazer uma afirmação dessas. Você poderia se explicar melhor?
Marlon