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O "Mundo da vida" inclusivo

por Lerparaver

O "MUNDO DA VIDA" INCLUSIVO

Augusto Deodato Guerreiro

A humanidade tem que ser persistente e inovadora na transformação de mentalidades e das sociedades, na significação e legitimação do sentido social para a vida de todos os cidadãos. Para que esta prerrogativa se torne pragmática e eficaz, temos que nos assumir todos num forum permanente e interactivo, inclusivo e produtivo para a vida inclusiva. Há um número inimaginável de indivíduos, grupos e comunidades privados desse forum, como mais-valia acessível em todos os domínios do conhecimento para o esclarecimento e intercompreensão social, onde também tenham lugar os que sofrem os efeitos de "desafios" físicos e outros. No âmago de um imensurável número destes cidadãos a nível mundial, já se fala de quase um milhão em Portugal e de 50 milhões na Europa. Para estarmos em plenos direitos de cidadania no "Forum Interactivo Inclusivo o «Mundo da Vida»", temos que partilhar naturalmente conhecimentos e saberes, relacionando-nos, interagindo, comunicando. Escrevemos em Janeiro de 2007 que "comunicar é partilhar uma mesma ou mais experiências de vida (ou apenas qualquer informação, mesmo de índole simbólica, de cortesia e por intermédio das mais diversas manifestações) por pessoas que se reconhecem (ou não) como detentoras de uma identidade comum (ou não), mesmo numa dimensão multicultural ou intercultural, independentemente de condicionantes comunicacionais impostas ou decorrentes das variadíssimas circunstâncias e estratégias humanas ou de especificidades de natureza sensorial, cognitiva, neurogénica, intelectual, psíquica, motora e outras".

Nesta perspectiva, cabe o destaque de uma relevante iniciativa municipal que envolve sinergias institucionais para a inclusão através do Forum Interactivo supra-referido – cuja 1ª sessão ocorreu no dia 19 de Julho de 2007 no Auditório da Biblioteca Municipal “Orlando Ribeiro”, com a Conferência «Desenvolvimento Social e o Reforço das Políticas de Inclusão e Solidariedade Activas», pela Drª Rosa Maira Araújo (Directora do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa) -, tendo em conta também o facto de 2007 ser o Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades para Todos os Cidadãos e de Portugal ter a presidência da União Europeia no 2º semestre deste ano, o que vem impulsionar (para além do que se tem discutido em políticas de inclusão no nosso país, na Europa e no mundo) o esforço das sociedades, no sentido de adoptar as orientações comunitárias para promover a eliminação de todo o tipo de barreiras sociais, incrementando a consciencialização sobre os problemas das pessoas com deficiência.

Sem comunicação e domínio das várias e adequadas tipologias comunicacionais especiais, como as aumentativas e alternativas e as associadas tecnologias de apoio, não há igualdade de oportunidades na sociocomunicabilidade e interacção no "mundo da vida", no "Lebenswelt" de Husserl, o espaço comunicacional dos seres dotados de linguagem e capacidade para agir e de justificação crítica dos seus discursos e acções, agora pensado de forma alargada e acessível a todos os cidadãos, ainda que condicionados ou em situação de enorme desvantagem comunicacional. O espaço da experiência do mundo, que é tematizada e partilhada pelo discurso, é o mundo da vida, do reconhecimento recíproco dos que partilham esse espaço de comunicação e uma cultura comum fundamentada na tradição. A tradição, no caso, deverá entender-se como a generalização do culto e da extensão dos grandes valores humanos a todos os cidadãos, numa dimensão de proficuidade humana na solidariedade e partilha de saberes, formas de comunicação, processos de interacção, sem exclusões, mesmo no plano da reflexão estética e ética, mesmo no campo de intervenção dos media, que deverão poder ser partilhados, em termos de acessibilidade e de usabilidade, por todos, sem nenhum tipo de excepção. Há tanta gente isolada, triste e funestamente só em casa, a sofrer uma solidão terrível, mortífera, sem a satisfação de poder falar com alguém e partilhar saberes... São por vezes autênticos livros, únicos e desconhecidos, que, de um momento para o outro, se fecham para sempre no hermetismo intransponível da morte para não mais se abrirem. Por questões de mobilidade, autonomia e independência, por negligência, conveniência, ignorância intelectual ou apatia dos outros, aquelas fontes de saber (pouco ou muito, empírico ou científico, o que for) e ansiosas por transmiti-lo, vêem-se privadas do convívio social e da partilha do conhecimento, do contributo para o engrandecimento da dignidade humana. Mediante a implementação de dispositivos especiais, humanos e infotecnológicos, também esta população será abrangida de forma adequada por este Forum.

Caracterizam este Forum Interactivo inclusivo as mais diversas áreas da ciência e da tecnologia, da técnica e da cultura, porventura da cultura da cultura, da cultura da partilha, da partilha do conhecimento como bem público que é, razão por que ninguém pode estar excluído dele. Isto porque a sua partilha, em sociedades, grupos e indivíduos interligados, promove a criatividade, a cultura e a articulação de vontades para o incentivo à permutabilidade e mudança, criando o ambiente viabilizador da acessibilidade ao conhecimento e inovação, à formação e pesquisa, à investigação e partilha dos resultados, o que só é possível comunicando. O objectivo do Forum é ampliar a utensilagem mental de todos os cidadãos, em igualdade de circunstâncias e de oportunidades, com um sistema dinâmico, apelativo e inovador para o acesso ao saber e conferência de saberes. Ao mesmo tempo, o Forum funciona como um instrumento/mais-valia de sensibilização pública para o esclarecimento e natural inclusão dos cidadãos com "desafios" (sensoriais, cognitivos, físicos e outros) que os colocam em desvantagem social e que os podem condicionar profundamente na sociocomunicabilidade e interacção. É também um contributo para a estruturação e implementação de estratégias interactivas que começam a desabrochar para o desenvolvimento, aplicação e utilização da comunicação aumentativa e alternativa e das associadas tecnologias de apoio, ajudando a encaminhar o século XXI para que, a seu tempo, seja o século do crescimento de sociedades baseadas no engrandecimento da dignidade humana e no conhecimento inclusivo.

Saber e ser capaz de olhar e perceber, comunicar e socializar-se, ler e conhecer, relacionar-se e interagir, é uma determinante atitude humana que nos revoluciona e liberta, nos questiona e amplia a consciência social e a dignidade na prática dos direitos e deveres para o engrandecimento dos nobres valores humanos e da cultura da partilha, implicitada de dinamismo, alegria e bom humor, o que promove e sedimenta a inclusão, qualidade de vida e bem-estar. Já Tagore sustentava que "tudo o que acumulamos para nós mesmos separa-nos dos outros". Bachelard também defendia que "as coisas devolvem-nos o que nelas procuramos". É por tudo isso que insistimos, com propositada redundância, em partilhar a nossa convicção em relação à filosofia e aos efeitos benéficos da partilha.

A emblemática iniciativa municipal em referência (seja-nos permitida a opinião), como contributo para uma Lisboa e um horizonte em banda larga mais inclusivos, reflecte o esforço da Câmara Municipal de Lisboa em singular parceria com o Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, Colégio António Aurélio da Costa Ferreira da Casa Pia de Lisboa, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, bem como de outras universidades, associações de e para deficientes que vierem a estabelecer acordos de parceria nas áreas temáticas deste Forum inclusivo. A efectiva realização deve-se ao solidário compromisso institucional interno para o efeito, na confluência e partilha de contributos científicos e tecnológicos, técnico-culturais e de divulgação, entre o Gabinete de Referência Cultural da DMC (organizador do evento), a Divisão de Novas Tecnologias do DMAGI, a Divisão de Projectos e Execução de Obras de Instalações Eléctricas e Mecânicas do DCCIEM e a Divisão de Comunicação e Imagem de Apoio à Presidência.

O Forum Interactivo Inclusivo "O «Mundo da Vida»" realiza-se sempre na 1ª Quinta-Feira de cada mês, das 11 às 13 horas, sendo cada sessão constituída por uma conferência, a cargo de um ou mais oradores/investigadores de reconhecida competência científica e pedagógica nas matérias a abordar, e por um debate de ideias no final, extensivo a todos os presentes in loco e via on-line. Todas as sessões têm registo de som e de imagem, tradução simultânea em língua gestual e são transmitidas pela Internet. Cada sessão é acedível on-line e fica disponível no site mundodavida.cm-lisboa.pt durante três meses para os interessados impossibilitados de estar presentes no tempo da respectiva transmissão, sobretudo aqueles que têm dificuldades de mobilidade, autonomia e independência.

O conhecimento cresce, multiplica-se e generaliza-se de modo substancial e acessível a todos, quando partilhado por todos, com vontade e sem obstruções. Neste contexto, defendemos em Outubro de 2006 que "a vida deve ser vivida todos os dias de forma solidária e em permuta, com intensidade e perspectiva". Assim, a transformação de pessoas e instituições acontecerá, a revolução no debate de ideias para a transformação de mentalidades instaurar-se-á e dará um dia o fruto que todos desejamos - um mundo onde todos caibam dignamente, onde a solidariedade, a paz e a justiça se sobreponham aos egoísmos, à guerra e à injustiça; um mundo naturalmente inclusivo e sem alusão a chavões relacionados com o conceito de inclusão; um mundo da vida frondosa e intrinsecamente paradisíaco e alimentício, como fruto sublime e fecundo do empenhado labor na partilha dos sinais da inequívoca grandeza humana. Como asseverámos em Agosto de 2007, "a grandeza humana está na humildade e gratuidade, na generosidade e simplicidade do ser e no fazer acontecer". Sem utopias e inspirando-nos em Alexandre Dumas, a vida será mesmo fascinante para todos, desde que, para tal, a vejamos com os "óculos certos" e se todos quisermos e dermos as mãos nesse sentido.