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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Deus, perdoai os ignorantes, porque eles não sabem o que é a Cegueira, mas escrevem sobre ela

por Francisco Lima

Prezados, ao longo dos tempos, ao longo da história humana, as pessoas com deficiência têm sido vítimas de muita ignorância, de muito preconceito e de muitas barreiras atitudinais, a maioria das quais produzidas com base na religião, na filosofia e na própria ciência.

É conhecido que os espartanos jogavam os bebezinhos de cima de um penhasco, assim que nasciam vivos e eram percebidos como tendo uma deformidade física ou alguma deficiência. Hoje, os bebezinhos, ainda quando embriões ou fetos, são jogados, pia a baixo, assim que são detectados como possíveis pessoas humanas com deficiência, por médicos em clínicas de aborto, por todo o mundo.

Com o passar dos tempos, pois, pessoas humanas com deficiência passaram da exclusão total da sociedade (representada pela morte aos que tinham deficiência); pelo exilamento social (representado pela expulsão das pessoas para longe das cidades e demais espaços sociais) e pelo asilamento (representado pela institucionalização das pessoas com deficiência, ou o acolhimento delas em asilos e as assim chamadas, casas de repouso, de saúde ou de proteção para "deficientes").
À pessoa com deficiência, resta lutar contra toda essa gama de discriminações, extirpando da sociedade barreiras atitudinais que limitam ou as impedem de exercer direitos humanos fundamentais e, acima de tudo, de terem a sua dignidade de pessoa humana respeitada, preservada e valorizada.
Muitas têm sido as formas de produção, manutenção e difusão do preconceito, da discriminação e das barreiras atitudinais. Contudo, as formas escritas, em registros bíblicos, na literatura e na ciência, assim como, nos dias de hoje, nas mídias audiovisuais são, de longe, as mais danosas, perversas e deploráveis.
obras como o "Ensaio sobre a Cegueira", em livro ou filme, ou obras como a que estratifico abaixo, em que pesem serem tidas como obras de ficção, de literatura, ou mesmo de cunho "científico/filosófico" não passam de obras: obra no real sentido de que a palavra pode tomar.
Sob o manto que se prestam ao "bem da pessoa com deficiência", difundem as piores ideias a a respeito da pessoa cega, da pessoa com baixa visão, da cegueira e da possibilidade de a pessoa com deficiência visual ser tida e vista como pessoa humana, digna e com deficiência.
Muitas pessoas com deficiência, os familiares delas, os amigos, psicólogos, professores e outros que interagem com as pessoas com deficiência visual se viram, ou vivenciaram muitas das coisas apresentadas nessas obras, passando a achar que essas obras estão corretas no que dizem, na análise que fazem dos dados e situações vivenciadas e nas conclusões a que chegam e propagam.
Contudo, restringem as situações e ocorrências ao fator cegueira, sempre denegrindo, diminuindo, incapacitando a pessoa com deficiência visual, mormente às com deficiência visual congênitas e, dentre elas, as pessoas cegas congênitas totais.
Ao postar o extrato abaixo, convido-os a ler com mentes abertas e críticas ao que diz o autor, refletindo sobre as barreiras atitudinais que o texto apresenta. Convido-os a pensar no discurso por trás do discurso, o discurso que verdadeiramente emana do que está dito, enfim, convido-os a refletir porque a pessoa com deficiência, a despeito de uma história de vida que prova o contrário, sempre é vista como menos capaz, menos produtiva, como sendo dependente, como sendo inferior aos que enxergam etc.
Sugiro, para isso, que retirem do texto adjetivos que são usados para descrever a pessoa cega, sua capacidade, sua personalidade etc.
No mais, pensem nesta fala:
"...“Ele está falando comigo?” é uma pergunta constante no pensamento do cego, por que não tem meios de saber se e a ele que se dirigem.

Ou ainda, a conversação, especialmente entre amigos, é frequentemente intercalada de silêncios. Mas, ao cego falta a capacidade de julgar o significado".

Parece que o que está dito aqui está corretíssimo, não está? que é isso mesmo, não é? que É assim mesmo que acontece, não É?

Agora, o que mais está sendo dito aqui? Qual outra ideia está subjacente à situação mencionada? Que idea esta passagem transmite ao leitor que acabou de ficar cego, aos pais que acabaram de receber a notícia de que seu filho é cego, ao professor que se depara com um aluno cego em sua sala de aula etc.?

Serão muitas, muuitas falas no trecho abaixo, então, terão muito que refletir.
Boa leitura, pois.
Francisco Lima

Fonte:
http://deficienciavisual.com.sapo.pt/txt-cegueira_o_que_e_o_que_faz_como...ÍTULO_4
Obra:
Cegueira: O que é, o que faz, como viver com ela -
Autor:
Thomas Carroll.

CAPÍTULO 4
PERDAS NA COMUNICAÇÃO

8 - Perda na facilidade da comunicação escrita

"Esta perda — uma das mais amplamente conhecidas consequentes da cegueira — abrange principalmente, como é natural, os símbolos da linguagem escrita e falada,
mas inclui também os sinais, cartões, fotografias, etc.; e por tanto pode ser classificada como a perda da comunicação gráfica.

Se a perda da capacidade de ler se restringisse apenas à de ler livros, esta não seria uma perda tão extensa e não afectaria seriamente a grande maioria
dos que ficam cegos."

"... O cego, incapaz de ler e escrever, torna-se num certo sentido “iletrado”, (analfabeto). Desta maneira, em mais uma esfera de actividade importante e normal,
ele é não somente inútil, mas colocado de lado, como os ignorantes e néscios.

Visto que, ler e escrever é um dever em nosso país, e inclui todas as pessoas normais, acima de 7 ou 8 anos, a perda da comunicação escrita é mais grave
do que parece à primeira vista.

Muitos progressos técnicos em nossos dias procuram amenizar esta perda (apesar do avanço da televisão parecer acentuá-la). No entanto, esta perda persiste
como uma das maiores limitações — o término da nossa habilidade para transmitir e receber comunicações através da palavra escrita.
9 - Perda na facilidade da comunicação falada

Esta perda afecta não somente o próprio acto de ouvir e falar, mas também gestos, posturas, maneirismos, mímicas e expressões faciais — todos os elementos
não falados da comunicação oral. No entanto, ao contrário da precedente, esta perda é raramente analisada e reconhecida.

A distinção fluente feita em geral, é de que a surdez separa a vitima do mundo das pessoas, ao passo que a cegueira separa-a do mundo das coisas. Mas, a
perda do desembaraço na comunicação falada é um aspecto da cegueira que (à parte da barreira psicológica que levanta) igualmente tende a separar o cego
do mundo das pessoas.

Até mesmo no elemento vocal da fala a pessoa cega sofre uma deficiência. Todos nós — conscientemente ou não — somos, em certo grau, leitores “labiais”.quando
ouvimos, percebemos algumas palavras com nossos ouvidos; outras palavras nós “vemos” parcialmente. Se os lábios do orador estão escondidos, nós precisamos
nos concentrar muito a fim de captar as palavras.

Mas as palavras são apenas um elemento do falar. A expressão facial que acompanha qualquer declaração é capaz de mudar todo o seu sentido. Um sorriso pode
transformar um insulto grosseiro em cumprimento, um escárnio converte uma observação em exprobação. A pessoa que não pode ver as mudanças das expressões
faciais pode perder completamente a intenção do interlocutor; e então, a comunicação comum, comunicação “vocal”, a engana. Torna-se ineficiente. Os gestos
que acompanham “lᔠou “assim grande”, “deste tamanho”, frequentemente usados diariamente na conversação comum. A saliência do queixo com o qual o narrador
acompanha sua descrição do indivíduo agressivo, não é parte essencial da estória, mas importante na conversação, e disto o cego é privado.

Também, importante é o encolher dos ombros, o arquear das sobrancelhas, o balançar da cabeça que são, por si sós, palavras, frases e sentenças — e algumas
vezes mais importantes que muitas palavras faladas.

A incerteza sobre a proveniência de uma voz —sobre o lugar em que está aquele que fala, pode tornar difícil a identificação do orador e consequentemente,
impedir a conversação. Mais difícil ainda é a incerteza da direcção para a qual a voz se dirige. “Ele está falando comigo?” é uma pergunta constante no
pensamento do cego, por que não tem meios de saber se e a ele que se dirigem.

Ou ainda, a conversação, especialmente entre amigos, é frequentemente intercalada de silêncios. Mas, ao cego falta a capacidade de julgar o significado
destes silêncios; não pode ver as disposições e expressões que os acompanham. Em lugar da calma e relaxante meditação que indica, o cego imagina nervosamente
se esperam que diga algo. Ele embaraçou ou insultou alguém com o seu silêncio? E há sempre a possibilidade do silêncio indicar que os outros participantes
da conversação tenham mansamente deixado a sala, sem nenhuma indicação, além da visual, da sua retirada. Pior do que tudo é a terrível e imperdoável possibilidade
de que haja outra conversação à sua volta, na qual ele não deve tomar parte —, que por sinais e gestos, os que vêem estejam conversando sobre sua cegueira.
Isto é raramente feito, a não ser por simpatia, feito às vezes, mesmo por familiares e pior ainda, pelos que trabalham com as pessoas cegas. Qualquer que
seja o motivo, implica numa total falta de confiança na pessoa cega e desta, na sinceridade dos que a rodeiam.

A sua própria conversação sofre similar alteração, apesar de nada ter acontecido com sua voz, Muitos dos elementos acima referidos obviamente têm influência
nisto. O cego nem sempre tem certeza de que a pessoa à qual se dirige está presente ou exactamente onde ela está. A pessoa cega, por conseguinte, pode
adquirir o que Cutsforth classifica como “voz radiofónica” a voz que em vez de se dirigir a uma pessoa em particular, procura (como a voz do locutor) encher
a sala com o som a fim de alcançar a mesma, a onde ela estiver.

Um importante elemento na nossa conversação é a reacção provocada pelo que estamos dizendo.

Normalmente, nunca sabemos, ao iniciar um tópico, que palavras empregaremos e muito menos a ênfase vocal ou facial que poderemos usar. A conversação se
desenvolve de acordo com as reacções que percebemos. Se nos é impossível vê-las nossa conversação sofre alterações.

Além disso, os gestos são partes da conversação (mesmo nas nações que acham que somente os estrangeiros gesticulam) e as pessoas cegas, mesmo os que ficaram
cegos quando adultos, frequentemente falham, não só na percepção dos movimentos naturais das mãos e do corpo que acompanham o falar comum, mas também no
uso dos mesmos. Usá-los pode significar o embaraço de se chocar com uma mesa próxima ou uma lâmpada. Por isso o cego põe maior ênfase no aspecto verbal
da fala do que no visual. Por conseguinte. os gestos que as pessoas cegas fazem tendem a se tornar auto-conscientes e isto, mais do que a falta de gestos
interfere na comunicação falada.

Esta perda de gestos é algo em que a pessoa dotada de visão não repara especificamente. O que ela nota é a existência de alguma coisa intangivelmente “diferente”
na maneira da pessoa cega falar. Afastar-se-á com a sensação de que “falta algo” inexplicável que dificultará a comunicação normal agravando assim esta
perda.

A falta de expressão facial e a sua substituição pelo olhar vazio e riso fixo perturbam ainda mais a comunicação. Esta mudança resulta, em parte, da impossibilidade
de ver as expressões faciais dos outros, causando uma falha na memória visual quanto às nuances de expressão.

Parece que muito da nossa expressão facial é um reflexo daquelas dos que nos cercam e portanto, não é de surpreender que faltando o “espelho” não haja imagem.

Talvez, esta mudança seja devida, em parte, ao facto de que nossas expressões faciais variam de acordo com as reacções dos outros ao que dizemos. Sendo
o cego incapaz de perceber estas reacções enquanto fala, ele poderá inconscientemente manter uma “expressão morta”, até perceber se a tendência é para
a aceitação ou rejeição.

Existem razões para se acreditar que esse sorriso fixo seja uma máscara - a “fisionomia de um jogador de poker”, inconscientemente adotada para esconder
os verdadeiros sentimentos. Quem já viu a mudança na expressão facial e na postura da pessoa cega quando ela chega ao íntimo de algumas sensações, por
exemplo, no curso de uma análise, deve dar credito a esta possibilidade.

Uma espécie de máscara é sempre necessária para aquele tipo de pessoa cega que geralmente está ausente de uma conversação, sonhando com seus problemas íntimos.
Estas e outras expressões e hábitos classificados como “maneirismos”, interferem nas relações sociais normais e causam uma verdadeira barreira à comunicação.
A incapacidade de focalizar a vista, ou, então a tendência do globo ocular em mover-se constantemente, realçando o branco dos olhos, causa em muita gente
uma impressão desagradável.

Estas dificuldades podem aumentar para a pessoa cega que se dirige a uma audiência, Ela pode, por exemplo, virar-se um pouco quando se dirige aos ouvintes
sem saber exactamente, onde se encontram e com isso partir o vínculo que os une, fazendo surgir um obstáculo intransponível á transmissão da sua mensagem.

Outro problema para o orador da plataforma é a dificuldade de falar enquanto lê as anotações. Relativamente, poucas pessoas cegas lêem tão fluentemente
Braille que se permitam ler rápida e desembaraçadamente um discurso.

O problema foi resolvido em parte, por um orador cego canadense, num encontro internacional, em Paris. A esposa permaneceu fora do palco, lendo suas anotações
datilografadas num microfone ligado por um fio, a um aparelho de escuta colocado em seu ouvido.

Mas, qualquer humor da assistência interfere na concentração do orador nas reacções da mesma em relação a sua palestra. Por tanto, a perda na facilidade
de comunicação falada é uma das perdas da cegueira que se assemelha à da comunicação pessoal resultante da surdez. De facto, a pessoa cega falando é, em
certo sentido, muda à sua própria voz, desde que seja surda à reacção dos outros para com ela.

Mais sério ainda e sublinhando todos os outros problemas, é a perda irreparável na comunicação do “afecto”, isto é, daquele algo, além das palavras usadas
que une as pessoas e as almas.

Palavras são ouvidas e pronunciadas pelas pessoas cegas, mas frequentemente a personalidade que lhes dá vida e “materialização” das palavras perdeu-se.
Teremos aqui, novamente, uma perda essencial dentro das múltiplas limitações da cegueira. É a morte adicional para o mundo no qual a pessoa que ficou cega
vivia; é a perda fatal dos amigos e conhecidos.
10 - Perda do Progresso Informativo

Vários nomes podem ser dados a esta perda - perda da percepção da cena social, perda na aquisição de informações, perda na habilidade de se manter actualizada
ou perda do contacto com o dia presente.

É a perda do progresso quando as outras coisas se movem; é uma parada enquanto o mundo caminha. Na verdade, é um retrocesso, pois, coloca a pessoa cega
em posição inferior à posição anterior.

Esta perda é o resultado do facto da pessoa que perdeu a vista, ser grandemente tolhida na obtenção do grau de informação exigido dela antes de perder a
visão na aquisição de conhecimentos gerais que a ajudavam a se manter num certo plano dentro do círculo de amigos, vizinhos, associados que formavam seu
“ambiente intelectual”.

O conteúdo desta perda varia de acordo com os indivíduos, Num grupo estará relacionado com os comentários rotineiros sobre a atitude social de um compositor
recém-descoberto ou sobre os maneirismos de um filósofo de salão. Em outro, poderá ser a biografia jornalística de uma proeminente figura dos desportos
ou o resultado de uma competição nacional.

Profissionalmente, pode dizer respeito às novas descobertas sobre energia atómica, à posição das cotações da Bolsa, à pesquisa sobre algum vírus infiltrável,
ou, refere-se a salários mais altos, e maior segurança através de uma nova associação, ou à vantagem de empregos numa indústria recém-construída.

A aquisição de informações pode estar relacionada com tais assuntos como história em quadrinhos, a actividade de artistas cinematográficos, a média de actuação
dos jogadores de bola, os personagens de um assassinato em um caminhão, escândalos na vida publica e privada, o valor relativo de vários cosméticos, o
traçado da última auto-estrada ou os novos carros.

Para cada grupo, o conteúdo é diferente, mas para o que ficou cego, os meios e oportunidades de progresso e de manter-se em dia com os acontecimentos, dentro
de cada grupo, foram definitivamente cortados. Significa um retrocesso, É ficar parado, enquanto o mundo avança.

Aquele que ficou cego poderá obter novas informações, mas seu progresso visual está cerceado e como resultado, sua capacidade de informações é terrivelmente
limitada. Porque o progresso aqui depende em grande parte de duas coisas: da leitura e da observação de pessoas e coisas.

A espécie de leitura poderá ser qualquer uma das variedades analisadas no capítulo sobre comunicação escrita, em todo caso, é óbvio a dificuldade e até
mesmo a impossibilidade de qualquer espécie de leitura, A observação das pessoas não é necessariamente “só” visual; entretanto, aqueles entre nós que cresceram
dotados da visão compreendem a parte importante que o “ver” tem na nossa observação dos indivíduos. A ênfase visual é ainda mais pronunciada na observação
das coisas. E com a perda da mobilidade, as chances de observar estão restritas a uma pequena área geográfica.

Aquele que perdeu a visão que ainda usa as roupas de antigamente, aquele que corta o cabelo à 1911, podem assim agir devido à falta de conhecimentos actuais,
ou pela mesma razão a pessoa cega pode não estar a par de toda a vizinhança, da demolição da casa do quarteirão seguinte, tão penetrante é a dificuldade
do cego em observar pessoas e coisas, comuns da vida diária.

Ela sofre também uma redução nas oportunidades de obter novas experiências e informações sobre acontecimentos programados ou prenunciados, tais como a escalação
do próximo jogo, o anúncio de uma conferência, o peso dos lutadores de boxe no jogo do dia, o programa de um concerto ou ópera, o chamado para o teste
de incursão aérea, ou a eminência de uma tempestade. A falta dessas informações pode causar à pessoa cega prejuízos em várias áreas de sua vida, mas a
dificuldade para obter informações actuais afecta mais directamente a sua posição perante sua própria mente e no círculo de amigos e conhecidos. O que
acontece para a sua posição dentro da sociedade quando ele tem (ou sente que tem) cada vez menos para dar? As informações são o estofo do qual o conhecimento
é formado e, gerai mente, confunde-se a falta deste com a falta de inteligência. Os amigos começam logo a pensar que a falta de actualização nos conhecimentos
por parte daquele que perdeu a visão é fruto da estupidez. E não estará longe o dia em que ele próprio se considerará um ignorante.

É fácil observar os efeitos na pessoa que se tornou cega, quando ela começa a perceber o que resulta deste “morrer para o mundo em que vive”. Ela pode render-se
e viver no passado, tornar-se um “técnico” em algum assunto e dominá-lo todas as vezes que alguém o ouça; tomar a palavra e falar sobre coisas, das quais
nada sabe; parar completamente o seu desenvolvimento intelectual, fechar sua mente a todas as opiniões novas e apegar-se somente às coisas que já conhecia
— a não ser que, algo seja feito para restaurar esta perda, nesta área vital de manter-se em dia com o mundo em desenvolvimento.
CAPÍTULO 5
PERDAS NA APRECIAÇÃO

11 - Perda da percepção visual do agradável

No estudo dessa perda devemos notar a chocante diferença entre a atitude, pelo menos a atitude verbal, da pessoa dotada de visão quando encara estes aspectos
da cegueira e aquela das pessoas que se tornaram cegas. Aquelas quando falam e escrevem sobre o problema frequentemente mencionam algo como: “Nunca mais
contemplar as faces maternas, nunca mais ver o próprio lar aninhado entre árvores”. No entanto a pessoa que perdeu a visão raramente faz menções desta
natureza.

Várias são as possíveis interpretações da incapacidade que tem a pessoa que ficou cega em discutir minuciosamente esta perda. Mas, se formos tentados a
pensar que isto acontece por não ser esta perda considerada vital, basta consultarmos depoimentos de pessoas que recuperaram a vista após anos de cegueira.
De um modo ou de outro, várias vezes declararam: “A coisa mais maravilhosa foi ver minha esposa e meus filhos novamente”; ou “A maior de todas as impressões
foi ao virar a esquina da minha rua, pela primeira vez em anos, ver a casa na qual vivo há tanto tempo”. Isto sugerirá uma perda insignificante? Ao contrário,
sugere uma perda tão grande que tem sido impossível traduzi-la em palavras.

O que analisamos aqui é a perda da recepção visual (do abranger) de um objecto, no qual quem perdeu a visão, anteriormente encontrava prazer. Este objecto
pode ser um quadro na sala de visita o qual, nem num esforço de imaginação, alguém classificaria de lindo, ou uma peça de arte religiosa completamente
desgraciosa, completamente disforme que, no entanto, simboliza algo para ela. Poderá ser ainda o “sorriso materno”, apesar de ser o de um rosto comum ou
do mais delicado de todos, ou então “seu lar aninhado entre arvores”, mesmo que seja uma monstruosidade arquitetónica. Para ela será o mais acolhedor de
toda a redondeza. O valor intrínseco existente nestas coisas e que a encanta é este prazer especial que está agora perdido.

Neste sentido, também poderão ser objectos agradáveis, por exemplo, o tráfego de uma cidade, a velocidade dos novos carros, pessoas circulando numa estrada
próxima, carneiros pastando, as cores de uma vitrina, a corrida de um coelho, ou o galope de um belo cavalo., Em qualquer caso, a perda é proporcional
ao prazer que o indivíduo encontrava ao olhar estas coisas.

Esta perda poderá ser de aspecto normal dentro do prazer “sensível” e “espiritual”
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, a visão de um homem elegante para uma mulher e a de uma linda mulher para o homem; ou poderá estar no campo de prazeres pecaminosos e anormais aonde as
satisfações eróticas se desencadeiam?
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Ou, voltando para o normal e isento de pecado, o objecto de prazer pode ser o próprio eu, O prazer inocente de algo fútil que muitos sentem ao se olharem
no espelho, está terminado. O ulterior prazer - e mesmo sem o espelho -da visão consciente do próprio corpo. uma percepção que na maior parte das vezes
é inconsciente e que provavelmente existe em nós desde o dia em que fizemos a primeira grande descoberta: de que aqueles dedos, ao pé do berço, nos pertenciam,
- tudo isto está perdido e pode ser incluído nesta perda da percepção visual de um objecto agradável.

Alguns incluiriam tamb6m aqui a perda do prazer na visão receptiva, mas eu não creio que tal prazer exista nos sentidos da visão e audição.

Não obstante, devemos considerar a perda imediata do prazer que sentimos em certas ocasiões na presença da cor, forma ou movimento, Este aspecto particular
diz respeito não só às reacções múltiplas: emoções associadas aos dias de nossas primeiras impressões com a forma, cor e movimento, mas especialmente,
com as ligadas ao nosso treino em avaliar e aprecia-las, ou com o nosso “condicionamento” para evitá-las e fugir delas.
12 - Perda da percepção visual do belo

Esta é a perda da capacidade de abranger visualmente um objecto que é belo; a perda da percepção visual e do “embeber-se visualmente” no que é belo. Nem
todos que perderam a visão sentem esta perda. Algumas pessoas não podem “morrer” para esta visão do belo pois nunca viveram com ela, Mas, para aqueles
que a sentem, isto será uma das mais graves consequências da cegueira.

Agora, toda a beleza experimentada através da visão, todo prazer que os inflamava e os fazia vibrar a simples presença do verdadeiramente belo, foi afastado.
Defrontar-se com a beleza delicada ou majestosa de um objecto, saber que ele está ali na nossa frente, e todavia ser incapaz de contemplá-lo, produz uma
sensação diferente, uma dor sem prazer, somente com terrível frustração. Permanecer impotente enquanto outro ineptamente procura descrever com palavras
inexpressivas algo belo, poderá realmente, ser fonte de sofrimento.

Os que têm visão fazem menção a esta perda mais frequentemente do que a anterior, “Nunca mais ver o colorido de uma rosa, o esplendor do por do sol”. O
que se tornou cego raramente se refere a isto.

Esta é uma diferença de atitude difícil de avaliar. Talvez os que enxergam achem mais fácil falar sobre esta perda do que sobre as outras. Talvez os impeça
de considerar outros aspectos da cegueira sobre os quais não querem pensar. Ou possivelmente esta perda tenha sido tão explorada na literatura que os que
possuem visão se. consideram na obrigação de fazer referencias ao facto. Mas por que a pessoa cega a menciona tão raramente? Será uma perda sem importância?
Talvez a considerem tão óbvia que não há necessidade de lembrá-la. Talvez seja tão sobrepujada por outras, que desapareça. Possivelmente será uma perda
insuportável. Entretanto, será mais provável que a verdadeira amargura desta perda seja sentida apenas por pessoas que possuem uma forte noção do belo
que o sentirão menos ou mais, conforme a ocasião. Ou então, que represente uma impressão tão íntima e ligada ao coração que o facto de abordá-la em termos
errados, com a pessoa errada, deprecie e macule seu significado, o que seria ainda mais doloroso.

Mas, seja qual for a razão, não há dúvida que representa uma perda grave à percepção individual e à apreciação visual do belo que existia anteriormente.
Para muitos isto constituirá uma enorme limitação.
CAPÍTULO 6
PERDAS RELACIONADAS À OCUPAÇÃO E À SITUAÇÃO FINANCEIRA

13 - Perda da recreação

Recreação é arejamento, reanimação, dádiva de uma vida nova, especialmente, após trabalho estafante, ou ansiedade. De uma forma ou de outra, é importante
para todos e em especial para aqueles sob séria tensão. Todavia, no decorrer de uma cegueira recente, com todas as tensões e pressões que acarreta, a pessoa
cega também perde a recreação. Sob qualquer aspecto, trata-se de uma perda grave.

A recreação varia muito, de acordo com as necessidades de cada indivíduo — temperamento, hábitos — que seria impossível catalogar todas as suas formas,
Entretanto, já ajudaria bastante se nos ocupássemos das mais comuns, dentro de nossa cultura, a fim de termos a noção de quantos são os seriamente prejudicados
com a perda da visão.

A recreação, para a maioria das pessoas é intelectual ou física, ou mesmo, uma combinação de ambas, Para alguns, a leitura recreativa vem em primeiro lugar.
Há também os que gostam de trocar ideias com outros, a respeito do que leram, Já outros preferem o cinema, teatro, jogar cartas, ou mesmo, encontram estímulo
no jogo de damas ou de xadrez. Muitos se divertem dentro do ilimitado campo da conversação e contacto com pessoas, A recreação pode também consistir em
assistir televisão, ou praticar um ou outro tipo de desporto, comer fora, novas amizades, ter prazer em dirigir um carro, cavalgar, os “hobbies” — coleccionar
selos ou coisas inúteis. A oficina de trabalho no fundo do porão, a tela do pintor amador.

Há, outrossim, a recreação que existe em esforço físico maior: o “constitucional”; as longas caminhadas através das florestas, o jogo de bola, o boxe, tênis,
as partidas de golfe, caçar, pescar, velejar, praticar equitação e toda aquela série de actividades que fazem com que o indivíduo se sinta como “novo”.
De repente, a cegueira interrompe tudo; tira todo o prazer, colocando um ponto final a tudo isto.

Geralmente, se pensa na música como uma forma de recreação universal para a pessoa cega. Contudo, o músico-cego — pianista, trompetista, aquele que se dedica
aos instrumentos de corda —, encontra agora seu prazer bastante diminuído, ou mesmo acabado, se ele até então, dependia, em parte, ou totalmente de música
impressa. É certo que o indivíduo que encontrava prazer em apenas ouvir música, pode continuar sua recreação da mesma maneira que antes, Porém, se para
tanto ele necessitava sair de casa para se dirigir a locais onde agora não pode ir, ou se fica pouco à vontade, então, isto também irá prejudicá-lo.

Sejam quais forem os tipos de recreação, formais ou informais, que tenham ocupado uma parte importante na sua vida, ou somente nos fins de semana, ou nas
férias anuais, sua perda pode acarretar uma completa confusão dentro dos moldes do seu padrão de vida, incluindo o campo emocional e seu bem-estar físico.

Se a participação de um determinado desporto é importante para um homem da sua idade, então, sua própria presença ali, cego, incapaz de participar, pode
acarretar-lhe sentimentos de frustração, até mesmo, despertar sentimentos de suspeitas em relação a sua masculinidade. É lhe negado até mesmo aquilo que
é tão importante para os que tomam parte em competições de desportos e que lhes é devido – a recompensa dos aplausos por algo bem executado.

A recreação pode ter tido diferentes significados para o cego: uma fuga das vicissitudes e labutas da vida e agora, com toda a certeza, as vicissitudes
se não a fadiga da vida aumentaram tremendamente e não há escapatória. Poderia ter sido seu único meio de afastar sentimentos (quem sabe, de hostilidade
e agressão) e agora, nada resta a fazer em relação a estes sentimentos, excepto mantê-los dentro de si mesmo.

Poderia ter sido seu único meio de protecção contra divagações, sonhos e fantasias eróticas e, agora, esta protecção desapareceu. Poderia ter sido sua única
oportunidade, para competições de igual para igual, a fim de se sentir autêntico, completo e adequado e agora quando ele mais necessita de tais coisas,
elas desaparecem.

A perda da recreação é uma perda grave uma “morte” na qual não há oportunidade para “arejamento” para uma vida “nova”.

Comentários

Caro Francisco,

Li com muito interesse o seu artigo para reflexão, e muitos sentimentos experimentei ao longo da leitura, sobretudo sentimentos de indignação e vontade de mudar o mundo, seja com o meu testemunho e de outros, seja através da escrita, do meu blog, poemas, contos, etc.

Gostaria primeiramente de o felicitar por ser uma pessoa determinada e que busca a partilha da verdade através dos meios de comunicação possíveis, não deixando de exaltar o lerparaver, pois que é ele que me tem dado uma visão mais realista e nobre do ser humano que tudo faz por viver dignamente. Os seus artigos, alguns deles que já li, são muito interessantes e de uma criticidade que torna o lerparaver um espaço de partilha e mudança de atitudes, quer do próprio, quer dos demais.

Mas voltando ao início.

Tais conclusões a respeito das pessoas cegas são meras ilusões que se tem da cegueira, tão denegrida ao longo dos séculos, e imbuídas por uma cultura materialista baseada na perfeição e na produtividade. O cego, impossibilitado do que socialmente é considerado mais essencial, sofre toda a casta de preconceitos e discriminações, ainda hoje visíveis e presentes no dia-a-dia de todos nós.

A cegueira é entendida como um mal que compromete de forma irreversível o futuro do cego. Estou somente a dar um exemplo, pois é uma grande mentira que a sociedade se encarrega de transformar em verdade dogmática. A literatura e a ciência contribuíram para agravar ainda mais o preconceito sobre a cegueira. O cego é alguém quenão possui capacidade para assimilar o que o rodeia, porque não possui o condão da visão, o principal meio de conhecimento do mundo.

Se a comunicação é um factor de desenvolvimento, o lapso de todos os estudos aqui descritos é que o Braille resolve o problema da leitura e da escrita. O autor de tal artigo deveria desconhecer por completo este sistema.

Quanto à expressividade, tais afirmações revelam um profundo egocentrismo do autor, pois as emoções e os gestos do corpo são os mesmos na pessoa que enxerga. Cegos congénitos que nunca enxergaram expressam as suas emoções de variadíssimas formas, pois não lhes basta enxergar, ouvir é muito mais importante, e a mímica está em todo o corpo, pois é através dele que comunicamos voluntária ou involuntariamente.

Pessoas mal esclarecidas na matéria da cegueira e que partem de sobrepostos unicamente estatísticos (a normalidade é o que a maioria faz), religiosos (a deficiência é um castigo ou uma santidade), culturais e sociais (os valores são impostos e devem ser considerados sob pena de exclusão), o conformismo social, o evolucionismo (a lei do mais forte, o deficiente é visto como uma cópia imperfeita da Natureza), e tantos outros pressupostos, que são levados a sério nas práticas educativas por pessoas mal informadas e que não possuem capacidade de análise...

Como saber ajudar o nosso semelhante sem cair na ilusão de fazer do nosso ponto de vista o que é a apreensão do real? Só através do diálogo aberto e da consciência através do contacto directo e sincero com essa pessoa, que nada é do que aparenta ser.

Cumprimentos.

Caro amigo,
Suas palavras soaram como poesia, cujas rimas impecáveis fazem ver os olhos do espírito, com notas musicais que provocam imagens na mente de quem as ouve.
Obrigado pela contribuição e gentis observações.
Infelizmente, os que deveriam ler tais palavras, fecham olhos ouvidos e dedos para não o fazer; infelizmente, os que deveriam ouvir tais palavras, fecham os olhos e as mãos e os ouvidos, para não o fazer; infelizmente, os que deveriam ver o que escreveu, meu caro, não entendem o que leem, com o entendimento da razão, do espírito livre de preconceitos, da mente aberta para a eliminação de barreiras atitudinais.
É pena, amigo, que tenhamos de gritar tanto e tantas vezes para que possam ouvir-nos, uns poucos sussurros, por vezes imperceptíveis aos ouvidos, olhos ou dedos que teriam para ouvir, mas que não usam, não reconhecem úteis aos que desses sentidos fazem para superar as barreiras atitudinais dos que se pensam perfeitos e nos pensam incapazes.
Há muitos anos, muitos anos mesmo, ouvia de um garoto que: "para sermos considerados %80 dos videntes, precisamos ser duas vezes melhores".
Ironia, essa realidade ainda é real, cruelmente real.

Prof. Francisco Lima, ( www.associadosdainclusao.com.br )

Caro amigo,

Fiquei muito contente ao ler o seu comentário, pois vejo que estamos em perfeita sintonia e que lutamos sem desistência contra os preconceitos, nossos e da sociedade.

É triste que os outros não olhem para o nosso interior, pois com uma limitação não deixamos de ser seres humanos sensíveis e úteis. Só nós sabemos que tesouros maravilhosos se ocultam dentro de nós, mas para isso é necessário que nos dêem a oportunidade de o mostrarmos em vez de nos fecharem a sete chaves em casa ou em instituições de solidariedade, as quais nos privam do contacto real com os nossos semelhantes. Eu nunca quis ser institucionalizado e separado do resto da realidade, mesmo que nas escolas regulares não existisse quem soubesse lidar com um jovem surdocego.

Tenho de lhe contar um episódio engraçado da minha vida. Antes de eu ficar completamente cego, não me esforçava muito nos estudos, mas aos 18 anos não me distría com coisas fúteis, desejando conhecer o que não podia alcançar com a visão e a audição. O Braille tornou-se o meu mundo, e como desde muito cedo manifestei gosto pela escrita, passei a valorizar o que tinha em vez de ficar a invejar os sortudos que enxergavam. Pois que a inveja que saboreava com amargura nada de bom me podia trazer, excepto ainda mais infelicidade. Eu podderia encontrar uma luz na escuridão que me guiaria para fora dela e me mostraria o que eu antes ignorava.

Portanto, escrevia para me libertar, e fazia-o com a alegria de quem descobre que a vida é possível e tem mais valor quando se tem uma limitação.

Mas eu tinha duas e viver com elas era necessária uma grande dose de coragem, e não sei onde a fui buscar nas horas mais difíceis, mas a minha força de vontade impelia-me para a vida e para a necessidade de vencer.

Foi uma caminhada dolorosa, e muitas vezes os meus fantasmas vinham atormentar-me o espírito com pensamentos negativos a meu respeito.

Se a deficiência tem uma História infeliz, a minha também tem e muitas vezes pior do que a surdez ou a cegueira. De que se tem mais medo, pergunto eu, da cegueira ou da surdocegueira? Custa a imaginar uma pessoa com as duas limitações a escrever-nos este texto e que construiu uma família e que faz praticamente tudo o que pode.

Eu não nasci surdocego e pensava as mesmas coisas que as pessoas a que chamam "normovisuais". Bem, as coisas só fazem sentido quando passamos por elas, e nunca irão entender o que nós sentimos na sua íntegra. Eu já me comportei como um "deficiente", mas isso foi porque, no momento, me sentia desamparado e sem confiança em mim.

E quando saí desse estado de me sentir socialmente um indesejável, dei tudo por tudo para levantar o meu moral, pois percebi que um verdadeiro limitado era aquele que não tentava ganhar a vida. Sei que me viam não só como deficiente visual e deficiente auditivo, mas também como deficiente mental, pois era notório o espanto que os outros tinham de mim, que fazia o que para mim era normal e nada de extraordinário.

No início, tinha raiva e detestava isso, mas depois entendi que não o faziam por mal e que eu tinha a responsabilidade de os informar do que não sabiam. Pois eu reagiria da mesma forma com outra pessoa com deficiência. Mais do que informar, teria de desculpar a sua ignorância e fazê-la ver que o ser humano consegue adaptar-se às situações, pois isso não é de estranhar e faz parte da vida de todos nós.

Prefiro uma boa conversa ao invés de soltar os meus cães raivosos contra a pessoa que não sabe, que foi educada assim, que nos vê como uma raça inferior, que julga que o que nós precisamos é de piedade.

Cumprimentos

Olá Marco !

Mais uma vez relembro, que apesar de sermos limitados pela deficiência q nos é inerente, tamos vivos !
E como vivos, devemos dar testemunho de vida, devemos viver a vida do melhor jeito possível !

Todos nós passamos por fases más, eu tb passei, passei horas e horas dos meus tempos livres a bobinar cones, para jntarmos um dinheiro extra pra pagar a casa, enquanto q as outras crianças brincavam no pátio, eu tava sempre ali a vigiar a máquina, pôr cones, tirar cones, embalar, emendar o fio ... !
E passei por imensas privações, gastando só o mínimo dos mínimos, para conseguirmos pagar a casa, durante cerca de 10 ou mais anos !
Se eu chupasse um gelado num mês, já era mto bom !
Mas agora graças a DEUS temos uma casa q é só nossa, eu arranjei um bom emprego, já remodelamos a casa de uma ponta a outra, e temos todo o conforto !
Mas suamos mto pró conseguir, e foi o q me motivou pra ir prá Faculdade !

Depois da tempestade, vem a bonança, e o q é preciso é não perder a esperança, e seguir em frente, lutando com unhas e dentes pelos nossos ideais ! loool

Abraços

Felipe, concordo com sigo que os limites, os temos. E a eles superamos, seja por meio de tecnologias assistivas, por meio de recursos internos, pela participação de outros no que fazemos, e assim por diante.

Mas, assim como todos os mais, nossos limites, ainda que com base, ou relacionados à deficiência, são suplantados, mormente quando nos são respeitados os direitos, nos são oportunizadas as condições de igualdade e oportunidades disponíveis aos que não têm deficiência.
Por isso, exemplos como o seu, de privação superada pelo empenho e pela persistência são comprobatórios de que somos pessoas, apenas pessoas e como tais, exigimos sermos tratados.

Quando isso o for, não precisaremos servir como exemplos: seremos "Nós".

Abraços,

Prof. Francisco Lima, ( www.associadosdainclusao.com.br )

Olá, caro Francisco Lima
Permita-me tecer alguns comentários sobre a postagem.
Sou deficiente Visual e como tal,penso ser inadmissível tais afirmações de Thomas Carrol sobre o cego e a cegueira, considerando-se o estágio atual de nosso desenvolvimento e integração social.
Gostaria que você compriendesse, entretanto, que somos seres históricos, que a construímos e somos reciprocamente ingendrados por ela.
Não podemos, de modo algum, fazer juízos de valor sobre os espartanos, por exemplo, visto que estes viviam da guerra, atividade essencialmente física, sobretudo naquela época.
Sendo, portanto, inaproveitável uma pessoa cega, visto que essa era quase que a única atividade em Esparta.
Isto serve apenas para ilustrar meu argumento.
Karl Marx dizia que o homem desenvolve-se a medida que se separa da natureza, ou seja, dos simples meios que ela oferece.
Não podemos, portanto, julgar as civilizações antigas por seu afastamento das pessoas com deficiência, pois esse era o orizonte de sua compreensão, e por que não dizer, o único possível na época.
Nosso momento é bem outro.
Podemos virar o jogo.
Mas esquessamos o passado e lutemos.
Quanto a José Saramago, não é atoa que recebeu o prêmio nobel de literatura.
E quando falava sobre cego, apenas fez metáforas, com efeito, nada dizia sobre o cego real.
Saldações

Olá Francisco !

Não sei se entendeu o meu raciocíonio ?
Mas quando falo em limitados não quero dizer de incapazes, bem pelo contrário, bem capazes !
Aceitarmos os nossos limites, deve ser o primeiro passo a ser dado !
Porque a partir do ponto em q aceitamos os nossos limites, ah, aí seremos uns autênticos lutadores !
Nós temos imensas capacidades, só as temos q as pôr a render, e mostrar à sociedade, q apesar de deficientes somos mto capazes !
Claro, q ao aceitarmos as nossas limitações, não tamos a baixar os braços, e aí daqueles q o façam, bem pelo contrário, precisamos de ir constantemente à luta, denunciar o q tá mal, exigindo q respeitem os nossos direitos, mas tb acatando os nossos deveres !
Mas, claro, não basta dizer, mas mto mais do q isso fazer, com acções concretas, dando testemunho e exemplo !

Qdo eu falava em pertençer a uma associação ou movimento ....
Eu não quis dizer q qualquer cidadão deficiente, possa dar testemunho e o seu contributo !
Mas porque simplesmente a união faz a força, e se 1 deficiente é forte, muitos deficientes unidos pela mesma causa, terão mto mais força !

Abraços

Meu caro, certamente entendi o que disse, e o fez com propriedade. Minhas palavras apenas buscaram complementar o assunto, aprofundando naqueles aspectos.
A pessoa com deficiência não é só vista pelo como se apresenta, mas também pelo como a sociedade a imagina ser. Se fôssemos vistos como pessoas que têm limites, ora, os limites são superáveis, daí seríamos vistos como detentores da capacidade de falarmos por nós próprios, de fazermos o que desejamos de nosso destino etc. Acontece que a nós é negado o direito de termos limites e nos é imposto o pejo da incapacidade, promovido por pseudo defensores do que "é melhor para pessoas com deficiência".
Sei que você entendeu isso bem e suas palavras deixam claro isso.
Todavia, será que a perspectiva do limite em oposição à incapacidade é percebida por mais que alguns?
Abraços,
Francisco Lima

Olá Francisco !

Não sei se o amigo é cristão, mas quer seja quer não seja, não farei julgamentos nem tratamento diferenciado !
Eu respeito as diferenças ! lool

E numa passagem diz: "Vós sois o sal da terra" ... !
Ora isto tem muito q se lhe diga ... !

Nós sentimos na pele as dificuldades, as barreiras ... e nada melhor q nós próprios para dar testemunho de vida !
Temos q fazer a diferença, lá está salgando a terra (entenda-se Sociedade) ... !
E se não somos nós a salgar, mais ninguém o fará por nós, acreditem !
É por isso q apesar de sermos poucos, devemos dar testemunho com qualidade, para q aos poucos possamos ir salgando a sociedade, e aos poucos e poucos, as mentalidades vão mudando !

Eu sei q mtos ditos normais, nos vêm como coitadinhos, como incapazes, mas temos q sermos nós a inverter o jogo, dando mais coragem a esses deficientes q se sentem nessa situação, para q tb eles não se deixem rebaixar ... !
E nesse aspecto, o Lerparaver tem um papel fundamental !

Abraços

Olá, amigo!

Como é reconfortante ouvir as palavras sinceras de um amigo como tu! Fiquei emocionado com o teu testemunho, mas a nossa vida é feita de momentos bons e maus. Tu, eu e todos do lerparaver tivémos de superar os momentos maus e a tirar lições deles para darmos mais valor às pequenas coisas da vida.

Fiquei feliz por ti, pois a experiência tornou-te mais sábio e verdadeiro nas palavras e nos gestos. Foi duro, mas valeu a pena, como sempre valeu a pena lutar.

Tu és um exemplo de vida para todos nós, e admiro-te pela energia e alegria de que dás provas.

Abraço.

Hei maninho !

Tás fx ? Eu tb tou ! looool
Obrigado pelos teus elogios ! loool

É, acho q a sociedade precisa de ler testemunhos como o meu, o teu ... para ficar mais sensível à nossa realidade !
Claro q sim, tivemos momentos duros, mas isso nos serviu de lição pra nos fortalecermos, para irmos mais além, e tb pra darmos + valor às pesquenas coisas da vida !
Vale sempre a pena ! lool

Abraços

Marco, ler seu texto é sempre um elogio à inteligência e ao espírito, meu caro.
Concordo com sigo que a tomada de consciência de nossos limites, sem contudo nos deixarmos cair na armadilha de que somos incapazes, armadilha esta que muitos nos querem fazer cair, é crucial para que nos organizemos mental e socialmente em rumo da construção de uma dignidade que nos é de direito e que ninguém nos deve tentar tirar.

Acreditarmos no potencial interno, para que dele tiremos forças para lutar contra os obstáculos impostos por uma sociedade excludente é indispensável e de veras necessário. Superar limites impostos pela deficiência, a fim de combater a crença descabida de que somos incapazes é extenuante, porém necessária, a todo o momento.
Então, colhermos frutos de nossa lavra, ao longo da caminhada pelo direito à cidadania é importante para que nos alimentemos contra o preconceito, a discriminação e as insistentes barreiras atitudinais. E, para que façamos isso, temos de nos mirar em exemplos como o que nos oferece, não por ser pessoa com deficiência, mas por ser pessoa humana que confirma como somos capazes de superar obstáculos diversos, dentre os quais, os grandes obstáculos que, por vezes nutrimos dentro de nós, a partir da semente plantada por uma sociedade que vê a pessoa com deficiência, um estorvo, um não sei o que incapaz, inútil, inválido, inferior, meramente por ter aquela pessoa, alguma deficiência.

Como sabemos, quando nos levantamos contra esse estado de coisas; quando tomamos para nós as rédeas de nosso destino; quando assumimos para nós o dever de sermos construtores de nossas vidas; quando reconhecemos que nossos limites não são as tais incapacidades que nos querem imputar, aí, nos encontramos pessoas humanas detentoras de direitos, pelos quais devemos lutar e pelos quais devemos exigir que venham ser criados. Isto é, pelos quais não devemos ficar a pedir que sejam cumpridos, uma vez que não devemos pedir, mas exigir; não esperar que sejam criados, uma vez que não se pede direitos, se os exige. E, também, não devemos nos sentirmos agradecidos por termos um direito respeitado, ou criado para responder aos nossos direitos fundamentais de pessoa humana, mesmo porque, não se trata de nos sentirmos obrigados para com os que cumpriram seu papel social, mas de reconhecermos o cumprimento legal que observaram.

Reafirmando: direito, não se pede, se exige. Direito respeitado não se agradece, se reconhece o devido respeito.

Marco, suas palavras deixam-me esclarecido de quanto precisamos difundir o entendimento de que "Nada de nós, sem nós" não é apenas um jargão que algumas pessoas com deficiência fazem uso para estarem se beneficiando da indústria da deficiência a que muitas pessoas, pretensas defensoras das primeiras, já têm-se locupletado há muito tempo.

"Nada de nós, sem nós" é estarmos ocupando os espaços que são de nosso direito na sociedade, gerindo nosso próprio destino, influenciando nos assuntos que nos concernem, não só enquanto pessoa com deficiência, mas prioritariamente como pessoa humana com deficiência.

Caríssimo, também tenho comigo que não se é preciso estar em alguma instituição, associação ou algo assim para lutarmos contra os descaminhos sociais no que tange a pessoa com deficiência. Por exemplo, a cada passo dado por si, a cada pessoa que falam suas palavras, a cada imagem que constrói na mente das pessoas a respeito da pessoa com deficiência, você e todos nós, faremos parte do movimento em prol de uma sociedade inclusiva, não a sociedade excludente que está aí, mas aquela que, transformada desta, se organiza no respeito, no acolhimento e na defesa de as pessoas com deficiência serem tidas e vistas como pessoas humanas que são.

Obrigado pela profunda contribuição, Marco.
Cordialmente,
Prof. Francisco Lima, ( www.associadosdainclusao.com.br )