O acesso à comunicação no seu sentido mais lato é o acesso ao conhecimento e este é de importância vital para nós se não quisermos ser desprezados ou protegidos por normovisuais condescendentes. Não precisamos de piedade nem de que nos lembrem que somos vulneráveis. Queremos ser tratados como iguais e é através da comunicação que podemos consegui-lo.
(Louis Braille)
O BRAILLE NA MINHA VIDA
Gosto de me recordar como, durante muito tempo de rejeição e de desconfiança, passei a amar com paixão o Braille. A minha atitude mudou tanto desde que fui integrando o Braille na minha vida, recebendo uma louvável iluminação e libertando-me de uma escuridão que ameaçava não acabar para mim. Mas hoje essa escuridão é algo ancestral, do tempo em que o homem primitivo não tinha ainda inventado a escrita e, por isso, vivia como um animal ignorante e inculto; ou algo fictício, criado para termos medo ou depressões; ou simplesmente é a diferença do dia.
No entanto, não vou fingir que não sou cego, que não vejo, mas há uma segunda visão que a cegueira não consegue tirar nem pôr. Não é a visão do animal que se orienta até ao alimento e abrigo, mas a visão que orienta o espírito até à razão e ao coração. Sem o alfabeto por pontos essa segunda visão poder-se-ia perder e então eu seria não apenas fisicamente mas também espiritualmente cego.
Além de cego sou surdo e ai de mim se não existisse esta linguagem! Só faltava que o génio humano criasse uma linguagem táctil, pois apenas foram criadas linguagens sonoras, como o código Morse, e visuais, como a pintura Assim, o Braille veio enriquecer as formas de expressão humana, e a necessidade de comunicação é o seu resultado!
O Braille permitiu-me sair do isolamento e do torpor da alma, ampliando-a e ajudando-me a ser o que hoje sou. Foi ele, um amigo incontestável, que me permitiu passar para o papel os meus belos poemas e chegar hoje à universidade. A minha gratidão por Louis Braille, muitas vezes confundido como o segundo Apolo, devido à simplicidade, harmonia e perfeição formal do seu sistema, e porque este cego espalha uma luz sobre a Terra, é emocionalmente infinita!
Mesmo que o Sr. Dobelle, o pai do olho electrónico, afirme que o Braille passará a ser uma antiguidade, eu não o deixarei de estimar e de reconhecer o seu valor vital. Pois eu creio que nada superará o Braille, e mesmo superando-o eu não o deixarei de usar como um complemento essencial.
Fui compreendendo que ao aprender a ler com os dedos das mãos tive de confrontar os meus pontos fortes e fracos, ou seja, ou era persistente (ou passaria a sê-lo) ou não tinha paciência e ficava pelo não. Aliás, cheguei a pensar que o Braille não era nada em comparação com a minha visão muito rasa, porque, no fundo, Braille significava cego que, por sua vez, significava tragédia
Conto isto, porque, afinal, o que eu compreendi foi que seria realmente uma tragédia se os cegos e surdocegos jamais pudessem ler e escrever, ir à escola, ter um trabalho qualificado e contribuir para o progresso da Ciência, da Arte, da Literatura e de uma humanidade mais unida e verdadeira, sem superstições e exclusões.
O Braille, na minha opinião, é o símbolo da emancipação cultural dos cegos, pois ele deu-me asas para voar e ir ao encontro dos meus objectivos. E com o amor que lhe tenho, sou um leitor e um escritor por excelência!
Termino o meu texto contando que, quando tinha dezasseis anos e estava a aprender Braille, fiquei muito aflito e vazio com a minha máquina de escrever escangalhada. Ao conseguir repô-la tratei-a com mais carinho.
Terá o Braille magia e sintonia com o nosso tacto?
Marco Aurélio Maltez Branco
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Comentários
Redescubri o prazer da leitura com o Braillo
Olá Querido Marco!
Pois é! Sem o Braille, como seria possível descubrir o prazer da leitura? Eu adoro ler...arranjo sempre um tempinho para a leitura!
Aprendi o Braille com 19 anos. Sempre li a negro. Na escola as fichas e manuais eram ampliados. 13 anos passaram e o meu olho que vê, não consegue ler um livro a negro...está muito cansado e quero preservá-lo!
Pensei! Não vou deixar de ler...de maneira nenhuma! Iria sofrer muito...Lembrei-me do Braille...Pois é! Já não praticava o Braille há tanto tempo...! Mas era a única solução, tinha que tentar...
No início custou-me um pouco. Pois, já não lia nada em Braille há muito tempo! Mas tenho praticado bastante. Todos os meses recebo livros da Biblioteca Municipal de Gaia. A Susana Vale, tem sido uma querida comigo...deixo que ela escolha os meus livros, já que ela conhece os meus gostos de leitura! É uma senhora fantástica, sempre disponível!
Leio com os dedos...Sinto-me uma priveligiada ao fazê-lo! Pois, nem toda a gente que vê, consegue! A minha professora de Braille nunca acreditou que eu conseguisse e enganou-se! È um prazer ler com os dedos...não preciso de cansar o meu olhinho saudável! Com o Braille redescubri o prazer de ler!!! Ás vezes até me esqueço das horas que passam...Quando leio parece que o tempo passa a correr e eu não dou por ele...
Sim, Marco! O Braille tem magia e sintonia com o nosso tacto! Que lindo!
Beijos!
Céu Coelho
Uso e abuso do Braille
Olá querida Céu!
Eu devia ter feito como tu: ter aprendido Braille mais cedo e enquanto o meu olhito tinha alguns resíduos. Mas eu usava e abusava da minha pouca visão para jogar computador, desenhar à luz forte do Sol e estudar para sacar boas notas. Ao contrário de ti, recusei o Braille durante quase um ano porque não queria que pensassem que eu era cego. Eu não preservei nada a minha vista com o Braille e quando finalmente dei por isso já era demasiado tarde.
Agora tinha de aprender Braille a sério se queria continuar a ler e a escrever que eu tanto me entretinha. Tal como tu eu sempre adorei ler e sem o Braille como poderia sentir o prazer de um bom romance de aventura? E claro, queria sacar boas notas, muitas vezes para ser o melhor da turma, o que eu conseguia ser.
Comecei a usar e a abusar do Braille. Todos os dias escrevia e lia de dia até noite, numa febre de conhecer e de me manter actualizado. Porque além de não enxergar, não dispunha da audição e muita coisa vital passava-me ao lado.
Durante muitos anos os livros foram os meus melhores amigos e a única maneira de estar informado.
Hoje vivo inteiramente para o Braille, mas é um abuso depois de recuperar a audição não me habituar também ao jaws para estimular a audição.
Céu, fico feliz por sentires prazer com os teus dedos porque quando eu leio com os meus é como se estivesse a viver um outro mundo cheio de imagem, cor, som, sensação e emoção. Os pontinhos para quem enxerga faz muita confusão e deve ter sido por isso que a tua professora de Braille pensou que não ias aprender. Mas ainda bem que conseguiste e que tomaste a decisão de preservar o teu olhinho que muito jeito te faz no dia-a-dia. Eu, infelizmente, não posso fazer o mesmo. O que posso fazer é agarrar-me ao Braille que tanto me tem ajudado a ser feliz!
Adoro-te, muitos beijinhos e lê sempre Braille!
Braille
Linda postagem!
Sou aluna da universidade federal de pernambuco, faço pedagogia e à duas semanas a professora de psicologia nos passou um seminário sobre deficiência visual.
Desse dia pra cá não paro de ler sobre o braille, estou aprendendo o alfabeto e já consigo formar algumas palavras, não sou cega, mas quero aprender braille para ler com os dedos, quero viajar pelo tato também!!!
enfim, tenho dúvidas sobre regras que acredito que o braille tenha, vi em um livro algumas coisas sobre substituição de alguns conjuntos de letras, e para ficar craque, fiz uma pré matrícula em um curso de braille, quero mostrar que o braille deve ser universal, ele com certeza é uma benção e eu quero usufruir também.
O professor Francisco foi quem indicou suas belas obras e eu tenho me dedicado a passar sempre por aqui, é bom está por perto de quem é feliz!
Como estudante sou bastante curiosa, por isso se quiser me enviar e-mails sobre regras do braille ou qualquer outro assunto, ficarei muito feliz.
Um beijo, muito amor e felicidade SEMPRE!
Braille: o fim da "Idade das Trevas"
Olá Jaqueline!
Agradeço ao professor Francisco por ter partilhado consigo o meu post sobre o Braille.
Fico feliz que tenha gostado e que se interesse muito em aprender. Utilizo o Braille há 13 anos e foi uma das melhores coisas que me aconteceu. Pois eu sempre gostei de ler e de escrever e foi isso que me motivou a aprender Braille.
A Jaqueline parece-me diferente, pois quase todas as pessoas que enxergam não tentam ler Braille com os dedos... Eu também já enxerguei e achava muito difícil ler braille, mas a verdade é que os olhos atrapalham e é necessário estimular o nosso tato. É errado pensar-se que só o cego tem sensibilidade, pois até quem enxerga consegue, mas tem de começar da forma mais simples como eu comecei.
Assim, primeiro tive de estimular o tato realizando trabalhos manuais. Depois tive de aprender as letras do alfabeto, agrupando-as em séries. Na máquina Perkins aprendi só as letras da primeira fila, cujas teclas eram 1, 2 e 3. As letras que podemos fazer só com essas 3 teclas sao o "a", o "b", o "l" e o "k". Também aprendi as letras dos sinais superiores, isto é, em que na constituição das letras nao figuram os pontos 3 e 6. Esses sinais sao as letras "a" até à letra "j", que também representam os números de 1 a 0 precedidas do sinal de número que na Perkins sao as teclas 3456 pressionadas em simultâneo.
Quanto a essa dúvida, o Sistema Braille é universal, o que muda sao a forma como se grafam em braille as palavras de acordo com a língua de cada país. Por exemplo, no alfabeto português e brasileiro as letras "è" e "ñ" só aparecem em textos castelhanos.
Todas as regras encontram-se editadas num livro a tinta e em braille que se chama "Grafia Braille para a Língua Portuguesa". Vou ver se o tenho em digital para o pôr à disposição de todos.
Aprender Braille não é difícil; difícil é não querer aprender. Verá como depois se sentirá muito mais fascinada com a sua estrutura simples mas muito próxima do alfabeto dos que enxergam, pois muitas letras parecem ter a mesma forma.
Muitas felicidades e espero tê-la ajudado.