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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Dicas aos Professores de Alunos com Deficiência Visual

por Francisco Lima

No Brasil, é tempo de início das aulas. Estudantes com deficiência visual estão entrando na escola pela primeira vez ou estão iniciando novo ano letivo, muitas vezes (a maioria delas) se deparando com professores que ao contrário de terem sido formados para ensinar a todos, foram ensinados que pessoas cegas ou com baixa visão só podem estudar em certas escolas segregadas que gostam de ser chamadas de "especializadas".
Nessas escolas, presume-se, as pessoas cegas teriam ensino adequado às suas necessidades; o ensino seria de qualidade e elas não sofreriam preconceito e discriminação dos operadores da educação e dos colegas na escola.
Como isso não ocorre, vemos que também nessas escolas se negligenciam importantes aspectos da educação de pessoas cegas, como o ensino do desenho, da pintura, da matemática, da geografia, entre outros.
Para os professores que se deram conta que deficiência não é sinônimo de incapacidade e que perceberam que vale a pena investir em seus alunos, seja por razão moral e ética profissional, seja por razão de humanidade, seguem algumas dicas, compiladas em um artigo de nossa autoria.
Indago:
Você aprendeu a desenhar na escola, enquanto pessoa cega? Você recebeu áudio-descrição dos materiais gráficos em relevo ou outros que lhe eram disponibilizados na escola? Você ensina a seu aluno com deficiência, pensando que ele poderá ser um engenheiro, um biólogo, um geógrafo, um médico e tudo mais que desejar? Você ensina seu aluno, pensando que ele já chegou longe, tendo chegado até esse ponto e que tudo mais daí em diante é "lucro"?
Reflite, comente, discuta...
Para além, ficam as dicas, lembrando que são apenas um extrato de um artigo de Lima e colaboradores.

Dicas para o ensino de aluno com deficiência visual: orientação e não regra!

Observe que as divisões aqui feitas por disciplina (ou disciplinas) são meramente de cunho ilustrativo, devendo cada professor ter acesso a todas as orientações, visto que seu conteúdo perpassará cada uma das matérias.

Língua portuguesa ou estrangeira

O Professor de língua portuguesa ou estrangeira, em cuja salas estudam alunos com deficiência visual, deve se lembrar de que:
• o aluno com deficiência visual, com antecedência, deverá receber escrito em Braille, o vocabulário que irá ser dado na aula;
• os vocábulos apresentados em classe deverão ser soletrados;
• o aluno deverá ser incentivado a soletrar as palavras, cujas grafias sejam significativamente mais difíceis;
• os desenhos, esquemas, as figuras, gravuras e demais imagens (inclusive as mostradas em vídeo) deverão ser apresentadas antecipadamente ao aluno, devendo, ainda, serem descritos em português;
• a áudio-descrição deverá ser acompanhada da exploração tátil, da figura ou do desenho, sempre que isso for possível;
• as anotações de sala, feitas pelo aluno deverão ser revistas/corrigidas diariamente, para evitar os “erros” de ortografia decorrentes da diferença entre a pronúncia da língua portuguesa ou estrangeira e sua grafia;
• a matéria escrita no quadro deverá ser fornecida ao aluno, preferivelmente em Braille, antes da aula, ou depois dela, em situações excepcionais;
• o professor deverá oferecer momentos educacionais suplementares ao aluno com deficiência, em horário que não o retire da sala de aula. As aulas ou momentos suplementares com o aluno com deficiência são importantes para preparação das aulas e exploração do material a ser usado pelo professor e demais alunos. No entanto, esses momentos suplementares não podem retirar o aluno do momento pedagógico da classe;
• o Professor de Português ou de língua estrangeira deve lembrar-se de que em situação de teste as perguntas que impliquem recorrer aos textos para ilustrar as respostas devem ser comedidas, pois isto requer do aluno com deficiência muito tempo, o que os pode pôr em desvantagem;

História e Geografia

• Os mapas, gráficos e esquemas em testes de História, Geografia e outras disciplinas devem ser oferecidos em relevo e acompanhados de perguntas as quais, sozinhas, possam ser respondidas sem o auxílio da visão;
• Os textos mais curtos e diretos são mais acessíveis e podem ser apresentados escritos em Braille ou oralmente;
• É preferível apresentar dois ou mais textos menores, sobre o assunto do qual se estiver ensinando, a fazer uso de um texto longo e/ou cheio de figuras (sem áudio-descrição ou em relevo), ainda que ele tenha vindo no livro adotado;
• Por vezes, perguntas e testes terão de ser adaptados. O aluno se beneficiará de perguntas que permitam a oferta de resposta direta e não requeira recurso de produção de mapas, tabelas, gráficos e demais figuras em relevo, uma vez que tais produções exigem maior tempo e prática (nem sempre disponíveis ao aluno, em momento de avaliação, teste ou similares);
• Dever-se-á tirar uma ou mais perguntas ou dar mais tempo, para o aluno poder fazer o teste. As perguntas tiradas podem ser feitas durante as aulas. Não se trata de fazer testes mais fáceis ou com menor qualidade, porém, contemplar a necessidade educacional do aluno com deficiência ou com dificuldade de aprendizagem.

Ciências, Física e Química

Os Professores de Ciências, Física e Química devem lembrar-se de que:

• a exploração de esquemas, gráficos, manuseio de material do Laboratório devem ser feitos com o aluno, inclusive antecipadamente, sempre que possível;
• as observações ao microscópio, os eventos químicos observados exclusivamente pela visão, entre outros, sempre que não puderem ser substituídos por vias sensoriais tátil, auditiva, olfativa ou gustativa devem ser fornecidas ao aluno pelo professor, de maneira oral, ou ainda descritas por um colega ou auxiliar no laboratório;
• na exibição de um filme, transparência ou "slides" o professor deverá oferecer ao aluno com deficiência visual, a áudio-descrição, podendo o professor, valer-se de um colega do aluno para fazer tal atividade, de modo que ambos aprendam juntos. Por exemplo, o professor poderá recorrer a um aluno que talvez não viesse prestar muita atenção ao filme, caso não tivesse colaborando com o colega;
• os esquemas e mapas muito densos, com relevo inadequado e sem áudio-descrição não são de grande valia para os alunos;
• os gráficos, mapas, tabelas etc. devem ser oferecidos em partes, sempre que forem grandes, em Braille ou apenas em relevo. O tato faz uma leitura seqüencial da informação, assim, muitas informações em um pequeno espaço, ou mesmo que poucas em um espaço muito grande, dificultará a aquisição e/ou processamento das informações, logo, dificultando a compreensão desses gráficos, tabelas, mapas, desenhos, esquemas e demais configurações bidimensionais;
• no laboratório ou em qualquer outra situação em que se puder propiciar a experiência concreta ao aluno, isso deverá ser feito, tanto permitindo que ele faça a experiência diretamente, como colaborando com ela indiretamente, por exemplo, anotando os dados observados pelos colegas etc. A observação, a experimentação e a exploração do concreto, do tridimensional, do palpável é muito importante para os alunos. Garanti-las ao aluno com deficiência contribuirá com sua participação plena no cotidiano da escola, em todas as atividades e lugares, tendo como conseqüência sua verdadeira inclusão na escola.

Matemática

O Professor de Matemática, em cujas salas estudam alunos com deficiência visual, deve se lembrar de que:
• os exercícios escritos no quadro devem ser lidos em voz alta;
• é preferível se obter um único exercício bem executado, pelo aluno, do princípio ao fim, e devidamente corrigido pelo Professor, a se ter muitos exercícios, por acabar e sem correção;
• deve-se oferecer esquemas/exercícios menos densos e mais significativos;
• deve-se ajudar o aluno a treinar cálculo mental e aprender a recorrer a ele para a solução dos problemas;
• o Professor deve favorecer, ao aluno, a leitura , em voz alta, dos exercícios que resolveu;
• cálculos muito "complicados", que envolvam muitas contas longas (demasiado grandes) devem ser oferecidos ao aluno, apenas quando já estiver resolvendo as operações menores e menos complexas, com maior desenvoltura;
• o professor deve ter consigo, nas aulas, o código Braille para Matemática, de modo a poder ajudar o aluno quando não souber um sinal, ou símbolo novo, ou, ainda, para quando o aluno precisar lembrar-se de um código já aprendido;
• o material concreto, tridimensional, palpável, deve estar à mão do Professor de modo a poder servir-se dele, quando a explicação ou compreensão da matéria assim o exigir.

Educação Artística

O Professor de artes, de educação Visual ou de Desenho deve lembrar-se de que:
• os alunos com deficiência visual podem fazer muitas das coisas que se faz com a visão, valendo-se do tato e dos demais sentidos, embora nenhum deles, ou eles em conjunto substituirão a visão.
• os alunos cegos não podem ver as cores. Estas são modalidade específica da visão. Todavia, é importante que as cores sejam ensinadas às pessoas cegas, por exemplo falando de suas variações de tonalidade, azul claro, verde escuro, onde aparecem, na maçã vermelha, no cabelo amarelo do amiguinho etc.; que elas se combinam quando juntas, por exemplo, na blusa e na sandalinha rosas da amiguinha;
• os alunos terão grande proveito ao usarem diferentes materiais, com diferentes texturas, que permitam diferentes temperaturas, que provocam diferentes odores etc, devendo esses materiais fazer parte dos trabalhos de toda a turma na classe;
• o trabalho que não for possível fazer, sem a visão, deverá contemplar o aluno cego, por exemplo permitindo com que ele participe de fases do trabalho, cortando, dobrando colando ou dando idéias;
• todos se beneficiarão, quanto mais o professor propiciar o trabalho em grupo, o trabalho participativo na sala;
• o desenho e o desenhar devem fazer parte do ensino do aluno com deficiência, com prioridade para as orientações de como representar as coisas na maneira que se as vê, perspectiva, frente, atrás etc.
• colagens e outras técnicas devem ser ensinadas, cuidando para que o aluno cego possa oferecer ao seu trabalho, a mesma beleza visual que oferecerá com a estética tátil; a beleza e a estética visual precisam ser ensinadas e estarem presentes nas produções dos alunos para que sejam apreciadas, também nesse particular;
• elogios e similares sempre desempenham um papel favorável na educação das crianças, porém, o excesso e elogios quando o trabalho merece maior cuidado poderá ser danoso, uma vez que o aluno pode, de fato, achar que o que fez já está bom mesmo, assim não buscando aprimorar-se. Não se trata de fazer do aluno um artista, mas se for essa sua habilidade, ajudá-lo a tirar o máximo dela;
• para a produção dos trabalhos escolares, o aluno deverá receber informações que, por vezes, já estão disponíveis para as pessoas que enxergam. A observação e a exploração de objetos, animais, flores, ambientes reais, concretos e/ou sua descrição devem compor a educação artística e visual do aluno com deficiência.

Educação Física

O Professor de educação física deve lembrar-se de que:
• os alunos com deficiência visual deverão ter a oportunidade de participar de todas as atividades propostas para a classe;
• quando uma atividade requerer a visão e não puder ser adaptada ou substituída por outra, dever-se-á propiciar com que o aluno participe dessa atividade junto com seu colega, ou colegas;
• as atividades propostas devem estar em consonância com o objetivo educacional do professor, assim ele deverá pensar quais atividades cumprem esses objetivos;
• a competição, muitas vezes promovida nas atividades em educação física, deve ser substituída pela cooperação, participação, colaboração de cada um para o bem-estar e a aprendizagem de todos;
• as atividades que exigem deslocamento em maior velocidade deverão ser praticadas em ambientes propícios e esses devem ser apresentados/explorados pelo aluno com deficiência antes da aula;
• o professor deverá valer-se de seu próprio corpo, ou do corpo do aluno, para mostrar os movimentos necessários ao cumprimento do exercício proposto;
• o professor deverá propiciar ao aluno o máximo de liberdade e possibilidade de exploração do espaço físico da quadra de esportes e dos demais ambientes da escola;
• o aluno deverá ser incentivado a deslocar-se pela escola, com ou sem bengala (preferencialmente com esta), em todos os espaços escolares;
• lembrando que educação física é antes de mais nada educação, o professor deverá aproveitar para ensinar não só os limites e regras pertencentes aos jogos, mas também a própria relação social que advém do contato com o outro;
• cada aluno deverá ter a oportunidade de trabalhar com o outro, descobrindo suas potencialidades, limites e habilidades;

Conclusão

Mais que oferecer um conjunto de orientações de como ensinar ao aluno com deficiência, a presente comunicação objetivou trazer princípios com os quais o professor pode fortalecer-se com o ensino de todos os seus alunos assim como no trato das particularidades apresentadas por eles. Esses princípios, norteadores da escola para TODOS, devem ser vividos, mais do que aprendidos. Será,pois, no exercício do respeito à diversidade que o professor poderá ,com seus exemplos, ensinar bem mais e com suas palavras.
Então, é importante que todos os professores e demais atores da educação na escola se conscientizem de que a educação não pode ser vista como algo destituído de contexto, de objetivo, de humanidade. Ela é, em essência, o íntimo de cada um de nós e de nós na coletividade.

Comentários

Caro prof. Francisco:
Já li alguns textos de sua autoria, e gostaria de saber a citação bibliográfica completa do artigo com as dicas para professores de várias disciplinas.
Grata,
Cristiana M. C.

Cristiana M. C.

Caro Prof. Francisco: todas as estratégias mencionadas no artigo são excelentes e creio que funcionariam, na maior dos casos, se aplicadas convenientemente, pois há ainda a parte receptora do ensino, o aluno, de quem também dependerá o sucesso da implementação das referidas medidas. Fiquei sobretudo fascinada com o modo como foi abordada a questão da educação artística, que muitas pessoas encaram-na ainda com preconceito, pois, do seu ponto de vista, os cegos n não necessitam da pintura, do desenho, da cor... Enquanto criança cega, lutei muito contra isso. Estudei no ensino público regular, onde não havia mais crianças cegas. A professora mandava os outros alunos desenhar, pintar, e eu tinha de ficar a brincar com a máquina de Braille? Não, não... E eu pedia para ela vir sentar-se ao meu lado e me ensinar a desenhar e a pintar... E ela lá vinha de boa vontade... Mais ainda, isso é muito importante para que depois a pessoa cega aprenda a escrever o seu nome e as demais letras, e inclusivamente, ao aprender o desenho, a criança entende muito melhor conceitos que lhe serão importantes para a orientação e mobilidade.pre

Olá, Pri:
Há muito tempo já se reconheceu que professores e alunos são partícipes na construção do conhecimento, tendo o estudante papel ativo na aprendizagem. logo, não partimos do princípio que alunos são lousas, em que o professor inscreve seu conhecimento. de fato, este nem é detentor do saber, muito embora seja, também, transmissor de conhecimentos, historicamente construídos.

No extrato do artigo apresentado anteriormente, chamo a atenção para o fato de ser importante o ensino do desenho e do desenhar às crianças cegas, propiciando com que elas participem de todas atividades com os demais alunos, por exemplo, na elaboração do projeto ou de alguma fase dele, respeitada a habilidade do estudante.
Lembrei que pessoas com deficiência visual não enxergam cores, mas que estas devem ser ensinadas pelos seus nomes e funcionalidades de modo que venham propiciar conhecimento ao estudante cego.
É de suma importância que se trabalhe o desenho e o desenhar com crianças cegas, descrevendo-lhes configurações bidimensionais várias, objetos de muito pequeno e grande tamanhos que não sejam integralmente tangíveis etc.
Eu certamente vou tratar, e muito, disso neste blog. Por hora, permito-me dizer que tanto minha dissertação de mestrado e minha tese de doutoramento foram na área do desenho, envolvendo e provando a capacidade de a pessoa cega valer-se/beneficiar-se do desenho.
Para além disso, desenvolvi uma caneta para desenhos em relevo, a qual permite a pessoa desenhar com uma mão, enquanto vê o desenho em relevo com a outra, sem ter de virar o papel para tanto.
Então, acho que houve algum ruido, ou na escrita, ou no entendimento da mensagem.
Todavia, o que fica de muito bom do seu comentário é o fato de saber que você insistia em participar da aula, fazendo os desenhos e de saber que sua professora foi partícipe no ensino.
Obrigado por escrever e, por favor, conte: Você seguiu alguma área em que essa habilidade foi aproveitada? Continua desenhando, pintando ou algo nessa linha?
Abs.

Prof. Francisco Lima, ( www.associadosdainclusao.com.br )

Adorei teus artigos estão maravilhoso, estou aproveitando muito durante o mestrado, e principalmente aplicando em sala de aula com os alunos e levando como dica para as colegas na escola, continue com esse trabalho maravilhoso e sempre que possível me envie novidades vou ficar sempre esperando, que deus ilumine seus caminhos e lhe proteja.
Atenciosamente professora ju

Cara Ju, que bom que os artigos lhe estejam sendo de proveito. Minha preocupação são nossos alunos, crianças, jovens e adultos, cujas vidas estão em nossas mãos.
Continue preocupada com seus alunos e eles terão sempre uma boa professora.
Abs, Prof. Francisco Lima, ( www.associadosdainclusao.com.br ) e (www.rbtv.associadosdainclusao.com.br)

Olá. O comentário foi feito há nove anos atrás, mas eu estou vendo só agora, em 2019. Sou professora aposentada de deficientes visuais aqui no Brasil. Trabalhei por quase 20 anos com o braille e com adultos deficientes visuais e fiquei muito feliz em ler um depoimento do deficiente falando de sua experiência escolar. Se todos os professores e pessoas de uma forma geral escutassem como o deficiente se sente diante dos "desafios" que se lhe impõe tudo seria mais fácil. Tem coisa que nós que enxergamos imaginamos que não conseguiríamos fazer se não enxergássemos mas nos equivocamos. Como professora sempre procurei perguntar aos meus alunos como eles entenderiam determinada coisa e acho que na maioria das vezes isso surtiu um bom efeito, pois não podemos nos arvorar em dizer que sabemos de tudo só porque fizemos um curso de especialização na área. A vivência é muito importante para um bom trabalho com o deficiente visual. Posso dizer que aprendi muito mais com meus alunos do que eles comigo.

Suelly Soares

Necessito e aceito dicas e orientações de como alfabetizar uma criança cega, por onde devo começar? Há alguma bibliografia específica sobre isso? Agradeço...