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Verdadeiro Olhar - blog de Sérgio Gonçalves

Teatro: Invisuais "vêem tudo" em peça de Mia Couto e Agualusa através de sistema de audiodescrição

por Sérgio Gonçalves

Oeiras, 13 Set (Lusa) - Cerca de dez invisuais assistiram no sábado a uma peça de teatro adaptada de um texto dos escritores Mia Couto e José Eduardo Agualusa, inaugurando um sistema de audiodescrição em Portugal, conseguindo, assim, "ver tudo" do espectáculo.

No início de "Chovem amores na rua do matador", adaptada a partir de um texto de Mia Couto e de José Eduardo Agualusa, os cerca de 10 invisuais que se inscreveram na Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) para assistir à peça estavam "ansiosos" e "expectantes" com o novo sistema.

Jorge Ramos, com 24 anos, explicou, à Agência Lusa, que esta foi a primeira vez que a áudiodescrição foi utilizada em teatro: "É como a tradução simultânea, o sinal é recebido por infravermelhos. E ouve-se através dos auriculares".

A peça inicia-se com Baltazar Fortuna, personagem interpretada por André Ramos, que se dirige à frente do palco, tira os sapatos e o chapéu. No auricular de Jorge ouve-se "o homem tira os sapatos. O homem tira o chapéu".

A audiodescritora que aplicou este sistema pela primeira vez ao teatro, Graciela Pozzobon, explicou, à Lusa, que o sistema consiste em "descrever tudo o que é importante da peça, mas que não é dito, e que é importante para compreender completamente o texto".

Recusando a ideia de que as audiodescrições são "apenas didascálias", Graciela Pozzobon disse que "é muito mais do que isso: são as indicações cénicas, as cores, as sombras, mas também os gestos que o actor faz, as expressões faciais, corporais, os sentimentos".

Por isso, a audiodescritora sublinha que "é importante entender os climas da peça, os tempos, os ritmos" e "ser discreta para não concorrer com as falas dos autores". Surge nos espaços, silêncios, músicas e pausas.

No fim da peça, Rodrigo Santos, um dos dirigentes da ACAPO, afirmou que, durante o espectáculo, "estava a ver tudo".

"Interessante porque quando vimos ao teatro a percepção que temos é a de todos os outros sentidos que não a visão. Com a audiodescrição vemos através da sensação que está a ser descrita", explicou.

Jorge Ramos considerou o sistema "fantástico", porque "se percebem todos os pormenores". Assim, conseguiu "perceber muito melhor a história. Sem audiodescrição era difícil porque deixava muitas questões de lado".

Jorge exemplificou: "Na cena em que o Baltazar [interpretado por André Ramos] está a falar com a Mariana [interpretada por Sandra Santos] ao telefone e diz que a vai acompanhar ao cemitério, se não nos dissessem que ele estava a agitar a pistola na mão nós não percebíamos que ele estava a ser irónico e que a queria matar".

Já Reinaldo Santos, que não é totalmente invisual, disse à Lusa no fim da peça que, com o sistema, "fechou os olhos", porque "não estava a fazer nada com eles abertos".

Sílvia Gomes, outra dirigente da ACAPO, ficou com a sensação de ter aproveitado mais esta peça de teatro do que outras a que já tinha assistido: "O que é que será que eu perdi noutras peças de teatro?", rematou.

Para a ACAPO, "a audiodescrição tem de ser uma realidade, não um mito", disse Rodrigo Santos, acrescentando que "tem de ser feito um trabalho de sensibilização, mas não se pode pregar no deserto".

Ainda assim, Rodrigo Santos sublinhou que "a lacuna mais grave"é o incumprimento do "Plano Plurianual de Obrigações em matéria de acessibilidade à televisão, proposto pela Entidade Reguladora da Comunicação Social".

A peça, encenada pelo grupo Trigo Limpo Teatro ACERT, parte de um texto de Mia Couto e José Eduardo Agualusa, em que um homem volta à terra natal para matar as três mulheres que fizeram parte da sua vida, e está integrada na programação da Mostra Internacional de Teatro de Oeiras - MITO, que termina hoje.

SYP

Comentários

Ana RochaParabéns a quem programou este evento dando essa grandiosa oportunidade aos cegos... Deviam fazer isso por todas as salas de teatro, eu adoro teatro e cinema mas sem audiodescrição fica complicado perceber as cenas.

Ana Rocha

Ana RochaParabéns a quem programou este evento dando essa grandiosa oportunidade aos cegos... Deviam fazer isso por todas as salas de teatro, eu adoro teatro e cinema mas sem audiodescrição fica complicado perceber as cenas.

Ana Rocha