Eu estive no Congresso Nacional de Surdocegueira que se realizou nos dias 3 e 4 de dezembro de 2013 e não pude deixar de observar certas coisas que me deixaram pensativo e desanimadíssimo.
Digo aqui o que me vai na alma e no pensamento, partilhando convosco as minhas dúvidas e as minhas críticas, que não são poucas e mansas.
Como era Dia Internacional da Pessoa com Deficiência e o tema do Congresso Nacional era a surdocegueira, ficava mal não convidarem pessoas surdocegas para darem voz ao que é realmente a surdocegueira, quais as necessidades e as dificuldades que elas vivem diariamente. Só convidaram surdocegos adquiridos e pós-línguísticos, porque, na minha opinião, também podiam ter convidado um surdocego congénito, mesmo que ele se expressasse por gestos simples, mas de grande significado. Porque assim as pessoas ficavam com uma ideia clara e real da grande diferença entre um surdocego adquirido e um surdocego congénito.
Outra crítica que faço, é que não faz sentido convidar pessoas que nem sequer lidam directa e diariamente com a surdocegueira. Porquê? Porque essas mesmas pessoas vêem a surdocegueira como duas deficiências distintas e não como um todo. Foi o que aconteceu com a apresentação da oftalmologista e da otorrinolaringologista.
Segundo a minha opinião, o saber não devia ser fragmentado e devíamos saber um pouco de todas as áreas do conhecimento para melhor conhecermos a sua complexidade e interdependência. Assim, um especialista na visão devia ter noções básicas de surdez e conhecer as relações que existem entre os sentidos da visão e da audição, como estes se influenciam mutuamente e o que ocorre na ausência de ambos.
Isso é que teria sido interessante saber, em vez de umas aulas sobre doenças da visão ou da audição. Outra críticas menos suave, é que os médicos deviam concentrar-se mais na pessoa no que na doença, humanizando a relação médico-paciente. Mas tal não chega a acontecer, e muito menos quando o paciente é surdocego...
Existe uma sólida barreira de comunicação entre os profissionais da saúde e os utentes com surdocegueira. É vergonhoso um otorrinolaringologista, que lida diariamente com surdos e surdocegos, não saber língua gestual ou desenvolver com eles um código eficaz de comunicação. Devia ser obrigatório os estudantes de medicina da audição terem uma cadeira de comunicações alternativas, porque quem vive e sabe as dificuldades que tem é o próprio surdo ou surdocego e não o que o acompanha.
Digo isto, e volto a reiterar, que acho vergonhoso a Língua Gestual Portuguesa continuar a ser olhada como algo só compreensível entre surdos e surdocegos, o que não é verdade! Porque ela tem muitos dos gestos que os ouvintes utilizam no dia-a-dia, mas de forma inconsciente. O preconceito é o principal obstáculo à sua aprendizagem, tal como em tudo o que é diferente.
A experiência é a verdadeira sabedoria. Sei tudo isto, porque nem médicos, mem psicólogos, nem a sociedade em geral, se dirigiam à minha pessoa para saber sobre mim, mas sim dirigiam-se a quem me acompanhava que não tinha a percepção exacta do que eu era e sentia.
Outra crítica...
Para mim, um surdocego é aquele que não vê nem ouve nada. Mas há a mania de rotular qualquer pessoa de surdocega mesmo que ela seja surda e use óculos. Se essa mesma pessoa não ouve nada, mas é autónoma com os óculos, ela não pode ser considerada surdocega. Só o seria se os óculos não tivessem qualquer utilidade nem lhe proporcionasse autonomia na orientação e no desempenho da leitura e da escrita.
O mesmo digo que uma pessoa cega total mas que ouve o suficiente para comunicar com o mundo não é surdocega. Só seria se nem com aparelhos auditivos ouvisse nada.
Só é surdocego aquel como e que não tem acuidade visual e auditiva para ter uma vida autónoma. Mas, ai mania das manias, basta ter um déficite visual e outro mesmo ligeiro na audição para ser conssiderado surdocego.
Infelizmente, sou surdocego total, mas a minha incapacidade auditiva foi minimizada graças a um Implante Coclear. No entanto, continuo a ser surdo profundo e consequentemente surdocego.
Os resultados do Projeto "Surdocegueira: um modelo de intervenção" reflete o que já se sabia em estudos anteriores e preliminares realizados po!"
outras pessoas, não sendo exclusivos e "sui generis".
Mas desta vez as estatísticas acrescentaram novos dados sobre o número de pessoas surdocegas, num esforço conjunto entre associações e instituições nacionais para localizar estas "pessoas invisíveis".
103 pessoas surdocegas parece ser um número muito pequeno numa sociedade que não sabe avaliar correctamente uma pessoa com surdocegueira. Até os próprios agentes educativos, profissionais de saúde, assistentes sociais, políticos, etc, não sabem ou não querem ter trabalho.
Ah! E o que têm feito os meios de comunicação para inverter o problema? Estou a falar especialmente da SIC e da TVI.
Não gostei nada da jornalista da SIC, mas ela não tem culpa. Para um jornalista se manter no emprego tem de vender o que dá mais audiência e consequentemente mais lucro. Na sua apresentação ficou bem patente a concorrência que existe entre os vários canais televisivos.
E, quanto à deficiência ser notícia ou não ser notícia, isso dependia do nível de interesse dos espectadores.
Quantas reportagens já se fizeram sobre a surdocegueira na SIC e na TVI? Alguém sabe?
É triste que este Congresso Nacional e Internacional não tenha sido amplamente divulgado pelos media... Mas em Portugal é normalíssimo.
E quantas pessoas vêem o "Consigo" que dá na RTP 2?
Eu participei neste congresso com uma poesia minha, muito interessante e repleta de críticas. Espero que não se esqueçam deste verso: "Um Olhar indiferente é mil vezes pior que o negrume.
Gostei de outras apresentações e de conhecer um dos especialistas em surdocegueira mundiais, o Professor Jan Van Dijk. Achei-o muito acessível e inteleginte.
As ideias que retive da sua apresentação e experiência com crianças surdocegas foram as seguintes:
a( Cada criança é um caso único, por isso não existe um só modelo ou teste de avaliação;
b( a avaliação parte da interpretação do avaliador, não existindo duas avaliações iguais;
c( a avaliação da criança deve ser feita em contexto real (casa, escola, etc) e não em contexto de gabinete;
( a avaliação deve ser feita quando interagimos com a criança ou a observamos no seu meio;
e( uma observação de 5 minutos sobre o comportamento da criança pode dizer-nos muito sobre ela;
f( devemos estimular os interesses da criança porque ajudam no seu desenvolvimento;
g) as coisas mais simples que a criança consiga fazer devem ser estimuladas e valorizadas;
h( devemos, sempre que possível, fazer com que a criança interiorize que tudo tem um causa e um efeito;
i( a criança para aprender precisa de estabelecer uma relação de confiança e estimulação positiva com os agentes educativos; estes devem identificar-se sempre com um objeto pessoal, perfume, adorno, etc.
Para finalizar este texto crítico, convém dizer certas verdades que ficaram patentes no Congresso internacional de 2013:
1: Não existe continuidade no apoio na inclusão das pessoas surdocegas depois de terminarem a escolaridade. Muitas voltam para casa, não têm um emprego ou uma ocupação, estão totalmente dependentes de terceiros, de lares ou de familiares
2: Nas escolas públicas não existem professores especializados nem recursos para os alunos surdocegos, sendo quase sempre mandados para instituições ou lares de multideficiência sem especialização adequada no caso da surdocegueira.
3: A deficiência mental ou as dificuldades de aprendizagem na criança com surdocegueira podem ter uma causa na falta de uma intervenção precoce e da insuficiência de condições ou de um meio familiar ou escolar pouco estimulante.
4: Uma grave lacuna deste Congresso foi não ter dado a oportunidade de pais de crianças surdocegas partilharem as suas angústias, experiências, dificuldades e anseios.
5: Não se debateu o problema de como a PSP (Polícia de Segurança Pública) podia interagir com as pessoas surdocegas congénitas, que é a maioria que constitui o número de pessoas surdocegas em Portugal.
6: Nem todas as crianças e jovens que moram fora de Lisboa têm ao seu alcance a oportunidade de aprender em centros educativos, pelo que deviam formar-se profesores de ensino especial em todas as escolas, não apenas nas grandes cidades.
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Comentários
Palavras sábias e que vão incomodar os maus profissionais.
Marco,
Palavras sábias e que certamemte vão incomodar os maus profissionais e os operários da indústria da deficiência. Meus parabéns pela honestidade das palavras e clareza mental com que nos abre os olhos, ouvidos, tato e mente para o "uso" da pessoa com deficiência, inclusive no dia da luta dessas pessoas, nós.
Assim como aí, aqui temos operários da indústria da deficiência aos montes. Eles não sabem do que falam, mas insistem falar por nós; não sabem o que passamos, mas insistem que sabem o que sentimos; eles não entendem de como as barreiras atitudinais nos afetam, mas insistem em dizer que estão ao nosso lado; eles não se dignam a nos ouvir, mas insistem em usar nosso espaço de fala, para negar-nos a voz.
Amigo, esses operários estão por todos os lados: uns, são meros mandados e atuam como soldados em uma guerra, fazem o que são mandados, sem, contudo, saberem o que estão fazendo; outros, porém, são os generais dessa guerra, mandantes dos exércitos, covardes para fazer, mas exibicionista das medalhas que ganham pelos feitos que dizem ter feito.
De todo dinheiro prometido para investimento na área da deficiência, se metade revertesse para a prevenção, tratamento, educação e profissionalização da pessoa com deficiência, chegando a ela, bem, aqueles operários não estariam empregados. Que operários? as pessoas operárias da indústria da deficiência. Sim, essas que estão à frente de muitas instituições ou que puxam os cordões das que estão. Exemplo disso posso dar aqui no Brasil, onde temos uma Secretaria de Direitos Humanos, em que a pessoa com deficiência é mal representada, a pesar das promeas econômicas e tudo mais. No discurso, a pessoa com deficiência é contemplada, na prática, algumas pessoas com deficiência são. E elas estão com seus cargos atrelados ao Ministério, à }Secretaria, enfim, aos poderes. Elas comem nas mãos de políticos ou fazem-lhes comer em suas mãos; elas são os próprios políticos ou almejam estar nesse meio etc.
Abraços do amigo, igualmente sem papas na língua.
Francisco Lima
Não pretendo criar divisões mas sim alertar
Prezado amigo Francisco,
Fico satisfeito por alguém ter tido a coragem de comentar este post.
Não falo só por mim, falo por muitos mais aos quais não lhes é dada a oportunidade de falar do outro lado que a sociedade desconhece. Nós também devíamos dar o primeiro passo em vez de nos conformarmos ou nos sujeitarmos!
De discursos e projetos de inclusão estamos saturados, mas na prática pouco se tem feito. E o dinheiro que se gasta nessas coisas podia muito bem ser utilizado na aquisição de ajudas técnicas e de formações profissionais de pessoas com necessidades específicas.
Tenho consciência que as minhas críticas vão incomodar muita gente e ainda bem! Não nos devemos calar, mesmo que isso signifique fazer inimigos, mas é nas contrariedades que se conhecem os verdadeiros amigos!
Como o amigo Francisco disse e bem, em todo o sítio as pessoas se aproveitam das que têm uma deficiência para atingir os seus interesses, tais como poder, fama, etc. Mas, para mim, não há maior bem no mundo senão fazer o bem pelos outros. Bem que nos torna verdadeiros seres humanos em completa fraternidade.
É preciso ter coragem para dizer o que está mal para que os mesmos erros não se repitam no futuro.
E é preciso ter sensibilidade para estar dentro das coisas e não de conhecimentos vazios, porque só faz sentido aquilo que se experiencia com a vida!
No entanto, com as minhas críticas não pretendo criar divisões e guerras, mas sim alertar urgentemente aqueles que têm posições para proporcionar uma vida mais equitativa e justa para as pessoas com deficiência.
Reconheço que o tempo foi escasso no Congresso Nacional e que se abordaram várias temáticas de extrema importância, mas certos discursos ficaram aquém das expectativas de muita gente que esperava algo mais de radical. Foram muitas as promessas de inclusão, mas esperemos para ver se não irão ficar fechadas na gaveta como tem acontecido.
Não creio que seja por falta de fundos, porque os fundos que temos recebido do Fundo Europeu e do Estado nem sempre são bem aplicados nas áreas mais prementes.
E uma verdade: os recursos disponíveis não estão a ser aproveitados cem por cento, porque não estão acessíveis a quem deles mais precisa... Devia existir um intercâmbio entre escolas que, consoante as necessidades dos alunos, trocassem entre si os materiais disponíveis em vez de eles se encontrarem apenas disponmíveis nas metrópeles ou fechados em armários.
Um bom exemplo disso, são os livros e os manuais em braille que ficaram encaixotados na minha escola quando terminei o ensino secundário.
Sou a favor da ideia de doar ou emprestar material que não esteja a ser utilizado mas que terá uma grande utilidade para aqueles que não têm condições financeiras para adquirir tecnologias assistivas.
Isso é o princípio da verdadeira solidariedade entre pessoas com deficiência.
Sabe que para mim um surdocego é uma pessoa que não vê nem ouve em absoluto. As que ainda vêem ou ouvem o suficiente para serem autónomas são pessoas em vias de surdocegar. Sudocegar é uma palavra nova no meu vocabulário, embora há quem não concorde. Mas imagine uma pessoa ser surda total mas ter a visão estabilizada. Ela nunca surdocegará, a menos que o seu problema de visão seja degenerativo.Um dos princípios de todo o conhecimento humano é o questionamento das coisas. Longe de querer criar confusões, preocupa-me e muito a passavidade em que as sociedades vivem...
Admiro-lhe a coragem e a forma crítica como desafia os que se julgam operários da inclusão, mas que acabam por se acomodar aos seus próprios preconceitos ou acham ser mais cómodo deixar tudo como está. É mais fácil manter as pessoas com deficiência na sua própria ignorância do que lutar ao seu lado pelos seus sonhos, sonhos de uma vida independente, de um emprego que a complete e faça sentir alguém útil e valorizada pelo seu potencial.
Certas pessoas apregoam que somos alguma coisa graças a elas, mas a verdade é que somos nós os verdadeiros operários da nossa felicidade. Porque, ao sentirmo-nos acreditados, damos o nosso melhor e entregamo-nos de corpo e alma a qualquer oportunidade e tiramos o máximo proveito. Porque são raras as oportunidades e por isso muito preciosas.
Queria frisar que sempre recusei ser institucionalizado e marginalizado do resto da sociedade. Frequentei escolas de ensino regular e estou orgulhoso de mim!
Mas a minha inclusão não foi nada pacífica, porque muita gente queria institucionalizar-me e eu tive de lutar por mostrar que tinha capacidades e desejo de aprender. Apesar de ainda não ter 18 anos, já andavam a planear o meu futuro sem eu saber. Isso deixou-me furioso e exigi continuar na mesma escola, mesmo que isso significasse não ter condições nem apoios para fazer o 3º ciclo normalmente como os outros colegas...
Foi apenas uma inclusão física, ou seja, eu estava integrado numa turma mas não tinha as mesmas condições que os meus colegas. Também tive uma certa culpa, porque não queria aprender Braille, nem exigia mais apoios.
Foi muio difícil ingressar no secundário por falta de professor especializado e de apoios e estive quase para ficar em casa sem perspectivas de vida, porque era surdocego total (na altura ainda não ouvia com um implante coclear). Não havia um centro que me aceitasse para tirar uma formação profissional, porque só aceitavam pessoas cegas. E o único centro de surdocegos em Portugal não tinha a valência de cursos profissionais para adultos surdocegos.
Mas parece que algumas pessoas se aperceberam do meu potencial e resolveram tentar. E não as desiludi. Claro que fui um sortudo, porque tinha uma professora de apoio só para mim, uma sala só para mim onde tinha aulas individuais, e um computador com um terminal e uma impressora Braille à minha disposição. Todas estas condições não existiram na minha escola, foi de forma gradual e lenta.
Tenho consciência que na esmagadora maioria das escolas públicas estes apoios não existem, razão pelo qual muitos jovens surdocegos não têm a felicidade de estudar lado a lado com outros jovens sem deficiência...
E muito menos agora que o Estado quer reduzir o número de professores e cortar nas ajudas técnicas tão indispensáveis aà formação integral das pessoas com surdocegueira ou outra...
Sempre fui de opinião que todos temos capacidades muito diversificadas e que nem todas são aproveitadas. O que uma pessoa surdocega, por exemplo, é capaz de fazer? Se não estivermos atentos é o mesmo que estarmos cegos. Muito potencial existe mas parece dominar uma cultura que faz dos que são diferentes pessoas com menos capacidades que uma pessoa dita normal. Ideia mais estúpida, porque cada pessoa tem um potencial tão bom como o potencial de um docente, médico, mecânico, tc. Até as mais pequenas capacidades são úteis, tão úteis como ter um jardim bem cuidado, por exemplo.
E seria muito mais vantajoso para a economia de um país empregar estas pessoas do que fazer delas dependentes do assistencialismo.
Os meios de comunicação andam preocupados mais com as estrelas de futebol, dcom a cuscovilhice da vida dos famosos, com o poder dos bancos, com a publicidade ideológica, do que com os problemas sociais.
Sou de opinião de que dispomos de uma ferramenta podeosíssima chamada Internet, onde através das redes sociais podemos conseguir o maior número de amigos para derrubar as barreiras, tanto arquitectónicas como atitudinais. Hoje em dia líderes políticos, religiosos e não só têm um Facebook. Até o próprio Lerparaver tem um!
Portanto, não fiquemos à espera que os outros se mexam, mexamo-nos nós e o resto acaba por mexer-se!
Abraço fraterno do seu amigo de luta e Verdade.
Marco Poeta é, também, Marco Professor.
Marco,
Eu precisaria de uma longa resposta para comentar os muitos e importantes aspectos de sua mensagem, para depois concordar com cada um deles, pois suas palavras traduzem meu entendimento.
Apenas digo que eu gostaria muito que meus colegas na Universidade, mormente os que dizem ensinar nas áreas da deficiência, dos direitos humanos etc., em lugar de ostentarem seus títulos de doutores, demonstrassem em suas ações o conhecimento que você apresenta em seu comentário.
A inclusão não é um termo fácil de entender e é ainda mais difícil de colocar em prática, visto que para o fazer, é necessária a mudança de atitude.
O discurso, portanto, pode estar pleno de “inclusão”, mas se a prática do palestrante não estiver, o discurso fica oco e a falácia logo aparece.
Outro dia fui a um encontro sobre acessibilidade e escrevi, li e apresentei:
Se não vai ler, não use texto;
Se não vai descrever, não use imagens;
Se sua mídia não é inclusiva, não diga que é.
Depois disso, assisti palestras e apresentações, ainda com colegas com deficiência visual no ambiente e em outro: slides não lidos, descrições não feitas, acessibilidade denegada.
Incluir não é um verbo para se conjugar no infinitivo, no passado ou na voz passiva, é para ser conjugado no presente contínuo.
Abraços e, mais uma vez, parabéns, Marco que, além de poeta, é professor: Marco professor!
Francisco Lima
Poetas da Inclusão: o meu novo vocabulário
Prezado Prof. Francisco Lima:
Mais uma vez, muito obrigado por complementar o meu post com as suas críticas infelizmente verdadeiras.
Este assunto, que nos diz respeito, tem muito pano para mangas e levaríamos dias, semanas, meses ou até anos para abordar um tema que nos é muito caro: a inclusão, a nossa inclusão, uma vez que não estamos ainda plenamente integrados na comunidade à qual pertencemos.
Mas permita-me dizer-lhe que lhe agradeço o elogio, mas honestamente não sou professor formado pela universidade, mas sim pela vida, a nossa verdadeira escola.
Porque conheço pessoas simples e de poucos estudos académicos, mas que são verdadeiros sábios, mais sábios do que muita gente com diplomas universitários!
A minha mãe, que apenas tinha a primária, era exemplo disso. Os seus pensamentos eram de uma verdade assombrosa e ela não precisou de livros para entender as coisas. Pelo contrário, eu precisei de muito tempo para entender as coisas e tomei consciência que os livros eram apenas pistas para o conhecimento, mas que tínhamos de ser nós próprios a passar pelas coisas para as entender e amar.
E não é preciso ser-se doutorado para entender que muito pouco do que se diz por aí sobre inclusão tem sido posto em prática. E se eu estiver exagerando, agradeço que me contradigam, porque posso estar enganado e a ser injusto.
Não pretendo ofender ninguém, mas se queremos sinceramente mudar o mundo, temos de ser criativos e encontrar soluções realistas. E já agora faço-vos um convite para partilharem aqui a vossa imaginação criadora, porque assimestaremos a mudar as nossas atitudes fazendo mais do que falando!
E que tal criarmos aqui no Lerparaver uma secção destinada a agregar ideias com soluções práticas? A secção poderia chamar-se "Soluções práticas para problemas práticos", para não se tornar algo especulativo?
Tenho reparado que há aqui muita informação com dicas e sugestões sobre várias temáticas, tais como vida diária, informática, Orientação e mobilidade, etc. Mas falta uma oficina de ideias sobre inclusão em otras áreas, tais como Comunicação Alternativa, Audiodescrição, Braille, etc.
Sou muito chato, mas temos de aproveitar ao méximo os recursos disponíveis e parar de pensar que o dinheiro resolve tudo!
Amigo Francisco e quem estiver a ler estas palavras, ando a pensar pôr a minha poesia ao serviço de causas sociais, em vez de escrever só sobre mim, que isso é só aumentar o amor-próprio! A poesia devia ser uma ponte para aproximar as pessoas, despertando nelas os sentimentos do afecto, da amizade, da cooperação, da solidariedade para com os mais necessitados, da denúncia das injustiças e desigualdades que empobrecem o espírito e atrasam o progresso daa humanidade com H maiúsculo.
Poetas vaidosos que escrevem exclusivamente para alimentar a sua vaidade não merecem ser chamados de poetas. Se Deus deu ao Homem a capacidade de escrita, foi para ajudar os homens a espalharem mais rapidamente a Sua mensagem de Luz e Amor.
Pôr a minha poesia ao serviço da humanidade vai ser a minha missão e não o digo da boca para fora! Já tenho poemas que apelam à sensibilidade e ao coração, onde reside a verdadeira visão e audição.
E, com a minha limitada formação em Psicologia, foi-me feito um desafio: ensinar Braille a uma criança surdocega. Terei de ser criativo, porque não existem receitas feitas, nem os manuais de Psicologia me vão dizer o que fazer. Vou contar muito com a minha experiência como surdocego e recordar tudo o que aprendi com os meus professores surdocegos e surdos.
Humildemente sei pouco e é uma virtude ser humilde, porque trabalha-se com mais honestidade e damos o melhor de nós. Já tive a oportunidade de fazer um voluntariado, mas fui afastado, creio por inveja. A justificação que me deram foi que o meu método não era o mais correcto, mas vim a saber que estava certo, que estava a ensinar da forma mais fácil as letras que se podem formar com os pontos da fila da esquerda.
E o que tenho de melhor que um professor de ensino especial não tem é a capacidade de entender perfeitamente as necessidades de quem não ouve, nem vê nada.
Abraços
Parabéns, Marco!
Boa noite, Marco!
Estava inscrita no seminário, mas como me surgiu um imprevisto tive que cancelar a minha ida.
Queria lá ter estado para compreender, um pouco melhor a forma como os surdocegos e, principalmente, os congénitos comunicam e, o que preciso aprender para conseguir comunicar com o mínimo de qualidade, com todos vós que nasceste com esta deficiência.
Pois bem nunca contatei, pessoalmente, com ninguém com esta deficiência, mas enquanto professora e pessoa todas as áreas do saber são importantes.
Quanto à crítica que o Marco faz, relativamente, às nossas escolas aí a maioria da culpa deve-se ao Ministério da Educação e Ciência, que não criou ainda uma área específica para apoio a alunos surdocegos. O que acontece, no momento, é que os alunos surdocegos são acompanhados por colegas do grupo 910 - área cognitiva e motora, que também engloba a multideficiência - pois ora bem, estes colegas especializam-se para acompanhar alunos que apresentam diferentes tipos de deficiências e a sua formação ocorre num curto espaço de tempo, para tantas problemáticas. Pelo que, a verdade é que a grande maioria não se encontra, devidamente, preparado para acompanhar corretamente alunos/formandos com surdocegueira. Há boas exceções, de colegas, que com muito esforço, trabalho e dedicação lá conseguem deixar a sua marca em pessoas que nascendo ou adquirindo tal deficiência, conseguem permitir que estas adquiram meios para provar que são completamente capazes de se distinguirem em diversas áreas.
Quanto aos nossos médicos também já verifiquei essa lacuna. Parece que não estamos ainda no século XXI! Acho que o nosso país ainda não está consciente para uma correta integração e verdadeira inclusão. E os médicos, como pessoas com estudos, deveriam começar também por investir a este nível na sua formação pessoal, aprendendo a comunicar com todos os doentes que lhes possam surgir.
Muito obrigada, Marco pelo teu depoimento.
Amanhã continuo, porque estou a ficar cansada.
Beijo,
JoanaGuida
Escrevi isto em dezembro.
Escrevi isto em dezembro. Dava erro na altura. Foi publicado, hoje!!!!
Marco, nada de desanimar
Olá, Marco!
Também era para estar presente no Congresso, mas por problemas de saúde, acabei por não poder ir.
Quanto a teres ficado pensativo compreendo-te, perfeitamente. Desanimado fico triste, pois sabemos que por cada pessoa que desanima diminui a esperança de conseguir mudar algo neste país...
Concordo, plenamente, quando dizes que no congresso deveria também ter estado presente um surdocedo congénito. Assim, permitiria verificar que as respostas que têm que ser dadas aos surdocegos são diferentes consoante a origem e altura em que essa mesma deficiência surge.
Quanto a não convidarem pessoas que lidem, diariamente, com pessoas surdocegas, volto a concordar com o Marco, pois seria bem mais produtivo para todos ouvir os conhecimentos dessas pessoas, pois só através de quem sabe mais poderemos aprender algo de útil. Quando falas dos médicos, em Portugal, ainda se assiste a uma medicina um pouco estranha. É que os nossos médicos, cientificamente, são, globalmente, muito bons e até dos melhores do mundo. No entanto, nas relações humanas há alguns que, infelizmente, deixam muito a desejar. Acho que todos os médicos deveriam aprender a comunicar com os diferentes tipos de pessoas que lhes podem aparecer.
Lá porque se é cego, surdo ou surdocego não se é desprovido de inteligência! É que um adulto com qualquer uma destas deficiências ou outra, não gosta mesmo nada de ser tratada como uma criança de 5 anos. Se se vai com um acompanhante é mais por uma questão de logística. Gostamos de saber o que temos pela boca do médico...
Felizmente, tive a sorte de, finalmente, conhecer uma oftalmologista que é uma amabilidade em pessoa, para além de ótima profissional... E que nos faz sentir não como uma criança de 5 anos acompanhada por seus pais! E que sabe dizer-nos as coisas. Dá-nos uma notícia má, mostrando-nos que não é o fim do mundo... E explica-nos bem o que temos e como, provavelmente, irá evoluir... Adiante...
Quanto à comunicação social uma grave lacuna! Não aprofundam os assuntos, não os estudam e tratam as pessoas como sendo atrasadas mentais, que só ali vão porque necessitam de ajuda e, não se conseguem desenvencilhar sozinhas. Não abordam os temas que verdadeiramente interessam, tais como, sensibilizar a sociedade para a diferença e verdadeira inclusão, explicar que todas as ajudas técnicas são caras, as acessibilidades a vários níveis uma lástima... E aqui muito mais haveria a dizer... Adiante também...
Quanto à poesia gostava de a ler, caso o Marco, não se importe de a partilhar. Mas só pelo verso que escreveu deduzo que ao lê-la me identificarei com ela. Há pessoas que têm o dom de nos fazer sentir que o negrume é um dom também...
Quanto ao Professor Jan Van Dijk tenho mesmo pena, não ter tido a oportunidade de o poder ouvir...
Quanto aos professores e as escolas públicas quero ressalvar, que em Portugal, não há formação adequada para responder corretamente aos alunos/formandos surdocegos, porque o nosso Ministério da Educação e Ciência não quer investir nessa área (falta saber se quer investir em alguma coisa!...), pelo que nas escolas públicas este grupo de pessoas é tratado no grupo das multideficiências e, como tal, acompanhado por colegas da educação especial, especializados no domínio cognitivo e motor, que fazem o melhor que sabem e podem, mas que por norma é insuficiente, principalmente, para quem não tem ainda experiência (e, infelizmente, para se ter experiência alguém de algum modo foi um pouco "cobaia")... Como a especialização no domínio cognitivo e motor demora, em média 300h de formação presenciais, escusado será dizer que os casos de multidefeciência são abordados em poucas horas e, por isso, está visto o que acontece, no que diz respeito aos casos de surdocegueira... Salvo raras exceções de colegas incansáveis e exemplares que tudo fazem em prol dos outros, já se sabe quem sofre, principalmente, quem não vive na capital e/ou não tem um acompanhamento quer familiar, a nível social, emocional e financeiro que permita crescer em harmonia e em equilíbrio... Adiante, que é para não escrever algo que ainda possa ofender alguém que isto leia...
Resumindo, no próximo Congresso sobre esta temática espero ver os Marcos deste país e as suas famílias a darem o seu testemunho, a partilharem as suas práticas, as suas vivências e experiências. A ensinar-nos a sermos pessoas verdadeiramente integradoras e a querermos aprender mais. Espero também que pela primeira vez o Ministério da Educação e Ciência esteja devidamente representado e seja responsabilizado pela educação e formação destes cidadãos, que têm iguais direitos aos seus concidadãos... mas por enquanto, ainda só no papel... na prática todos sabemos como é...
Bem haja aos Marcos deste país que não se resignam e não desistem.
Beijinho,
Joana
Que seja o aguilhão para muitas consciências
Olá Joana!
Obrigado por dares força às minhas palavras e às do Professor Francisco Lima.
Fiquei curioso por te perguntar qual é a tua especialização e que com que crianças trabalhas?
As tuas críticas são cruas verdades e espero que incomodem o maior número possível de pessoas!
Eu saí do Congresso com a cabeça mais cheia de perguntas do que de respostas. Foi realmente interessante, mas podia ter tido mais divulgação e se ter cingido mais à temática da surdocegueira, porque sobre cegueira e surdez há muita literatura disponível e toda a gente sabe o que são.
Foi triste e mal não terem dado oportunidade a mais pessoas e às suas famílias de partilharem em primeira pessoa o que é ser surdocego e as dificuldades sentidas. Só me pediram para ler um poema com 10 minutos.
Teria sido super interessante ouvir testemunhos de crianças, jovens e adultos surdocegos congénitos e adquiridos para dar mais força às comunicações dos profissionais. Mas não escondo a minha indignação contra as senhoras e os senhores doutores que julgam que sabem mais de surdocegueira do que muitas famílias e pessoas surdocegas!
Os discursos são os mesmos na essência, só mudam na forma. Falou-se de inclusão, mas para pessoas cegas ou surdas, e não com as duas limitações…
A jornalista da SIC não conteve o riso quando disse que as finalidade das reportagens sobre deficiência não era criar sensação. Mas parece que o riso a traiu. É mais interessante continuar a passar a imagem do deficiente coitadinho.
Não me fez diferença a presença da primeira dama, que sim, isso interessa mais à imprensa.
Uma ideia ficou-me bem gravada na mente: todos somos diferentes, a diferença não existe só nas pessoas com deficiência, mas em todos. Somos sufocados pela normalidade e tudo o que se desvia dela é encarado como algo de muito negativo e susceptível de segregação.
A culpa está na educação e no pouco interesse na educação para a cidadania e respeito pela diversidade humana.
E nós, pessoas com deficiência, devíamos parar de pensar que a deficiência é uma fatalidade e esperar que sejam sempre os outros a tomar a iniciativa por nós.
Beijos
Olá...
Olá, Marco!
Pois bem, a minha formação inicial é na área das Ciências, tendo sido professora durante mais de 10 anos, de alunos do 3.º ciclo e secundário, até conseguir perfazer os 5 anos de tempo de serviço, que exigia a lei, para prosseguir com o meu grande sonho!... Durante estes 10 anos, com horários incompletos e longe da família, dediquei-me de alma e coração a todos os meus alunos e, pude já contactar com um variado leque de alunos/formandos com deficiências, integrados em diversas turmas. A cada dia que passava, isso apenas aguçou ainda mais o gosto por querer chegar mais longe, na área da educação especial. E quando consegui perfazer esses 5 anos de tempo de serviço lá me inscrevi na minha especialização, onde aprendi mais algumas coisas, que tento sempre indo aperfeiçoar com formação contínua, que pago do meu bolso. Em 2006 quis aprender Braille, porque o bichinho estava cá dentro, já que também eu nasci com problemas na área da visão, que nessa altura ainda não estavam, devidamente, diagnosticados. Já tinha aprendido Língua Gestual Portuguesa, anteriormente, também. Foi quando aprendi Braille que aprendi também a trabalhar com o BrailleFácil, que te falei no outro post, do outro dia. No ano letivo seguinte fiquei colocada, em setembro (e até 31/8) com um horário de apenas 8h, a mais de 500 km de casa. Não consegui completar horário nem obter autorização da Direção Regional, para mais umas horitas. Pois bem, mas por que falo eu, desta colocação? Falo, para que o Marco possa compreender o que vou escrever a seguir... Era professora apenas de duas turmas, do mesmo ano de escolaridade. Nessas turmas tinha vários alunos com diferentes necessidades educativas especiais. Entre eles tinha o meu primeiro aluno com baixa visão, integrado numa turma e, sem qualquer apoio da educação especial. Esse meu aluno, estava ainda há poucos meses a perder visão e, estando na adolescência, se havia coisa que ele rejeitava era usar os óculos e, então as lupas isso nem se fala! Pois bem, foi um ano de trabalho duro e de muita dedicação, em que dei (e quando digo dar foi mesmo dado, porque o Ministério da Educação não teve a dignidade de permitir que esses apoios fossem pagos e, eu nem pedia que fossem pagos! Ficava feliz que me fosse contado, pelo menos o tempo de serviço...) apoio a esse aluno e ao seu irmão, que tinha o mesmo problema de visão, mas em grau muito mais avançado... Pois bem, esse meu aluno X, aprendeu algumas coisas comigo e, eu muitas mais! O irmão dele (aluno Y), que nos primeiros meses, não queria aprender Braille lá se acabou por convencer que gostaria de tentar aprender e, aprendeu. Sei que para o meu aluno X, o facto de também eu já recorrer a lupas, permitiu que, com o tempo aceitasse a deficiência que tinha. Com estes dois alunos aprendi muitas coisas, dei o que sabia e, fui estudando sozinha várias coisas para lhes poder ensinar. Fi-lo sem qualquer apoio do Estado, que nem a máquina Braille emprestou... Mas adiante, que é para que a azia não seja em demasia...
Lá continuei o meu percurso, de escola em escola, sempre com o meu objetivo dos 5 anos. Finalmente, esse dia chegou. Inscrevi-me na especialização. Aprendi algumas coisas, mas achei-as insuficientes, pelo que tenho tirado várias formações no domínio da visão.
Entretanto, já após concluir a especialização, tive a oportunidade de me dedicar a mais um conjunto de pessoas cegas e com baixa visão e, aí, aprendi muitas mais coisas, porque é no dia a dia, quando as situações nos surgem, que nos temos que adaptar a elas e tentar fazer o melhor que sabemos. Sei, que hoje, em algumas delas já faria melhor, mas também sei que só não o fiz melhor, porque não sabia fazer melhor naquele momento.
Pelo caminho tive problemas de saúde que me fizeram esquecer muito do que aprendi. Não baixei os braços e reaprendi e ainda reaprendo!
Muitas mais situações poderia relatar, mas talvez o caminho que tive que percorrer, tenha sido fundamental para aceitar com muita naturalidade o diagnóstico que me foi feito, no mês de Outubro. Agora terei que reaprender e aprender tudo mais uma vez, sem que utilize o sentido da visão. Se me parece impossível ler com os dedos? Sinceramente, parece, porque devido a um outro problema tenho pouca sensibilidade... Mas teimosa como sou. sempre, que tenho razão para o ser, sei que posso demorar muito a aprender, mas chegará o dia que o irei conseguir...
Pois bem, a minha especialização como já terás compreendido é no domínio da visão. Então, mas por que carga de água me interesso também pela área da audição? Por causa dos meus alunos e por familiares muito próximos, que têm surdez. Não quero perder a capacidade de poder comunicar com todos e de me fazer compreender por todos.
E quanto mais conhecimento se tem, mais noção temos do quão ignorantes somos.
Beijinhos para ti e, desculpa se o texto tem alguma gralha ou incorreção linguística, mas estou cansada para rever tudo o que escrevi.
Joana
Força Joana!
Olá, Joana!
Gostei muito da tua história e mão te preocupes, porque percebi tudo.
Vejo que és uma pessoa determinada e com garra, assim vai ser mais fácil aprenderes Braille e muitas coisas úteis.
Não te preocupes, isso de teres pouca sensibilidade para ler Braille é normal. Tens de estimulá-la todos os dias e, se tiveres dificuldades, hoje em dia podes fazer tudo com um leitor de ecrã e ouvir áudiolivros ou livros digitalizados que poderás requisitar na Biblioteca Nacional e na Biblioteca de Gaia.
Agrada-me saber que és professora e com muita experiência na educação de jovens com baixa-visão. Eu também já tive baixa-visão e não tinha qualquer ap Oio do Ministério da Educação, nem tão-pouco um professor de ensino especial da +área da deficiência visual. E auditiva. Mas, ao contrário dos teus alunos, eu não tive grandes complexos na altura adolescente, mesmo usando uns óculos muito graduados e horrorosos e me auxiliando de uma lupa igualmente grossa. E mesmo assim continuava a ver mal e tinham de fotoopiar-me tudo muito ampliado. Para escrever, usava um marcador preto e muito grosso e fazia as letras muito grandes.
A verdadeira vergonha que tinha não era de ser surdo e de ver bastante mal, mas de ter uma grande cicatriz na barriga em consequência de um acidente que tive aos 8 anos.
O que não aceitei foi a perda iminente da visão, porque já era muito mau não ouvir nada...
Pois, também as minhas professoras de apoio tiveram de aprender por elas próprias e muitas vezes era eu que as ajudava a descodificar os pontinhos.
Contudo, eu tinha muita necessidade de apoios e olha que o computador adptado não foi o Ministério da Educação que mo arranjou, mas os peditórios que os alunos da minha escola fizeram. E o dinheiro desapareceu misteriosamente, porque foi a Fundação Gulbenkian que deu os equipamentos que a minha escola não me queria dar quando terminasse o secundário.
Foi tudo um mistério, mas felizmente o novo director disse-me que podia levar a impressora e o erminal Braille para casa, porque eu era o único aluno cego e surdo e ia precisar deles para prosseguir os estudos universitários e também para ter um emprego e não me esquecer do que aprendi.
Fiquei muito satisfeito por teres uma qualidade que poucos professores têm, que é aprender Braille e língua gestual, porque nunca se sabe que alunos podem aparecer e seria triste deixá-lo a um canto da sala e sem oportunidade de aprender como os outros...
Foi o que aconteceu comigo e em parte tenho culpa por não ter sido mais reivindicativo, mas o mais engraçado foi que, depois de ter ficado surdocego, passei a ser mais marrão e a brilhar!
E se não tivesse sido teimoso e mostrado o que era capaz, não teriam notado e eu não teria feito o 12º ano e tirado um curso superior.
Os nossos exemplos de determinação podem ajudar bastante aqueles que se sentem menos capazes, porque também já me senti assim, mas como sou um apaixonado pela vida e um teimoso de primeira, lá fui conseguindo. E espero ajudar os outros, porque não há maior prazer do que reacender sorrisos!
Estou aqui para vos ajudar e dar a minha amizade. É isso que me faz ser útil e feliz!
Beijos
resposta
Pois, Marco, mas eu quero mesmo aprender a ler com os dedos! Pois aprendi a ler com os olhos, mas quero fazê-lo com os dedos. Gosto mais de ler. É diferente de ouvir. Ao ouvir esquecemos o modo correto de escrever.
Que curso tiraste? E em que trabalhas?
beijo,
Joana
Qualquer emprego hoje é muito bom!
Olá, Joana!
Tens razão, porque só lendo braille com os dedos é que aprendemos a forma correcta como se escrevem as palavras. Tive amigos cegos que escreviam as palavras como as ouviam, incluindo em língua estrangeira. Também eu prefiro ler um livro em papel do que falado, mas ambas as alternativas são muito úteis, porque quando um livro não está em braille, sempre posso ouvi-lo.
Sou licenciado em Psicologia e possuo o primeiro ano de mestrado em Psicologia da Educação, mas interrompi o segundo ano por motivos pessoais. Apenas poss dizer que uns dos motivos foi a frustração que experimentava por ser uma profissão muito visual e por eu ter algumas dificuldades auditivas, e por ser um curso com mais oferta e pouca procura e nestes tempos ter uma taxa muito alta de desemprego.
Mas mesmo assim gostei muito e considero que a Psicologia ajuda bastante nas nossas relações com os outros e a termos uma postura mais adequada nas diferentes situações e conflitos do dia-a-dia. É também podemmos ter mais conhecimentos e trabalhar com todo o tipo de profissões.
Beijos
A nossa presença é essencial
Olá Joana e Marco !
Amiro-vos imenso pela vossa postura na vida, persistência, força de lutar contra tudo e todos, .... !
Eu nomeadamente na Fraternidade Cristã, aprendi que se realmente nós queremos inverter as coisas, devemos começar por estar presentes, e dizer de nossa Justiça ... !
Já por muitas vezes, eu fui representar a Fraternidade em congressos, workshops ... umas vezes acompanhado, e outras sózinho ... !
E olhem q não foi nada, mesmo nada fácil, uma vez mto nos inícios houve um congresso essencialmente para médicos, e nós eramos os únicos não médicos ou enfermeiros presentes !
Carago só falavam das pessoas ditas normais, até q nós pedimos para falar, naquela altura do debate, e batemos o pé, dissemos q não é assim, e falamos: e os deficientes ? como os tratam ?
Podem crer q aquela assembleia ficou bué a pensar em nós, mas a princípio não nos queriam deixar falar ... !
Hoje, após mtas e mtas presenças da Fraternidade, eu sinto as pessoas mais humanas e sensíveis, embora ainda haja muito caminho a percorer !
Isto tudo para dizer o quê ?
Quer queiramos quer não, a nossa presença é fundamental, seja para "bater o pé", dizer que assim tá mal, ou mesmo para elogiar progressos feitos, e para darmos o nosso testemunho !
Somos pessoas, carago!
Olá, Filipe!
Boas críticas juntaste às minhas e às da Joana, porque fundamentam o que temos aqui discutido. Pena que têm sido muito poucos que têm participado com as suas experiências no terreno da inclusão...
Tem de ser, amigo, se nós não lutarmos é que não conseguimos mesmo ter os nossos direitos respeitados! E há diversas maneiras de o fazermos, só não podemos ficar calados e deixar que nos tratem como debéis mentais!
Carago, quando é que nos dão oportunidade de termos voz activa nos congressos, seminários e outras palestras sobre inclusão? Acaso são os médicos e outros profissionais que sentem na pele o que a falta de condições e a discriminação negativa que nós semtimos na escola, no trabalho, na nossa área de residência e em todo o lado?
Diz-me se te deixaram falar nos congressos e nos seminários da Fraternidade? Ou falaram por ti e por outras pessoas sem, no entanto, perceberem o que estavam a dizer? É mais fácil falarem como se estivessem a dar uma palestra a outros especialistas do que para as pessoas vulgares que são a maioria da sociedade.
Tu e os outros da Fraternidade fizeram muito bem em bater o pé e serem também ouvidos. Muita gente que vê de fora a pessoa, forma uma ideia errada dela, e se estivermos atentos fala-se mais da deficiência do que da própria pessoa...
Já reparaste que em quase todos os discursos se fala mais da deficiência, de sintomas e causas em vez da pessoa? Ela é um problema porque a sua deficiência é uma problemática em vez de a sua inclusão ser um direito e dever de todos.
Enquanto se pensar que somos um problema para os outros resolverem, pouco se avançará na dimensão da pssoa humana a toos os níveis, porque o que nós representamos para os outros é a deficiência, um problema mais médico do que social.
Por isso, é que a nossa presença enquanto pessoas é tão fundamental para que se perceba que, apesar das limitações, SOMOS PESSOAS COM AS MESMAS NECESSIDADES, SONHOS, SENTIMENTOS E IDEAIS QUE OS OUTROS.
Abraço
Claro q somos pessoas e devemos ser vistos como tal
Olá Marco !
Concordo plenamente com o que dizes, e sobre o n.º de pessoas a partilharem as suas experiência, mais vale poucos e bons ! loool
Podes crer que se não somos nós a lutar pelos nossos direitos, mais ninguém o fará .... espero que todos tenhamos esta consciência !
Deixa-me só corrigir pequenos equívocos:
1. Os congressos não eram a bem dizer sobre inclusão, mas sobre outros temas, tais como: cuidados paliativos, aborto ... ou seja temas na ordem do dia, e não apenas sobre a deficiiência
2. Não eram organizados pela Fraternidade, mas sim nomeadamente pela Pastoral da Saúde, uma vez que dentro da Fraternidade não existe essa discriminação, e todos sem excepção são ouvidos .... aliás umas das boas qualidade da fraternidade é saber ouvir ... porque internamente todos sentimos as mesmas discriminações / problemas ... !
Infelizmente amigo os ditos "normais" vêm a deficiência como um problema, e não como seres humanos com sonhos, sentimentos ... ! :-(