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Invisuais reúnem-se no El Corte Inglés para aprender a degustar um bom charuto

por Lerparaver

Ana Bacelo, invisual de 24 anos, nunca fumou um charuto, mas acredita que a experiência vai ser compensadora, "independentemente de ter ou não um sentido em falta", explicou à Lusa no âmbito do "Curso de Iniciação aos Charutos - Sentir o Prazer".

A iniciativa, promovida pela CigarWorld no Salão Cultural do El Corte Inglés, em Lisboa, reuniu sexta-feira uma dezena de cegos em torno da história do tabaco e dos charutos e mostrou que um bom charuto não perde as suas qualidades por ser "visto" através do tacto.

Vinda de Espinho na companhia da mãe e do cão de guia - "que já esteve no Rock in Rio e entra tanto em discotecas, como em igrejas, hospitais ou piscinas" - Ana Bacelo, licenciada em Psicologia à procura de emprego, só tem "boas expectativas" face aos charutos.

"Já conheço um pouco da história dos charutos, mas vim aqui para aprender mais e, claro, para fumar e sentir como é", explicou ao início da sessão, para a qual foi convidada por um amigo, João Orlando, também presente.

A jovem psicóloga afirmou não ter medo de contrair o vício se gostar da degustação: "Acredito que, se fumar com conta, peso e medida, de forma doseada, será uma experiência agradável e não nociva".

Alinhados dentro de pequenas caixas de madeira, os charutos dos Açores, de Cuba, da República Dominicana, das Honduras e da Nicarágua começaram por ser tocados pelos invisuais, "alguns dos quais a tomar contacto pela primeira vez com os vários aromas", como sublinhou à Lusa Pedro Cunha Martins, da CigarWorld.

"Para os que se estão a iniciar, recomendo um dos Açores, que é mais fraquinho", esclareceu, adiantando ter "curiosidade pelas reacções destas pessoas, pois os puristas dos charutos dizem que é um prazer que toca os cinco sentidos, e aqui há um sentido em falta".

O curso revestiu-se de duas vertentes, uma teórica, sobre o papel do tabaco ao longo dos tempos, as suas variadas aplicações e a sua comercialização, e outra prática, que visou ensinar a desfrutar do charuto como uma arte.

Entre os clientes regulares da CigarWorld, que tem uma loja no El Corte Inglés, conta-se João Orlando, invisual de 22 anos a estudar na Faculdade de Letras de Lisboa, que mobilizou outros cegos para o "Curso de Iniciação".

"Ainda me recordo da primeira vez que fumei um charuto - foi em Janeiro de 2003, em casa de um tio meu, no Alentejo", recordou João Orlando à Lusa, explicando que, a partir daí, fumou "uns charutos bons e outros piores, até aprender a conhecer os melhores".

"Por um lado, a história dos charutos, que passa por Churchill e Freud, fascina-me e, por outro, desde que aprendi a fumar charuto, tornei-me mais calmo, pois é necessário tempo para o apreciar", revelou João Orlando, que é sobretudo fã de charutos cubanos.

Para João Orlando, a promoção da iniciativa - apresentada como o "primeiro curso de charutos para cegos da Europa" - não deve ser encarada como uma exploração da imagem dos cegos: "Bem pelo contrário, até é bom que as empresas intervenham, pois gera-se um marketing positivo e a cegueira passa a ser associada também a algo de luxo".

A sedução exercida pelos charutos neste apreciador levou-o mesmo a criar um blog, alojado em www.cigarworldinfo.blogspot.com e que actualiza "através de um leitor de ecrã que verbaliza os conteúdos", o que facilita as actualizações diárias com informação que, de alguma forma, se relacione com um mundo que já se tornou seu.

Fonte: www.rtp.pt/index.php?article=246532&visual=16