Dirk Trauner, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), fala sobre estudos para tornar canais de íons sensíveis à luz. Objetivo é ligar e desligar neurônios e eventualmente restaurar problemas como a cegueira
Entrevistas
Interruptores iônicos
Por Fábio de Castro, de Águas de Lindóia (SP)
Agência FAPESP - Entre as conferências apresentadas na última sexta-feira (1º/6) na 30ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, uma das que mais chamaram a atenção foi "Manipulando as máquinas moleculares da natureza", apresentada pelo austríaco Dirk Trauner, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.
O grupo liderado por Trauner estuda a reengenharia funcional de canais de íons, anexando chaves sintéticas que respondem a uma faixa diversificada de sinais. Esses canais iônicos manipulados podem ser inseridos em células excitáveis, como neurônios, tornando-as sensíveis à luz e a outros estímulos.
"Os canais iônicos têm um papel fundamental no sistema nervoso. Estamos manipulando esses canais para torná-los artificialmente sensíveis à luz. Tornando os próprios neurônios sensíveis à luz, poderemos criar opções para o desenvolvimento de uma visão artificial, por exemplo. Ao construir, por meio de uma síntese mecânica, interruptores que possam ligar e desligar neurônios, podemos permitir que essas células percebam luz e, eventualmente, restaurar problemas como a cegueira", explicou Trauner à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, sua conferência despertou grande interesse porque a neurobiologia química é uma área bastante promissora, mas ainda pouco explorada no Brasil. "Trabalhamos com a química biológica de sistemas neurais porque acreditamos que a neurociência é uma das mais instigantes fronteiras científicas de nosso tempo. Conforme seu fundamento molecular vai sendo estabelecido, esse campo caminha na direção da mesma transformação que levou a genética à fronteira da ciência e possibilitou elucidar o genoma humano", explicou.
Segundo ele, até muito recentemente, o progresso nas neurociências foi limitado por uma falta de compreensão estrutural dos componentes básicos que estão por trás do funcionamento de células excitáveis: os receptores ionotrópicos (canais de íons que respondem a um neurotransmissor específico) e os receptores metabotrópicos (que atuam nos canais de íons pela ativação de mensageiro na célula pós-sináptica).
"Com o advento das primeiras estruturas de cristais de raios X dessas proteínas, a situação mudou dramaticamente e a neurobiologia está pronta para amadurecer e se tornar uma verdadeira ciência molecular. Chegou a hora dos químicos orgânicos, que têm uma compreensão aprofundada da estrutura e do mecanismo e a capacidade de sintetizar moléculas complexas", disse.
Campos diversos
Na opinião de Trauner, a interdisciplinaridade é requisito básico. "Precisamos de diversas áreas para saber como o cérebro e a memória funcionam, por exemplo. A química pode ter uma contribuição muito importante para as neurociências. Isso é muito visível no nosso trabalho, que entra nos campos da síntese orgânica e química, mas também da biologia molecular aplicada à neurobiologia."
Ao criar moléculas que funcionam como chaves de liga e desliga, que são colocadas em proteínas de canais iônicos para manipulá-los, os cientistas aplicam a biologia molecular, mas também fazem a síntese química em moléculas orgânicas ligadas a esses canais. "E, dessa forma, o sistema todo vem junto e colocamos isso nas células. Usamos conhecimento de vários campos: química orgânica sintética, engenharia de proteínas, neurobiologia, eletrofisiologia", explicou.
Além da neurobiologia química, o grupo de Trauner pesquisa a síntese total de produtos naturais complexos, além do desenvolvimento de sondas moleculares e sua aplicação em áreas biológicas, incluindo as neurociências.
"Uma parte importante do nosso programa de pesquisas é dedicada à síntese e avaliação biológica de produtos naturais - que são metabólitos biologicamente ativos com pesos moleculares relativamente baixos. Achamos que a maioria dos produtos naturais ainda não foi encontrada. Como químicos orgânicos, estamos intrigados com a beleza estrutural e a sofisticação funcional dos produtos naturais", destacou.
Fonte: Agência FAPESP
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Comentários
Por isso é tão belo estar vivo!
Impressionante esta notícia. as neurociências, penso, irão muito longe ainda. Restaurarão a visão em pessoas cegas, povoarão o mundo com criaturas as mais inimagináveis, aliando a genética bio-molecular, as descobertas da física e da química, aliadas à matemática, assim como às importantes áreas da informática e tecnologia. O futuro promete-nos uma aventura assombrosa!