Esta é daquelas notícias bombásticas, que entram de caras nas linhas editoriais e fazem rapidamente as capas dos jornais, mas que se analisarmos o seu conteúdo, vamos verificar que se trata de uma peça única exclusivamente sensacionalista, sem nenhum rigor nem qualquer pinta de verdade.
Esta notícia dá conta de um telemóvel capaz de mostrar imagens em Braille.
Percebe-se que quem a lançou não sabe que o Braille é um método de leitura e escrita, e não propriamente de desenho, as imagens podem ser apresentadas para os cegos, mas em relevo e não em Braille.
Mas segundo esta notícia, com este equipamento os cegos vão poder realizar de entre outras coisas uma vídeo chamada, e verificarem que no ecrã do telefone existem uns pinos que se movimentam para cima e para baixo, dando, segundo a referida notícia, a oportunidade a quem não vê, de reconhecer por exemplo o rosto da pessoa com quem estão a falar.
Ainda relacionado com esta peça, O produto usa uma tecnologia conhecida como shape-ememory alloy,
que faz a superfície feita de alguns materiais, como aço e zinco, retornar
à posição normal quando sofre ação do calor.
Repare-se que até hoje, ainda não é possível tirar uma foto de um livro ou de uma qualquer folha de papel, e ler em tempo real o texto que lá existe. Para que um cego possa ler texto digitalizado precisa de um software de OCR, (reconhecimento ótico de caracteres),que apesar de já terem evoluído bastante nos últimos anos, ainda estão longe de serem perfeitos e por isso dão imensos erros no processo de digitalização.
Ou seja, se neste momento houvesse um equipamento que fosse capaz de passar na hora um texto a negro para Braille sem erros, seria absolutamente fantástico, e representaria para as pessoas cegas um sonho de muitas gerações.
Mas este senhor, que segundo esta notícia é Indiano, foi mais além, e inventou um equipamento que não só transforma um texto a negro em Braille, como até descodifica imagens e apresenta-as em relevo.
Já viram a maravilha que era eu estar a falar consigo e apalpar a sua face em relevo? E se fosse possível tactear tudo, mesmo tudo? Já estou a salivar, e ainda começo a acreditar que isto é verdade!
Se assim fosse, era qualquer coisa de extraordinário, milagroso!
Mas como se percebe facilmente, esta notícia é fantasiada, é um devaneio de um qualquer estudante, que apresentou a ideia num concurso de projectos, em que os avaliadores nada percebem da especificidade da deficiência visual, e eles acharam a ideia genial, não se preocuparam sequer em saber se ela era ou não viável, e lá atribuíram o prémio.
Estas notícias fazem-nos sonhar, e nisso cumprem bem o seu papel. Mas quando eu verifico que elas são veiculadas por órgãos de comunicação social sérios, credíveis, tentando dar ao leitor a ideia que são mesmo verdadeiras, é altamente preocupante, e revela bem a ignorância que muita gente tem sobre a cegueira, e depois não admira que muita gente supostamente bem formada e com uma posição social altamente favorável continue a ser preconceituosa em relação a esta deficiência. quando se assumem este tipo de notícias como verdades, está absolutamente tudo dito.
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Comentários
re
Boa tarde.
Estou, em parte, de acordo com o que escreveu, mas se realmente ha muita falta de informação, porque ainda ha muita, cabe, tambem, a cada um de nos reverter tal situação. E se cada um de nos utilizasse os meios que temos a mao para explicar o que as pessoas nao sabem, quer seja por ignorancia ou porque ninguem lhes explicou?
Para a Ana, uma observação
Olá Ana.
Concordo contigo. No entanto, as pessoas que pretendem criar estas coisas, devem pesquisar até que ponto isso é viável, contactando com o público a que se destina a invenção. Já agora, comentando esta notícia, para além do que o Filipe disse, dá ideia que todos os rostos são iguais...
Bjs.
RE
Boa Tarde.
Sim, quem pretende criar tecnologias tem de perceber bem por onde está a ir e conhecer bem os prós e contras. Mas se cada um de nós fizesse as pessoas perceber que muitas das ideias que elas tem são perfeitamente erradas, evitariamos situações destas, quer por parte dos criadores de tecnologias, quer por parte dos jornalistas que divulgam estas notícias como sendo grandes descobertas...
BJS
Esclarecimento da opinião pública.
Olá Ana.
Percebo a sua opinião. Embora neste particular penso que ela não se aplica.
Se nós queremos desenvolver uma ideia, um projecto em que supostamente o público alvo são as pessoas cegas, antes de concretizar na prática o que quer que seja, manda o bom senso que, primeiro, façamos uma pesquisa de mercado para ver o que existe, e segundo auscultemos a parte interessada no resultado do produto final.
Pelo que li desta notícia, tenho a convicção profunda que não foi feita nem uma coisa nem outra!
É verdade que em muitas situações, podemos e devemos contribuir para um melhor esclarecimento da opinião pública, sobre a deficiência visual. Mas neste caso em concreto, nós não podemos ser parte activa nesse esclarecimento, se da outra parte não à o mínimo de interesse e abertura na sua obtenção.
Um abraço.
Filipe.