Texto que escrevi para o suplemento Cm Cidades, publicado no Jornal Correio do Minho de 14 de Julho de 2019.
Em 2021, todos os automóveis eléctricos e híbridos vão ser obrigados a emitir um ruído artificial
que simule um tradicional motor de combustão, sendo que esta obrigatoriedade já se aplica aos novos automóveis produzidos a partir de agora.
Numa altura em que tanto se fala da poluição sonora causada pelos motores dos automóveis, poderá parecer um contrassenso desperdiçar-se esta oportunidade de ouro para
diminuir os níveis de ruído nas cidades, mas a verdade é que os veículos silenciosos são uma enorme ameaça à segurança das pessoas cegas, e também à dos
peões e ciclistas em geral.
Não admira por isso que as principais associações de cegos da Europa tenham lutado durante tantos anos por esta lei, que embora
seja obviamente positiva e represente uma enorme vitória acaba por ficar aquém das expectativas.
A intensidade mínima de ruído prevista na lei é de 56
DB, um valor francamente modesto, tendo em conta que por exemplo o volume de uma conversa normal ronda os 60 DB, e o ruído causado por um motor de um automóvel
convencional costuma rondar os 75 DB, um valor quatro vezes superior, isto porque a escala de decibéis é logarítmica, em que a cada 10dB temos o dobro
do ruído anterior.
É um facto que a lei permite que o nível de ruído do automóvel chegue aos 75 DB, mas infelizmente teremos de confiar apenas no bom senso
dos fabricantes e na capacidade que eles tiverem de contrariarem o lobby poderoso dos fãs do silêncio absoluto dos automóveis.
E esta é uma questão absolutamente central, porque quer queiramos quer não, estamos perante um conflito de interesses, e temos inúmeros exemplos na nossa sociedade em que a acessibilidade,
a usabilidade e o conforto das pessoas com mobilidade reduzida foram preteridos em detrimento da estética.
Outra limitação da lei é o facto de o ruído só ser obrigatório quando o automóvel circular a menos de 20 Km por hora. É verdade que numa velocidade superior temos o som provocado pela tracção dos
pneus, mas não nos esqueçamos que a audição é o sentido que mais nos afecta à medida que vamos envelhecendo, em que para além de as pessoas terem a probabilidade
de passarem a ouvir pior, vêem-se afectadas numa das habilidades fundamentais para estas tarefas, que é a equidade auditiva. As pessoas cegas não são diferentes.
E embora ainda não hajam muitos estudos que o sustentem, parece que para além da perca de equidade auditiva normal fruto da idade, o uso diário de sintetizadores
de voz que são usados nos computadores, smartphones, tablets e outros equipamentos electrónicos podem acelerar um pouco mais esse processo.
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