Meus caros.
Hoje, Sexta feira dia 16 de Maio de 2014, participei numa reunião palestra organizada pela federação das associações juvenis do distrito de Braga, a propósito de Braga ser a cidade capital jovem da segurança rodoviária.
Este evento aconteceu no pequeno auditório do hospital de Braga, e contou com a presença de responsáveis do município bracarense, da psp, e teve também a participação de outras associações ligadas à deficiência.
Fiz uma intervenção de fundo sobre as dificuldades genéricas de mobilidade que afectam as pessoas com mobilidade reduzida, e nesse sentido partilho convosco o texto integral que escrevi de propósito para esta sessão.
Início do texto.
Quero em primeiro lugar felicitar e congratular-me por Braga ser a capital jovem da segurança rodoviária, e em segundo lugar quero agradecer o amável convite que nos foi feito pela Federação das associações juvenis do distrito de Braga.
Estou aqui com todo o gosto, na minha qualidade de jovem mas sobre tudo na de dirigente associativo em que não posso menosprezar a experiência que resulta de vários anos de actividade.
E começo precisamente por aí, para vos dizer que tenho a profunda convicção que estamos lamentavelmente a pregar no deserto, e que, perdoem-me a comparação e a piada, quase que parecemos mentores de uma seita religiosa numa campanha de angariação de fiéis.
Creio que o foco do problema não passa tanto pelo levantamento de necessidades, mas antes pela falta de formação e sensibilização dos técnicos para incluírem a sério, e de uma forma definitiva e profissional as boas práticas de acessibilidade na planificação das obras.
Vou dar-vos um exemplo muito concreto e que é sintomático daquilo que eu digo.
A quando da planificação das obras que foram executadas no centro da cidade, nenhuma instituição foi ouvida e lamentavelmente cometeram-se erros crassos ao nível da acessibilidade que obviamente afectaram milhares de pessoas com vários tipos de deficiência.
Claro está que quando terminaram as obras começaram imediatamente a chover queixas. E só nessa altura é que houve a preocupação de conhecer os verdadeiros problemas de acessibilidade.
E o mais dramático e revoltante é que uma grande parte das alterações que foram sugeridas à posteriori não puderam pura e simplesmente ser implementadas porque isso implicava destruir aquilo que tinha sido feito, facto que não tem enquadramento legal, por causa das obras terem sido coo-financiadas através de fundos comunitários.
Como se confirma, se antes da intervenção que se realizou tivesse havido a preocupação de discutir estas questões com quem sabe, hoje as pessoas não sofriam quedas em catadupa naqueles pisos florescentes na rua de são marcos por exemplo, nem os cegos andavam à nora para distinguir a estrada do passeio ali junto ao banco de Portugal.
Mas descansem porque mesmo assim, ao contrário do que seria expectável, não se aprendeu com os erros.
A proválo está este monumento que foi recentemente colocado no campo da vinha onde está a estátua em homenagem ao Dr. Francisco Salgado Zenha, monumento esse que dificulta bastante a vida dos cegos que quando vêm do edifício do pópulo não conseguem identificar a passadeira para atravessarem para o lado do antigo tribunal, porque há ali uma confluência de passadeiras que confunde as pessoas, para além do perigo que obviamente isso representa.
E aqui desculpem a franqueza mas não é preciso fazer levantamento de necessidades.
Já à muito tempo que falamos da necessidade e da utilidade de incluir pisos podotácteis com contraste cromático nas passadeiras.
É algo extremamente fácil e barato, e permite por um lado à pessoa cega identificar a passadeira com os pés, e o contraste cromático vai permitir à pessoa com baixa visão identificar a passadeira com muito mais facilidade. E da mesma forma que todos nós sabemos que temos de colocar rampeamento, porque é que não se adopta esta medida definitiva de incluir também os tais pavimentos tácteis com contraste?
Estão a ver? São as tais boas práticas de que eu falava, e que as entidades públicas estão fartas de as conhecer.
Para terem uma ideia, a Acapo já há muito tempo publicou um extenso documento com uma norma do uso de pavimento táctil na via pública, e inclusive existe legislação, nomeadamente o decreto lei 163 2006 de 8 de agosto, que prevê o uso de material de revestimento de textura diferente e cor contrastante com o restante piso na via pública para assinalar escadas, rampas e passagens de peões de superfície.
Portanto se houver esta sensibilização, e aqui reparem que basta cumprir a lei, estas coisas são implementadas de raiz e não precisamos de andar sempre a falar de problemas que se repetem por cada nova obra que se faça.
Temos também o exemplo dos semáforos sonoros. Já fizemos chegar esta preocupação dezenas de vezes a quem de direito, o que é certo é que há vários anos a esta parte que não se colocam novos semáforos, e alguns inclusive estão avariados à imenso tempo e não estão a ser reparados.
Também já há muito tempo que falamos na vantagem de substituir gradualmente aqueles pilaretes que impedem o estacionamento, por outros em selicone e com contraste cromado porque são flexíveis e não magoam, com a vantagem de serem eventualmente mais baratos, mas infelizmente continuam-se a colocar pilaretes rígidos em metal que magoam a pessoa que bate contra eles. Com uma agravante, em alguns locais da cidade quando existem actividades e eventos relevantes, como por exemplo recentemente a semana santa, e a feira romana que se vai realizar agora para a próxima semana, esses pilaretes são retirados, e voltam novamente a ser colocados quando terminam os eventos em causa.
Uma outra crítica que temos feito chegar amiudadas vezes a quem de direito prende-se com a colocação na via pública de cartazes promocionais. Esses artefactos representam um perigo enorme, tanto mais que os materiais usados são de qualidade duvidosa, e como eles estão presos aos posts e não são detectados pela bengala, a pessoa é obrigada a bater contra eles, com a agravante de alguns cartazes até terem objectos perfurantes, verdadeiramente incrível.
No entanto, pese embora o facto de as entidades estarem mais que alertadas, mal se vislumbre a realização de um evento importante lá vêm os tais cartazes, que obviamente são autorizados neste caso pelo município.
Será preciso fazer o levantamento de necessidades cada vez que alguém queira promover um evento?
Também estamos fartos de apontar o problema da falta de eliminação das passadeiras, É uma lacuna perfeitamente identificada e nesse aspecto temos bons exemplos em concelhos vizinhos onde essa iluminação existe.
O estacionamento perto de locais de atravessamento é uma dificuldade que já apontamos diversas vezes.
Mas aqui até temos um facto altamente caricato. As próprias entidades concedem e autorizam a criação de locais de estacionamento de veículos a menos de 5 metros de uma passadeira! É o cúmulo! É que aqui nem estamos a falar de acessibilidade, mas sim de código da estrada puro e duro.
E no meio disto tudo, sabem o que eu acho mais curioso?
É que da parte do poder político até há boa vontade em ouvir as nossas propostas. Até há interesse em tentar resolver os problemas.
Agora o que eu acho é que se torna desgastante, quer para os responsáveis políticos, quer para nós enquanto responsáveis pelas instituições, andarmos constantemente a apagar fogos, quando o objectivo é evitar que eles comecem a lavrar.
Por isso é que eu digo que da mesma forma que numa obra se considera relevante a estética, o enquadramento etc. a acessibilidade também tem de ser colocada no role das preocupações e das prioridades.
Garanto que se não for agora, a sociedade vai exigir que a acessibilidade seja obrigatória, porque não estamos a falar apenas das pessoas com deficiências físicas, mas o leque de beneficiários é muitíssimo mais abrangente. Diria até que todos os cidadãos sem excepção podem estar temporariamente limitados na sua mobilidade, e se as cidades não estiverem preparadas eles pura e simplesmente não podem chegar aos locais de uma forma autónoma.
Antigamente, quando um indivíduo tinha de andar numa cadeira de rodas por exemplo ficava em casa com vergonha. Cada vez mais, as pessoas, mesmo com problemas sérios de locomoção querem sair, desejam aceder livre e autonomamente aos locais, e é assim que deve ser. Por isso, digo-vos com toda a frontalidade que não concebo como é que nos dias de hoje, ainda há quem ponha a estética à frente da acessibilidade. É uma atitude, uma forma de agir e de pensar imperdoável que tem de ser combatida e repudiada com todas as nossas forças.
Por isso, das duas uma, ou as entidades formam os seus técnicos dando-lhes a conhecer as boas práticas de acessibilidade e mais importante a legislação que existe, ou então recorrem a consultores externos (área em que a acapo tem créditos perfeitamente firmados) com o objectivo de elaborar um plano de acessibilidade para cada obra, e naturalmente verificar se o mesmo está a ser executado,, porque isso é que é o mais importante.
É que todos nós sabemos que não faltam estudos de mobilidade, em que em teoria as coisas até estão pensadas, mas na prática acabam por não ser postas em prática.
Ou seja, o que se pretende de grosso modo é profissionalizar a acessibilidade, e integrá-la de raiz em tudo o que se faz.
O jornal britânico The Guardian, na sua edição de ontem, considerou Braga como a cidade mais encantadora de Portugal. Eu acho que nos devemos preocupar em fazer também com que braga seja a cidade mais acessível de Portugal.
Ou então que tal, fazermos de Braga a cidade mais acolhedora e inclusiva da Europa. Que grande desígnio. Não acham?
Também deixem-me dizer-vos que não fica mal reconhecermos que nós, enquanto pessoas responsáveis por associações de e para deficientes também não temos feito tudo como deve de ser. Creio que há muitos problemas que são transversais a muitas deficiências, e que deviam ser alvo de uma estratégia muito mais concertada entre as diferentes associações, porque todos juntos seríamos muito mais credíveis, e ganharíamos muito mais peso institucional junto de quem realmente decide. E este aspecto para mim é fulcral em tudo aquilo que estamos a dizer.
Cada vez mais me convenço que temos de criar um loby da deficiência, para que a curto médio prazo os próprios deficientes possam assumir cargos de responsabilidade política.
E não tenho dúvidas que quando nós começarmos também a ter responsabilidade no poder de decisão, as cidades serão muito mais acessíveis, e viveremos todos bem melhor, e seremos sobre tudo muito melhor acolhidos no nosso habitat natural.
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