Por Teresa Maia
Frases Chave
I - Os deficientes visuais são capazes de desenvolver habilidades manuais;
II - As AVD são primordiais na autonomia dos cegos e amblíopes;
III - O uso correcto e destro das mãos desmistifica ideias feitas e preconceitos acerca dos cegos
Introdução
As linhas que se seguem têm por objectivo divulgar a importância primordial que as AVD (Actividades da Vida Diária) têm para os cegos e amblíopes qualquer que seja o seu grau de instrução ou o tipo de profissão que desempenhem. Um Cego pode ir longe no saber académico e simultaneamente usar as suas mãos e o seu corpo de forma autónoma e harmoniosa para levar a cabo pequenas tarefas, aparentemente insignificantes, mas indispensáveis quotidianamente.
Geralmente chamam-se AVD às tarefas de higiene e autonomia pessoal que todas as pessoas executam de forma mecânica e rotineira uma vez que o hábito as torna assim. Pentear os cabelos ou pegar correctamente no talher, introduzir uma chave na fechadura ou vestir uma peça de roupa do direito, são AVD.
O cidadão comum aprendeu, desde a infância, a executar com mestria todas estas actividades de tal modo que, não raro elas são actos mecânicos de que nem têm consciência; mas será assim com as crianças que nasceram cegas e amblíopes ou que contraíram uma deficiência visual em tenra idade? Não, não é!
Os indivíduos que vêem aprendem por imitação, isto é, desde o berço que todos o indivíduo normovisual vê à sua volta executar e repetir gestos, tarefas, movimentos, etc. O indivíduo cego não os vê, portanto não recebe a informação do modo como tais gestos e tarefas se executam, ainda que, quotidianamente, na presença de uma criança cega se repitam gestos e movimentos, ela jamais os conhecerá se não lhe forem ensinados especificamente, ou seja, se o adulto lhe não pegar nas mãos e a deixa "ver" com as sua mãos, o que está a fazer.
Esta circunstância de tão óbvia é evidente, escapa à maioria das pessoas de visão normal e é justamente por isso que há tanta dificuldade em um indivíduo de visão normal transmitir informações correctas e precisas a um cego.
Existe, contudo, uma razão forte e plausível para esta dificuldade: é que a maior parte das informações que recebemos e os modos como comunicamos com os outros acenta na vista muito mais do que em qualquer outro sentido.
Reflitamos um pouco... os destinos dos transportes públicos, os cartazes dos espectáculos, as roupas que estão na moda, as variedades de produtos e marcas de um supermercado, ou numa confeitaria... É através do sentido da vista que se toma conhecimento de tais factos.
Talvez agora já seja mais fácil ao leitor compreender porque é que são tantas as dificuldades que se levantam aos cegos quanto à obtenção de tais informações, é que, além da sociedade em geral, estar organizada em função dos que vêem, a troca de informações baseia-se na visão. Deste modo um cego que pretenda - manter-se a par da realidade que o rodeia faz um esforço permanente da adaptação à sociedade e ao meio.
Mas se as AVD são fundamentais para a autonomia dos cegos, porque lhes permitem em muitas situações bastarem-se a si próprios, sem necessidade de recorrerem ao auxílio de outrem, elas não o são menos do ponto de vista social, pois contribuem para desfazer mitos e preconceitos de que a ausência da vista é impeditiva do uso correcto das mãos e do corpo, da realização coordenada de gestos e movimentos normais e correntes tendo por finalidade uma função útil e prática efectuada sem sofrimento e com destreza e banalidade.
Bem interiorizado a fim de que perceba, não apenas de modo intelectual, mas também empático, as circunstâncias em que o seu aluno irá fazer as aquisições nesta área. Existem duas técnicas adequadas para este fim. Uma delas é o professor executar lentamente os movimentos e gestos que pretende ensinar, deixando o deficiente visual colocar as suas mãos sobre as dele e "ver" como tais gestos e movimentos se realizam; outra é a de deixar o deficiente visual executar lentamente e de forma gradual os gestos e movimentos até que a sua destreza lhe permita ser rápido e rotinizar a tarefa ensinada. Por vezes as crianças deficientes visuais levam mais tempo para aprender a usar as mãos com destreza, o que facilmente se compreende uma vez que têm de fazer estas aquisições de modo parcelar, individualizado, por oposição ao modelo visual imitativo; além do mais, o tacto, sentido em que toda a aprendizagem das AVD se realiza e, se baseia, é analítico e não globalizante, como a vista.
Falámos até aqui de crianças deficientes visuais.
Falaremos agora, um pouco de adultos deficientes visuais. A grande diferença entre uns e outros, no que respeita ao ensino das AVD, é que as crianças fazem a sua aprendizagem como indivíduos que nunca viram ou que viram durante um período tão curto da sua vida que lhes não ficou memória ou experiência do uso da vista. Pelo contrário, um adulto que contraiu uma cegueira recente, é uma pessoa que dispõe de uma experiência visual anterior. Assim, um cego ou amblíope que se tornou deficiente visual depois de uma parte da sua vida ter sido vivida usufruindo plenamente do sentido da vista, sofre um corte e uma amputação sensorial de um nível tal que é susceptível de "desestruturar a sua personalidade".
No entanto, não se pense que esta cegueira é um mal sem remédio, o fim da vida e do interesse pela mesma. De modo nenhum! A reabilitação dos cegos adultos não se fez para outra coisa que não o "reabilitar", isto é, devolver ao cego adulto o equilíbrio emocional, a harmonia entre a sua nova vida (forçosamente prescindindo da vista) e o mundo exterior em todas as suas componentes de sentimentos, emoções, beleza, realização pessoal, profissional, afectiva, etc.
De que modo se ensina e aprendem as AVD neste caso?
Como já dissemos a diferença entre uma criança que nasceu ou contraiu uma deficiência visual em tenra idade e um indivíduo que cegou já adulto, situa-se ao nível da ausência ou não de memória e experiência visual. Um adulto que cegou recentemente e é portador de uma mundividência visual, e, deste modo, não perde as aquisições e saberes que possuía anteriormente; o que ele precisa agora, é adaptar esses saberes a uma nova forma de os executar. Tem de recorrer aos outros sentidos, sobretudo o tacto, para suprir, tanto quanto possível, a ausência da vista.
Sendo assim, os dois tipos de indivíduos considerados, aprendem AVD partindo de realidades diferentes. Poderíamos dizer que são duas vertentes da mesma situação, mas em ambas é perfeitamente possível a superação da limitação visual, para a autonomia e afirmação do indivíduo.
O que é fundamental é a vontade de aprender do deficiente visual e o encorajamento dos que o rodeiam, não lhe dando expectativas que estão para além do possível nem desacreditando nas possibilidades de deficiente visual.
Queremos que este ponto de equilíbrio, esta justa medida é sempre difícil de alcançar.
Temos em nós a forte convicção de que o avanço das oportunidades de formação e reabilitação, nesta área, como em tantas outras, em breve darão os seus frutos desmontando esquemas mentais ultrapassados, e ideias pré-concebidas acerca da cegueira.
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