Todas as grandes instituições, e consequentemente todas as grandes causas devem ter a sua marca, o seu marketing e o respectivo merchandising.
Falando especificamente da deficiência visual, a pergunta impõem-se. Na perspectiva da sociedade civil, quando se fala em cegos, quais são as primeiras palavras que saltam para a ribalta?
Certamente que a palavra Braille é uma das que nos vem logo à cabeça, talvez mesmo a primeira.
Neste dia, em que comemoramos o nascimento de um génio que perante as adversidades criou o único sistema de leitura e escrita para pessoas cegas, acho que devemos evocar o Braille não só nesta vertente de emancipação dos cegos, mas também como instrumento de valorização, sensibilização e promoção da deficiência visual junto da opinião pública.
Ao longo de todos estes anos, temos falado e muito bem da importância que o Braille tem na alfabetização das pessoas cegas. Temos reivindicado muito justamente um tratamento muito mais cuidado por parte dos organismos públicos. Temos igualmente lutado pelo regresso da comissão de Braille, mas creio que nos estamos a esquecer de uma outra vertente muito importante.
Como utilizar O Braille como instrumento de marketing, de sensibilização e promoção da deficiência visual?
A pergunta é pertinente, porque Estamos claramente a perder esta luta, e como tal devemos mudar de estratégia, por uma questão de bom censo e inteligência.
Sendo eu um braiologista convicto, confesso que me incomoda o radicalismo daqueles que afirmam peremptoriamente que uma pessoa cega que não domine o Braille é analfabeta.
Como é que eu posso dizer que um indivíduo que cegue em idade adulta, que seja diabético e por isso não tenha grande sensibilidade nos dedos, mas que tenha feito toda a sua vida a ler e escrever a negro, se possa considerar analfabeto?
Neste exemplo, esta caracterização não só é tecnicamente errada, porque a pessoa conhece a ortografia, apenas não está em condições físicas de a usar, como é sobre tudo insultuosa. Inclusive, muitas vezes, essas pessoas que são injustamente apelidadas de analfabetas, até são licenciadas!
Por isso, a nossa luta não deve ser contra os cegos que não leem Braille, mostrando uma pseudo superioridade bacoca, mas sim pugnar pela expansão deste método, e usá-lo como ícone, ou se preferirem como símbolo para chamar a atenção para as questões específicas da deficiência visual.
Defendo que cada vez que se queira criar uma alternativa pensada para pessoas cegas, o Braille deva ser obrigatoriamente incluído no pacote de soluções a implementar.
Mas da mesma forma que não gosto dos braiologistas que se acham superiores e humilham muitos indivíduos que não dominam o Braille, também não posso pactuar com aqueles que defendem que pelo facto de não o usarem, não vale a pena proceder à sua implementação.
Quando um restaurante decide disponibilizar o seu cardápio em Braille, está a dar um sinal muito claro, o de que se preocupa com os cegos, e encara-os como clientes de pleno direito, não descriminando aqueles que não sabem ler Braille.
Aqui, mais importante do que pensarmos no número de pessoas que possam vir a utilizar esta facilidade, é percebermos que na hora de uma pessoa cega decidir a que restaurante pretende ir, o facto de existir uma ementa em Braille é decisivo no seu processo de escolha. Neste caso o Braille assume obviamente um papel integrador e inclusivo, mas estamos essencialmente a falar de marketing puro, que vai naturalmente contribuir para que os responsáveis pelo espaço comercial possam estar sensíveis a outras questões relacionadas com a deficiência visual, e eventualmente estudarem a instalação de novas soluções que possam beneficiar ainda mais clientes.
Da mesma maneira que damos valor ao requinte de um restaurante, não podemos ficar insensíveis a esta vertente integradora, que será benéfica para um nicho muito importante de mercado, sendo que o Braille, tão importante do que a sua vertente de literacia, é um símbolo da preocupação demonstrada por um privado que nos quer agradar, e mostra que está sensível para as necessidades de um conjunto muito vasto de cidadãos que querem ser consumidores de pleno direito, que têm poder e capacidade para lhes trazerem retorno, e mais importante podem ser portadores de uma mensagem positiva do estabelecimento ou produto, valorizando junto da opinião pública a preocupação e a responsabilidade social dos responsáveis.
Esta vertente representa uma grande mais valia, e regra geral ajuda a captar clientes que não têm qualquer deficiência, mas que na hora de fazerem as suas escolhas gostam de saber que aliado a uma estratégia comercial, existe também uma política social, inovadora, inclusiva e integradora.
Em suma devemos dar ao Braille duas vertentes destintas.
externamente, devemos fazer dele digamos assim a nossa marca, salvo as devidas comparações, ele deve ser uma espécie de pictograma da deficiência visual, aproveitando o impacto positivo que o Braille pode causar na opinião pública, para com isso colhermos outro tipo de dividendos fruto do facto de genericamente a mentalidade colectiva estar mais receptiva aos nossos problemas.
Para consumo interno, temos a obrigação de adoptar um discurso contra a corrente, que aponta os elevados custos da produção Braille para desincentivar o seu uso, e transmitirmos a ideia que nunca como hoje tivemos condições tão favoráveis à massificação da leitura e da escrita do Braille, através dos dispositivos informáticos.
Por isso não faz sentido abandonarmos o seu uso quando a tecnologia é a principal aliada, devendo ser aproveitado todo o seu potencial.
Exemplo paradigmático está nos livros, em que, através de uma linha Braille, podemos ter acesso a milhares de obras, adquirindo-as nas principais lojas de venda de livros em formato electrónico ao mesmo tempo que os restantes concidadãos, e com total acessibilidade.
Convenhamos que à uns anos atrás esta realidade parecia ser uma completa miragem, e a partir desta janela de oportunidades, podemos dizer que está nas nossas mãos fazer com que o Braille continue por muitos anos a fazer parte integrante das nossas vidas, oferecendo-nos prazeres indescritíveis, através das sensações que chegam aos nossos dedos e que através deles são um veículo de transmissão de inúmeras emoções que nos enchem a alma.
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