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Implante microelectrónico intraocular devolveu capacidades visuais a pessoas cegas

por Manfas Petrónio

Implante microelectrónico intraocular devolveu capacidades visuais a pessoas cegas
03.11.2010 - 18:35 Por Ana Gerschenfeld

Tinham passado mais de cinco anos desde que o finlandês Mikka Terho se tornara totalmente cego quando, em 2008, lhe foi implantado num olho, durante algumas semanas, um dispositivo microelectrónico de um tipo inédito. Passados uns dias, conseguiu reconhecer visualmente objectos do dia-a-dia (um garfo, uma colher, uma faca, a face de um relógio, uma caneca), deslocar-se dentro de uma sala sem dar encontrões nos objectos ou nas pessoas presentes – e ler o seu nome e outras palavras, escritas em grandes letras brancas sobre fundo escuro. Os primeiros resultados obtidos com o dispositivo em questão acabam de ser publicados na revista Proceedings of the Royal Society B.
Após anos de nactividade, a maquinaria visual biológica volta a ser rapidamente capaz de desempenhar o seu papel. (Rui Gaudêncio)

Mikka Terho, actualmente com 46 anos de idade, sofre de uma doença degenerativa hereditária da retina chamada retinite pigmentosa, que foi destruindo progressivamente as células receptoras de luz das suas retinas. Estima-se que, no mundo, sejam mais de 15 milhões as pessoas que ficaram cegas devido a esta ou outras doenças com as mesmas características – e em especial, na sequência da chamada degenerescência macular associada à idade.

Todas estas doenças vão danificando esse frágil revestimento que cobre a parte posterior da parede interior dos olhos e onde normalmente se projectam, como num ecrã de cinema, as imagens vindas do mundo exterior através das pupilas dos olhos.
Quando essas células da retina funcionam, esses sinais são a seguir transmitidos, via nervo óptico, ao centros visuais do cérebro, sob a forma de impulsos nervosos, para serem aí processados. É graças a este sofisticado sistema que conseguimos contemplar, sem qualquer esforço aparente, uma paisagem, os rostos dos nossos filhos, um filme ou uma obra de arte, que surgem à nossa frente nos seus mais finos pormenores, esplêndidas cores e subtis matizes. Mas quando as células de primeira fila da retina falham, quando morrem prematuramente, o sofisticado sistema visual humano deixa de receber os estímulos que são, no fundo, a sua razão de ser. Foi o que aconteceu a Mikka Terho e as outras duas pessoas que, como se soube agora, participaram com sucesso no teste piloto de um dispositivo micro-electrónico capaz de fazer o que teriam feito, se ainda estivessem funcionais, as células foto-receptoras perdidas.

Nehnuma destas três pessoas conseguia ver muito mais do algumas diferenças marcadas de luminosidade, escrevem no seu artigo Eberhart Zrenner, da Universidade de Tübingen, na Alemanha, e os seus colegas, que assinam o trabalho em colaboração com a empresa alemã Retinal Implant. Quanto à capacidade de ler, tinham-na perdido há anos.

Aproveitar a maquinaria
Já existe hoje um outro sistema electrónico experimental com o mesmo fim, mas onde o trabalho de captação das imagens é feito por uma câmara exterior, montada nuns óculos especiais, e onde os dados visuais têm de ser processados por um dispositivo igualmente exterior antes de serem transmitidos ao cérebro. O dispositivo agora apresentado pelos cientistas alemães é totalmente diferente nesse aspecto.
Trata-se de um chip de três milímetros de lado e 20 milésimos de milímetro de espessura que é implantado dentro do olho. Contém uma matriz de 1500 microdíodos foto-sensíveis que captam a luz que entra nos olhos e vão gerando padrões de 38x40 pontos em função da luz que incide sobre cada um deles. Os sinais de cada píxel são transformados em fracas correntes eléctricas e amplificados por um aparelho exterior ao corpo.

E agora, a parte mais espectacular de tudo isto: como o implante se encontra por detrás da parte central da retina, os sinais eléctricos têm intensidade suficiente para estimular o nervo óptico. E a seguir, é a parte intacta da maquinaria do sistema visual da própria pessoa – e não uma câmara nem um computador externos – que se encarrega do resto. Talvez igualmente notável seja o facto que, após anos de inactividade, a maquinaria visual biológica volta a ser rapidamente capaz de desempenhar o seu papel.
“Estes resultados mostram, pela primeira vez, que [o dispositivo] pode fornecer uma percepção visual pormenorizada e significativa a pessoas previamente cegas”, escrevem os cientistas. Para além de permitir melhorar a resolução ou o contraste das imagens, a próxima fase da agenda vai consistir em garantir a estabilidade do dispositivo a longo prazo e em torná-lo totalmente implantável – ou seja, virtualmente invisível.

Fonte: Jornal Público onine de 23 de Novembro de 2010