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Uma equipa de cientistas que inclui um médico português desenvolveu tratamento inovador para retinite pigmentar

por Norberto Sousa

Uma equipa de cientistas que inclui um médico português desenvolveu um tratamento inovador para um tipo de cegueira, através da substituição dos genes mutados por cópias boas, cujos ensaios clínicos em humanos começaram esta semana.

Um ensaio clínico para tratar a cegueira causada por uma doença genética conhecida como coroideremia começou esta semana em Oxford, tendo grande parte do trabalho pré-clínico sido liderado por Miguel Seabra, do Imperial College London e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova. O ensaio é liderado por Robert McLaren, professor de Oftalmologia na Universidade de Oxford.

Em declarações à Lusa, o cientista português explicou que em causa está uma doença genética, em que "as pessoas adquirem um gene mutado que não funciona e que tem de ser substituído para restituir as suas funções". Foi isso que os investigadores fizeram: substituíram nas células o gene mutado por uma cópia boa.

Miguel Seabra explicou como foi feito todo este trabalho, que começou com a identificação do gene afetado e o seu posterior isolamento. Conseguida uma cópia boa do gene, os investigadores tentaram injectá-la nas células, mas sem sucesso, pois estas estão "altamente protegidas".

"Foi um caminho longo"

Decidiram então introduzir um vírus, organismo que ao longo de milhões de anos conseguiu adquirir toda a tecnologia para invadir células e libertar material genético nas células, adiantou o médico.

"Retirámos do vírus todos os genes maus passíveis de causar doenças e introduzimos nele os genes que queríamos. Ao infetar as células, estes vírus vão introduzir o gene bom", acrescentou. Foi longo o caminho traçado até aqui - contou Miguel Seabra - desde o isolamento dos genes até aos ensaios em animais.

"Criámos uma estirpe de ratinhos com um gene que imitava a mutação humana. Os ratinhos desenvolveram a doença e tornaram-se a plataforma para desenvolver os estudos pré-clinicos: que tipos de vírus, técnicas de introdução possíveis, tempo de demora, eventual toxicidade e efeitos terapêuticos.

Nos ratinhos, os investigadores otimizaram o tipo de vírus a utilizar, verificaram que as células se normalizavam quando introduzidas na retina dos animais, e comprovaram a ausência de efeitos adversos e a normalização das células.

"Anos de estudo permitiram obter dados para convencer vários comités de ética e terapia genica no Reino Unido para fazer os ensaios clínicos em humanos", referiu.

O primeiro doente a ser submetido aos testes, no Hospital Eye Oxford, foi um homem de 63 anos de idade, com a doença já avançada e com os olhos já quase irremediavelmente destruídos.

"Foi o doente considerado ideal, porque nos ensaios iniciais o grande objetivo é ver se há reações adversas e não ver se há eficácia terapêutica", explicou.

Há já 12 pacientes inscritos para se submeterem ao tratamento, mas os resultados só serão conhecidos dentro de vários meses.
Este tratamento destina-se a parar a evolução da doença, uma vez que as células destruídas já não poderão recuperar, pelo que é indicado para intervenções precoces.

A coroideremia inclui-se no grande grupo de doenças congénitas da retina - retinites pigmentares - que se caracterizam inicialmente por dificuldade de ver no escuro, perca de campo de visão e finalmente perda da visão central.

Esta investigação abre portas para o tratamento de outras doenças das retinites pigmentares, mas também de doenças adquiridas como a degeneração macular, pois desde que os genes estejam identificados, há condições para imitar o tratamento, considerou.

Miguel Seabra salientou que este estudo só foi possível graças à mobilização dos doentes, que "alteraram o curso da história" ao conseguirem uma angariação de fundos que permitiu começar a investigação. "É um ótimo exemplo para todos aqueles que estão muito dependentes do Estado", afirmou.

Fonte:
http://expresso.sapo.pt/portugues-lidera-equipa-que-descobriu-cura-para-...