OS MECANISMOS DE COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAIS E SUA INTERFERÊNCIA NA HISTÓRIA DA ÁUDIO-DESCRIÇÃO.
“O texto não é simplesmente um conjunto de palavras; pois se o fosse, bastaria agrupá-las de qualquer forma e teríamos u..m”
Prezados,
Fico com sentimentos confusos ao ver como nos descuramos do vernáculo ao produzirmos áudio-descrições. E fico ainda mais confuso, ao ver que somos formadores de tradutores visuais, os quais têm de nossos exemplos áudio-descrições tão pouco elaboradas.
Estudando um dos casos mais comuns de erros na construção do texto áudio-descritivo, mas não só nele, dediquei-me ao tema da coesão e da coerência.
Por coincidência, quando eu buscava exemplos de erros em áudio-descrições nos materiais mais divulgados, portanto, mais significativamente capazes de serem vistos/tomados como exemplo, recebi o link de um vídeo, o qual dá conta de parte da história da áudio-descrição no Brasil, história que agora mesmo está sendo escrita.
Qual não foi minha surpresa que, já na elocução das primeiras linhas, o locutor da áudio-descrição comete um erro de coesão, exatamente do tipo que eu estudava: um desses que os vestibulandos cometem, e não só eles.
Transcrevo a linha, para melhor explicar o que digo:
“Os professores saúdam os alunos sentados no palco”. E pergunto: os alunos estavam sentados no palco, ou eram os professores?
Numa rápida definição em dicionário temos: Significado de Palco
s.m. Estrado, tablado.
Parte do teatro destinada aos atores (a cena, os bastidores, camarins etc.).
Fig. Lugar onde se passa algum fato imponente ou trágico. (http://www.dicio.com.br/palco/).
Embora a autora do próximo exemplo não considere áudio-descrição o que fez, afirmando que o que fez não passa de “descrição”, já que a tradução visual está grafada e não em áudio, para nós, o que foi feito foi áudio-descrição, pois como já dissemos em outros posts e trabalhos, o que define a áudio-descrição não é o suporte, mas as técnicas que a ela servem e o objetivo que ela tem, isto é, o de proporcionar o empoderamento da pessoa com deficiência.
Vejamos do que estou falando:
“Descrição da capa: a capa, criada pela designer Aracy Bernardes, com fundo ocre e tons que vão do vinho ao marrom, é ilustrada por metade de um rosto com destaque para olho e parte da boca no lado direito,...”
Retirado de: “Audiodescrição Transformando Imagens em Palavras” (http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/LIVRO_AUDI...)
Atentem para que o trecho “...Aracy Bernardes, com fundo ocre...” (vide lição abaixo) não respeitam as leis da coesão, leis que devemos observar ao fazermos uma áudio-descrição ou, como defendem alguns, uma “descrição estática”.
O restante do texto, incluindo a expressão “...parte da boca no lado direito...” peca por semelhantes construções, dando ao todo da tradução visual, um aspecto de incoerência áudio-descritiva ou, simplificando, não permite uma construção mental da imagem como ela é, na forma que foi traduzida.
Como nos ensina o texto a seguir: “ O texto não é simplesmente um conjunto de palavras; pois se o fosse, bastaria agrupá-las de qualquer forma e teríamos um:
"O ontem lanche menino comeu"
Veja que neste caso não há um texto, há somente um grupo de palavras dispostas em uma ordem qualquer. Mesmo que colocássemos estas palavras em uma ordem gramatical correta: sujeito-verbo-complemento, precisaríamos ainda organizar o nível semântico do texto, deixando-o inteligível.
"O lanche comeu o menino ontem"
O nível sintático está perfeito:
sujeito = o lanche
verbo = comeu
complementos = o menino ontem
Mas o nível semântico apresenta problemas, pois não é possível que o lanche coma o menino, pelo menos neste contexto. Caso a frase estivesse empregada num sentido figurado e em outro contexto, isto seria possível.”
Disponível em: http://www.tudosobreredacao.com.br/coesao-e-coerencia.php
Então, meus caros leitores, estudantes de áudio-descrição, áudio-descritores ou formadores, cuidem de suas “coesões”, pois, de outra forma, serão incoerentes.
Na esteira dessa afirmação, vejam o que diz o referido texto: “ tanto os mecanismos de coesão como os de coerência devem ser empregados com cuidado, pois a unidade do texto depende praticamente da aplicação correta desses mecanismos.”
Cordialmente,
Francisco Lima
OS MECANISMOS DE COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAIS
O texto não é simplesmente um conjunto de palavras; pois se o fosse, bastaria agrupá-las de qualquer forma e teríamos um:
"O ontem lanche menino comeu"
Veja que neste caso não há um texto, há somente um grupo de palavras dispostas em uma ordem qualquer. Mesmo que colocássemos estas palavras em uma ordem gramatical correta: sujeito-verbo-complemento, precisaríamos ainda organizar o nível semântico do texto, deixando-o inteligível.
"O lanche comeu o menino ontem"
O nível sintático está perfeito:
sujeito = o lanche
verbo = comeu
complementos = o menino ontem
Mas o nível semântico apresenta problemas, pois não é possível que o lanche coma o menino, pelo menos neste contexto. Caso a frase estivesse empregada num sentido figurado e em outro contexto, isto seria possível.
Pedrinho saiu da lanchonete todo lambuzado de maionese, mostarda e catchup, o lanche era enorme, parecia que "o lanche tinha comido o menino".
A coesão e a coerência garantem ao texto uma unidade de significados encadeados.
A COESÃO
Há, na língua, muitos recursos que garantem o mecanismo de coesão:
* por referência: Os pronomes, advérbios e os artigos são os elementos de coesão que proporcionam a unidade do texto.
"O Presidente foi a Portugal em visita. Em Portugal o presidente recebeu várias homenagens."
Esse texto repetitivo torna-se desagradável e sem coesão. Observe a atuação do advérbio e do pronome no processo de e elaboração do texto.
"O Presidente foi a Portugal. Lá, ele foi homenageado."
Veja que o texto ganhou agilidade e estilo. Os termos “Lá” e “ele” referem-se a Portugal e Presidente, foram usados a fim de tornar o texto coeso.
* por elipse: Quando se omite um termo a fim de evitar sua repetição.
"O Presidente foi a Portugal. Lá, foi homenageado."
Veja que neste caso omitiu-se a palavra “Presidente”, pois é subentendida no contexto.
* lexical: Quando são usadas palavras ou expressões sinônimas de algum termo subseqüente:
"O Presidente foi a Portugal. Na Terra de Camões foi homenageado por intelectuais e escritores."
Veja que “Portugal” foi substituída por “Terra de Camões” para evitar repetição e dar um efeito mais significativo ao texto, pois há uma ligação semântica entre “Terra de Camões” e intelectuais e escritores.
* por substituição: É usada para abreviar sentenças inteiras, substituindo-as por uma expressão com significado equivalente.
"O presidente viajou para Portugal nesta semana e o ministro dos Esportes o fez também."
A expressão “o fez também” retoma a sentença “viajou para Portugal”.
* por oposição: Empregam-se alguns termos com valor de oposição (mas, contudo, todavia, porém, entretanto, contudo) para tornar o texto compreensível.
"Estávamos todos aqui no momento do crime, porém não vimos o assassino."
* por concessão ou contradição: São eles: embora, ainda que, se bem que, apesar de, conquanto, mesmo que.
"Embora estivéssemos aqui no momento do crime, não vimos o assassino."
* por causa: São eles: porque, pois, como, já que, visto que, uma vez que.
"Estávamos todos aqui no momento do crime e não vimos o assassino uma vez que nossa visão fora encoberta por uma névoa muito forte."
* por condição: São eles: caso, se, a menos que, contanto que.
"Caso estivéssemos aqui no momento do crime, provavelmente teríamos visto o assassino."
* por finalidade: São eles: para que, para, a fim de, com o objetivo de, com a finalidade de, com intenção de.
"Estamos aqui a fim de assistir ao concerto da orquestra municipal."
A COERÊNCIA
É muito confusa a distinção entre coesão e coerência, aqui entenderemos como coerência a ligação das partes do texto com o seu todo.
Ao elaborar o texto, temos que criar condições para que haja uma unidade de coerência, dando ao texto mais fidelidade.
“Estava andando sozinho na rua, ouvi passos atrás de mim, assustado nem olhei, saí correndo, era um homem alto, estranho, tinha em suas mãos uma arma...”
Se o narrador não olhou, como soube descrever a personagem?
A falta de coerência se dá normalmente: Na inverossimilhança, falta de concatenação e argumentação falsa.
Observe outra situação:
“Estava voltando para casa, quando vi na calçada algo que parecia um saco de lixo, cheguei mais perto para ver o que acontecia...”
Ocorre neste trecho uma incoerência pois se era realmente um saco de lixo, com certeza não iria acontecer coisa alguma.
Outro tipo de incoerência: Ao tentar elaborar uma história de suspense, o narrador escolhe um título que já leva o leitor a concluir o final da história.
Um milhão de dólares
“Estava voltando para casa, quando vi na calçada algo que parecia um saco de lixo, ao me aproximar percebi que era um pacote...”
O que será que havia dentro do pacote? Veja como o narrador acabou com a história na escolha infeliz do título.
A incoerência está presente, também, em textos dissertativos que apresentam defeitos de argumentação.
Em muitas redações observamos afirmações falsas e inconsistentes. Observe:
“No fundo nenhuma escola está realmente preocupada com a qualidade de ensino.”
“Estava assistindo ao debate na televisão dos candidatos ao governo de São Paulo, eles mais se acusavam moralmente do que mostravam suas propostas de governo, em um certo momento do debate dois candidatos quase partem para a agressão física. Dessa forma, isso nos leva a concluir que o homem não consegue conciliar idéias opostas é por isso que o mundo vive em guerras freqüentemente.”
Note que nos dois primeiros exemplos as informações são amplas demais e sem nenhum fundamento. Já no terceiro, a conclusão apresentada não tem ligação nenhuma com o exemplo argumentado.
Esses exemplos caracterizam a falta de coerência do texto.
Finalizando:
tanto os mecanismos de coesão como os de coerência devem ser empregados com cuidado, pois a unidade do texto depende praticamente da aplicação correta desses mecanismos.
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