Edileuza Soares
Dentro de dois meses, o analista de sistemas Laercio SantAnna, de 41 anos, será o mais novo administrador de empresas do mercado, formado pela UVB (Universidade Virtual Brasileira), que ministra cursos a distância. Se não fosse a faculdade online, o universitário teria tido muita dificuldade para se graduar. Ele é deficiente visual desde nascença e gostaria de, não apenas poder estudar pela Web, como também pagar contas pelo Internet banking, fazer compras, consultar a devolução do Imposto de Renda e acessar outros serviços, sem precisar sair do conforto de sua casa.
A acessibilidade da Web é esperada há muito tempo por internautas portadores de deficiência. Muitos se locomovem em transporte coletivo e nem sempre estão acompanhados. É muito mais confortável acessar serviços pelo meu computador, diz SantAnna. Ele fez 80% das aulas da faculdade em casa, usando seu micro, que é um PC convencional. Os 20% restantes foram cursados presencialmente, na Faculdade Anhembi-Morumbi, em São Paulo. Os cursos ministrados pela UBV são reconhecidos pelo MEC.
O único recurso adicional que Sant'Anna colocou no seu micro foi o leitor de tela Virtual Vision, produzido pela empresa brasileira MicroPower. O software faz a leitura em voz alta de tudo o que aparece no monitor, como sites na Web, mensagens que chegam por e-mail, textos do Word etc. Seu programa lê até apresentações do PowerPoint, só não traduz ainda gráficos.
Membro da Adeva (Associação de Deficientes e Amigos), SantAnna afirma que instituições públicas e privadas estão começando agora a se preocupar com os deficientes, criando serviços online e produtos como games, celulares e outros dispositivos que atendam suas necessidades. Ele observa que a Web é um importante recurso para educação, entretenimento, comunicação e também para compras. Por isso, muitos deficientes querem ser incluídos nessa sociedade digital.
24,5 milhões de brasileiros são deficientes
De acordo com estatísticas do senso 2000 do IBGE, há no país cerca de 24,5 milhões de pessoas com deficiência. É claro que nem todos têm acesso à Internet, mas é um público que está aí pronto para consumir e não pode ser desprezado, diz o analista de sistemas.
SantAnna trabalha na Prodam (Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo). Ele fez programação e presta suporte técnico a outros cegos, além de portadores de outras deficiências. Seu trabalho é auxiliá-los no uso do computador e de software adequados. O analista também orienta órgãos da prefeitura na criação de sites que sejam acessíveis aos internautas e os cidadãos em geral.
Pressão da lei
O analista de sistemas diz que muitos fizeram vista grossa para as exigências da lei federal 10.098/2000 que, entre outras determinações, estabelece que os sites de governo e prestadoras de serviços de utilidade pública sejam adaptados aos deficientes. Essa lei foi reforçada com o decreto 5.626, publicado em dezembro de 2005.
Recentemente, a CMA (Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle) do Senado aprovou projeto de lei (PLS 129/07) obrigando os bancos a instalarem sistema de leitura braille nos terminais de agências e redes de auto-atendimento. A proposta é do senador Alvaro Dias (PSDB-PR).
A medida determina instalação do sistema de leitura braille em teclas dos caixas eletrônicos ou outros meios que viabilizem o acesso operacional dos clientes com deficiência visual a todos os serviços oferecidos. A obrigatoriedade da tecnologia abrange também o fornecimento de extratos e emissão de comprovantes das transações realizadas, bem como a correspondência de bancos e instituições financeiras enviada aos cegos.
Serviços bancários
Há bancos que já adotam algumas dessas medidas. Bradesco, Real e Itaú estão com sites de Internet banking adaptados para deficientes visuais. A consulta é feita por meio de um leitor instalado no micro do usuário que captura informações da conta e transforma em resposta audível.
O Banco do Banco do Brasil também está emitindo certificação digital para portadores de deficiência visual, sem custo, para que eles possam acessar as contas com mais proteção. Com isso, os cegos poderão também declarar IR, atualizar cadastro na Receita Federal, emitir procurações eletrônicas entre outras ações pela Internet.
Os deficientes visuais já conseguem fazer algumas transações financeiras pela Web e também enviar a declaração do IR pelo site da Receita Federal. O mesmo não acontece na hora de consultar a devolução do imposto pago, segundo SantAnna. Ele diz que o portal peca por não ter um sistema que transforme as letras do campo Captcha, aquele que traz letras embaralhadas para filtrar spammers, em voz . Eu informo o número do meu CPF, mas não consigo concluir a operação, reclama.
Outro mecanismo de segurança lançado no mercado para deficientes visuais é a linha de tokens que transformam dados em fala. É o Digipass 840 Comfort Voice que informa ao usuário os dados digitados no computador e as funções selecionadas, convertendo em voz a assinatura eletrônica e a senha para uso uma única vez.
Segundo a fabricante Vasco Data Security International, o dispositivo também permite que a informação chegue tanto pelo falante embutido no aparelho como pelo fone de ouvido. O display e as teclas também foram adaptados e ganharam um tamanho maior.
Outras iniciativas
A inclusão do deficiente no mundo digital começou a fazer parte de projetos do governo federal, como é o caso de telecentros, dotados de computadores e equipamentos especiais que permitem aos usuários utilizarem o sistema Linux.
A Seesp/MEC (Secretaria de Educação Especial) iniciou a entrega de 774 notebooks com programas de leitor de textos como o DosVox para alunos com deficiência visual que cursam o ensino médio em escolas públicas. Além dos portáteis, os estudantes cegos matriculados receberam livros em áudio e em braille.
Segundo o MEC, no Brasil são 784 alunos cegos que cursam o ensino médio em escolas públicas. Cada um receberá dois livros em áudio, de português e biologia, e um livro em braille, de matemática.
Outra novidade é a Universidade Falada, que entrou no ar em agosto, criada pela Editora Alyá. O portal conta com uma vasta biblioteca de áudios-livro para atender deficientes visuais e facilitar o acesso a grandes obras dos que estão afastados dos grandes centros culturais do Brasil. Além de livros falados, o site oferece cursos eletrônicos sobre temas como animais, astrologia, astronomia, cultura em geral e esportes. Todas as atividades são gratuitas para cegos.
Queda de barreiras
Todas as iniciativas são bem-vindas, mas Laercio SantAnna diz que é importante que os responsáveis pelos sites conheçam a realidade dessas pessoas. Ele diz que serviços e produtos com sistema braille de leitura, por exemplo, não atendem todos os cegos, pois pessoas que perderam a visão já adultas têm muita dificuldade para entender essa linguagem.
Os envolvidos com projetos devem criar páginas que possam ser acessadas por qualquer pessoa, inclusive as com deficiências. Muitos usuários podem não ver, ouvir e ter dificuldade de coordenação motora. O ideal é seguir as recomendações internacionais da WCAG 1.0 (Web Content Accessibility Guidelines 1.0) que dá dicas de como deve ser o conteúdo e layout das páginas.
Entre as recomendações está a construção de páginas que ofereçam sempre explicações sobre as imagens. As letras não podem ser muito pequenas para que possam ser lidas por quem enxerga com dificuldade. Os sites devem evitar o uso de recursos que só podem ser acessados pelo mouse para atender quem tem problema de coordenação motora.
Kit para deficientes visuais
Virtual Vision, da MicroPower Leitor de tela oferecido pelo Real e Bradesco gratuitamente a seus clientes.
http://www.micropower.com.br/v3/pt/acessibilidade/vv5/index.asp
JAWS Leitor de tela da Freedom Scientific
http://www.freedomscientific.com/fs_downloads/jaws.asp
DosVox Software nacional para leitura de tela criado pelo (NCE) Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/download.htm
Magic - E um ampliador de tela para ambiente windows e aplicativos compatíveis. Possibilita mudança de cores e contrastes, além de fazer a leitura da tela.
http://www.freedomscientific.com/fs_products/software_magicinfo.asp
Open Book - Permite que as pessoas com deficiência visual acessem e editem materiais impressos escaneados.
http://www.freedomscientific.com/fs_downloads/openbook.asp
Conect Otloud - Conjunto de aplicativos com navegador de Internet, gerenciador de e-mail e um editor de textos.
http://www.freedomscientific.com/fs_downloads/connect.asp
Fonte: http://wnews.uol.com.br/site/noticias/materia_especial.php?id_secao=17&i...
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