As primeiras olimpíadas do Braille organizadas pela Acapo, representaram um marco muito relevante na história recente da nossa tiflologia.
É curioso que a maior parte dos concidadãos quando ouvem falar pela primeira vez sobre a deficiência visual, apesar de não conhecerem muito sobre o tema, sabem bem que é através do Braille que os cegos escrevem e lêem. Tendo em conta o desconhecimento generalizado que há sobre a cegueira em si, o facto de a população em geral associar os cegos imediatamente ao Braille, não pode deixar de ser realçado como um facto altamente significativo.
Mas por paradoxal que pareça, somos nós próprios deficientes visuais, que não temos feito o que está ao nosso alcance para preservar o Braille, o que faz com que em minha opinião ele esteja a ser francamente mal tratado.
Se compararmos a realidade actual, com a de à 10 ou 15 anos atrás, verificamos que se lê muitíssimo menos, isto apesar de por outro lado os cegos terem à sua disposição muito mais informação.
Isto pode parecer paradoxal mas não é.
Sucede que hoje, com o uso intensivo dos computadores, os cegos podem usar sintetizadores de voz, que são programas que usam a placa de som para verbalizar em voz sintética a informação que está no ecrã do computador, e que por isso tratam-se de ferramentas muito acessíveis, quer sob o ponto de vista do custo, quer também sobre a facilidade de instalação e manuseamento.
Naturalmente, não defendo que deixemos de aproveitar as potencialidades fantásticas dos computadores e dos sintetizadores de voz, até porque no meu ponto de vista, estamos perante a maior revolução da história que é tão extraordinária que tem o mérito de democratizar o acesso dos deficientes visuais à sociedade da informação e do conhecimento.
O problema, é que desta forma, a pessoa não lê, apenas ouve. E se compararmos isto com a realidade de quem vê, seria o mesmo que Dora avante passassem a ouvir toda a informação em voz sintética, e deixassem pura e simplesmente de ler.
Quando não se lê, à uma tendência para se escrever pior, empobrecer o vocabulário, dar muito mais erros ortográficos, e perder muitas competências na construção lógica de frases e pensamentos.
Perante isto, a pergunta impõem-se. Até que ponto é possível conciliar a leitura e escrita Braille, com a massificação do uso dos computadores e dos sintetizadores de voz?
A resposta é simples. Podem fazer-se muitas coisas.
Em primeiro lugar, o mínimo que se exige aos responsáveis é que já mais desinvistam na produção do Braille. Se é verdade que ao longo da nossa história, os cegos nunca tiveram acesso a um grande volume de material em Braille, não é minimamente aceitável que, em vez de ser feito um esforço para tentar produzir cada vez mais obras, para fomentar a leitura por parte dos cegos, se faça precisamente o caminho inverso, e se tentem acabar, ou pelo menos dificultar o acesso ao pouco que já existia.
Em segundo, deixar de uma vez por todas cair a ideia que as linhas Braille são equipamentos de luxo, e até dispensáveis.
Para quem não sabe, as linhas Braille são equipamentos de hardware, que quando ligados ao computador, permitem que a pessoa cega possa ler em Braille a mesma informação que ouve no sintetizador de voz.
Com estes dispositivos, o problema da leitura ficava resolvido, porque podíamos continuar a aproveitar todas as potencialidades da informática, que se traduzem na leitura muito fácil de livros, jornais, revistas, e-mails, utilização da internet no seu esplendor, redes sociais etc. continuando assim a tomar contacto directo com a palavra através do tacto, que é como sabem o sentido que nós usamos para ler, e também ficava resolvido o problema inerente ao elevado custo da produção Braille.
E no meio de todo este cenário, em que o único sistema de leitura e escrita para pessoas cegas tem sido relegado para segundo plano, fazia falta uma iniciativa que pelo menos despertasse as consciências, e que nos viesse chamar a atenção, para o crime de lesa cultura que se está a praticar, ao pôr de parte o Braille das nossas vidas.
Neste particular, as olimpíadas foram extraordinárias, porque fomentaram o interesse pelo Braille, criaram um espírito competitivo, o que naturalmente aumentou mais a motivação dos participantes, e no fundo criaram um concurso exigente em que deu oportunidade a quem domina o Braille de concorrer com vista à obtenção de um prémio bastante simpático.
Foi uma iniciativa que desde logo começou por ser muito bem pensada, e teve o especial mérito de quando posta em prática ter resultado igualmente muito bem.
Espero que estas olimpíadas sejam um início, e não me passa pela cabeça que no próximo ano não estejamos a falar das Segundas Olimpíadas, em 2013 das terceiras, e por aí adiante.
Não posso conceber que estas não tenham ficado na história por serem as primeiras de muitas, porque o Braille tem de ser mesmo impulsionado e revolucionado, porque creiam sinceramente que isto é um assunto muito sério, e este desinvestimento no Braille tem ficado muitíssimo caro, e como sempre quem paga são os próprios deficientes visuais.
Tomara que surjam muitas iniciativas deste género, e que promovam o uso intensivo do Braille.
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