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"POLIEDRO" - Breve história

por Lerparaver

João Eduardo Fernandes

A revista Poliedro é a publicação periódica em Braille mais antiga de Portugal. É sabido que a produção do Braille é cara, e em 1956, quando saíram nos meses de Setembro e Outubro os primeiros números de Poliedro, esta era bastante morosa, pois as matrizes tinham que ser estereotipadas manualmente. Hoje em dia, a tecnologia evoluiu bastante, e a impressão do Braille é mais fácil, embora continue cara. O aparecimento desta revista deveu-se ao Professor Albuquerque e Castro, que perdeu a visão tardiamente, durante a adolescência, e que talvez em virtude disto se apercebeu das lacunas que a formação dos cegos tinha.

À semelhança de Valentin Hauy, criador da primeira escola para cegos em França, no século XVIII, também Albuquerque e Castro entendia e afirmava que os cegos só se podem afirmar através da cultura e do trabalho.

Passo a citar as palavras do próprio professor, ao apresentar a revista e os seus objectivos: “... interessar os cegos pela cultura do espírito e torná-los conscientes do dever que lhes incumbe de se valorizarem no plano social, pelo trabalho, pela competência e pelo comportamento.” Albuquerque e Castro foi assim o grande impulsionador de uma revista, que se propunha e propõe actualmente cultivar os cegos, tanto no que diz respeito à tiflologia, como em relação à cultura em geral.

Para além destes dois objectivos, a revista tem contribuído de maneira decisiva, para o desenvolvimento da leitura do Braille.

Como é sabido, hoje em dia, o Braille tem sido muito maltratado; os professores do ensino integrado não o sabem correctamente, os alunos não cultivam o gosto pela leitura, a sociedade de consumo tem outras solicitações e finalmente as autoridades responsáveis parecem não ver nada nem ouvir nada, mantendo-se completamente alheias a este problema. Assim a acção da Poliedro tem sido muito importante para contrariar um pouco esta tendência.

Entre alguns directores e responsáveis pela publicação da Poliedro, é necessário destacar dois: Fernando Silva e Salgado Baptista, que durante muitos anos lutaram e lutam ainda hoje para que os objectivos da Poliedro não sejam esquecidos. Podemos mesmo afirmar que Salgado Baptista, que foi aluno de Albuquerque e Castro, tem sido um seguidor dos ensinamentos do grande mestre de referência que foi o professor, tentando hoje fazer lembrar a sua obra, e a visão que ele tinha dos problemas tiflológicos, que ainda se mantém actual.

Albuquerque e Castro afirmou: “... a revista tem tantas faces quantas um poliedro pode ter”, referindo-se assim ao papel que esta publicação desempenhou e desempenha na difusão de cultura entre os cegos.

Durante muitos anos, a Poliedro publicou muitos artigos estenografados. Como o Braille ocupa muito espaço, a estenografia é um método de poupar espaço, e de tornar a leitura mais rápida. Há alguns anos a revista deixou de trazer artigos estenografados, pois muitos leitores queixavam-se que não os conseguiam ler em virtude de não conhecerem a estenografia. Desde essa altura, os artigos são escritos em Braille integral.

Apesar de todas as dificuldades, a revista Poliedro tem conseguido manter uma grande regularidade desde o seu primeiro número. Isto deve-se à persistência de todos os seus colaboradores e ao apoio da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que mantém a propriedade do Centro Professor Albuquerque e Castro – edições Braille, que para além desta revista edita uma outra, juvenil, bem como livros didácticos e de várias áreas do conhecimento.

Ao propor à “lerparaver” a publicação regular de alguns artigos recentes e antigos da Poliedro, pretendo que o conteúdo riquíssimo desta publicação fique ao alcance de mais pessoas. Embora a difusão destes artigos não cumpra um dos objectivos da revista, promover a leitura do Braille, vai no entanto permitir que se tenha uma panorâmica daquilo que tem sido a tiflologia em Portugal, nomeadamente no domínio da investigação e da discussão dos problemas dos cegos, amblíopes e surdo-cegos. Assim, apesar de não pretendermos fazer uma divulgação exaustiva dos artigos tiflológicos da Poliedro, tal seria impossível, pois estes estão em Braille e têm de ser passados para suporte digital, queremos dar uma visão tão abrangente quanto possível do trabalho que tem sido levado a cabo por esta revista.

Por tudo isto, esperamos que Poliedro se mantenha por muitos anos como uma referência da tiflologia em Portugal.