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Dia internacional da Bengala Branca, 15 de Outubro

por Lerparaver

Vencer as barreiras da cegueira

Há ainda um longo caminho a percorrer para que pessoas com deficiências visuais estejam totalmente integradas na sociedade. Em entrevista, Carlos Lopes fala de alguns aspectos a melhorar

Ainda não estão garantidas as condições que permitam às pessoas cegas e amblíopes de «participar em sociedade em condições de plena igualdade», explicou o presidente da ACAPO, Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal. Na educação, formação profissional, acesso ao mercado de trabalho, acessibilidades, acesso à cultura, informação e desporto permanecem muitos obstáculos que o deficiente visual tem de ultrapassar.

Educação das crianças

«Em primeiro lugar, é importante que as próprias crianças e famílias assumam as suas limitações sem preconceitos, de uma forma realista», considera Carlos Lopes. É importante que definam métodos de estudo e aprendizagem de ferramentas que capacitem as crianças e lhes permitam ter acesso a uma educação de qualidade. «Muitas famílias têm ainda alguma rejeição ao facto de assumirem que os seus próprios filhos têm uma deficiência visual e que a mesma é real e tem que ser encarada e ultrapassada». Retardam ferramentas fundamentais como o uso da bengala e o ensino do braille, sistema de leitura táctil, o que acaba por prejudicar o desenvolvimento das crianças.

«Há ainda muitos professores e educadores que estão a trabalhar com crianças com deficiências que não têm formação em braille e não têm formação sobre como trabalhar com uma criança cega. Temos que trabalhar muito a esse nível», explica o responsável. É necessário investir no apetrechamento de instituições de ensino. Várias escolas de «referência» não são mais do que «escolas mais bem preparadas para receber alunos com deficiência visual». Muitas não contam com máquinas de braille, nem professores devidamente formados.

Acesso ao mercado de trabalho

«Há três vezes mais pessoas desempregadas [entre os deficientes visuais] do que na população em geral», revela. As próprias agências de emprego recusam-se a recrutar cegos e amblíopes por este ser um critério previamente colocado pelos seus clientes. «Ainda hoje se olha para a pessoa com deficiência visual muito pela limitação que tem e não tanto pelas capacidades que com certeza também tem», constata o presidente da ACAPO. Contudo, «há inúmeras funções em que a limitação não tem qualquer impacto». Por exemplo, a área do ensino, psicologia, direito, fisioterapia e telecomunicações. Houve um «despertar» entre a população com estas limitações: aventuraram-se em áreas que há duas décadas estavam fechadas aos deficientes visuais.

Cristina Santos | FÁTIMA MISSIONÁRIA

Comentários

Olá a todos!

Sou portador de surdocegueira e encontro-me a frequentar o último ano do mestrado em Psicologia da Educação na Universidade Lusófona de Lisboa. Estou a estagiar na minha ex-escola da minha área de residência, e sinto-me muito preocupado com o meu acesso ao mercado de trabalho por ter duas limitações sensoriais... No entanto, através do auxílio de um implante coclear (IC) recuperei 70% da audição, o que foi, indubitavelmente, um grande salto na minha independência e me abriu muitas portas que antes me estavam totalmente vedadas, como foi o caso do acesso ao ensino superior.

Nunca frequentei escolas de referência para alunos com deficiência visual. Primeiro, porque era surdocego e não existia em Portugal escolas preparadas para alunos como eu que pudessem ter acesso ao ensino. Segundo, porque davam mais importância às minhas limitações do que às minhas capacidades, que foi preciso que eu mostrasse muita força de vontade e desejo de aprender Braille e técnicas de Orientação e Mobilidade. Aprendi Braille e a andar de bengala (em sítios fechados) para poder continuar na escola da minha cidade. Reconheço que nenhuma das escolas por que passei tinha professores especializados na deficiência visual e muito menos na surdocegueira. Foram professores que, mesmo sem grande formação de Braille, me ensinaram esse sistema táctil de leitura-escrita e trabalharam comigo o desenvolvimento do tacto, bem como transcreviam o Braille para tinta para que os meus professores poderem corrigir os meus testes. Isto porque a única ajuda técnica existente na escola era a máquina Braille... Tinha sido feito o pedido ao Ministério da Educação de equipamento Braille para mim que nunca chegou... Foi a Fundação Calouste Gulbenkian que doou um terminal Braille e uma Everest Braille que ficaram para mim e que se não fossem eles não teria realizado os meus estudos com êxito.

As barreiras que eu tive que superar para ingressar no ensino superior não foi pacífico, porque fui pressionado de tal forma a não tirar um curso superior como Psicologia, o qual se dizia não ser o mais adequado para mim tendo eu as limitações que tenho e por hoje em dia o mercado de trabalho estar muito saturado e não estar facilitado para as pessoas com deficiência no geral.

Certo que a Universidade Lusófona me aceitou, mas mais certo foi que ela não estava minimamente apetrechada para eu poder ter o mesmo acesso à informação que os meus colegas normovisuais. Também eu era o primeiro deficiente visual a ser integrado, cuja integração física foi mais fácil do que a verdadeira e tão falada integração plena...

Se não fossem os apios humanos e técnicos da única instituição de surdocegos ainda estaria a desesperar para terminar a minha licenciatura ou teria desistido como fiz com a Faculdade de Coimbra.

Sempre entendi que temos de ser nós mesmos a lutar pelos nossos objectivos, por mais árduos que sejam os caminhos que temos de trilhar sozinhos. O curso de Psicologia foi muito stressante para mim, porque não tinham nada alternativo para os deficientes visuais, como se passou nas aulas práticas em que tínhamos de ver filmes, imagens, trabalhar com provas de avaliação psicológica e com o inacessível SPSS (este último foi uma grande dor de cabeça).

Apesar de eu nas aulas teóricas ser um dos melhores, aplicar provas era muito frustrante e pensava muitas vezes que assim estaria muito limitado e que não ia conseguir...

Interesso-me muito pela educação e entusiasmei-me muito pela Psicologia da Educação, pela cadeira de Necessidades Educativas Especiais, até porque um dos meus sonhos era ser caso não pudesse exercer a profissão de psicólogo, pelo menos professor de Braille. Porque o Braille é a minha ferramenta principal, com ele foi possível chegar onde cheguei!

Terminei a minha licenciatura o ano passado, com média final de 15 valores. Também terminei o primeiro ano do mestrado com sucesso, embora com muita angústia..,. Porque trabalhámos muito a avaliação psicológica e eu sentia-me muito limitado por nenhuma prova se encontrar acessível para os psicólogos cegos, quer em Braille, quer em suporte digital acessível. No fundo, eu não me queria sentir muito limitado e dependente dos outros, queria ser útil e sobretudo a intervir no terreno.

Insisti em conseguir que a minha ex-escola me aceitasse como estagiário, mesmo estando consciente que as problemáticas dos alunos não tinham nada a ver com a deficiência visual. Mas sempre me disseram que eu não ia lidar exclusivamente com alunos cegos. O director e a psicóloga da escola não me mostraram tão entusiasmados por eu querer estagiar na escola onde me desloco bem sozinho. O director mostrou-se reticente e hesitante, e não parou de apontar problemas e de lembrar que a escola não tinha nada para eu estagiar com condições. A psicóloga, por sua vez, não podia andar comigo de um lado para o outro, uma vez que fazia parte de um agrupamento de escolas de Rio Maior, e que, portanto, não estava numa só escola. Eu estava dependente da disponibilidade dos outros, e tanto o director como a psicóloga deram-me a subentender que eu não iria ter como estagiar ali, salvo numa instituição mais pequena. A psicóloga ainda teve a lata de dizer-me que hoje os jovens estavam cada vez mais cruéis e que as pessoas da escola podiam não ser muito receptivas comigo por eu ser deficiente.

Contudo, fui aceite e comecei a estagiar às quartas e às quintas-feiras de manhã. Assistia às reuniões de professores, encarregados de educação e aprendia na teoria como era o trabalho da psicóloga. Mas esperava algo mais prático para além de ouvir em silêncio... Q verdade é que estava na fase de adaptação que começa sempre por observar o que os outros fazem.

Houve um dia em que, em conversa com a psicóloga, ela contou-me que se eu visse estaria a cotar e a analisar as provas que ela aplica aos alunos quando faz orientação vocacional... Não sei o que vou fazer com ela de prático, e da última vez que estive com ela e fomos a empresas que aceitassem alunos com NEE, eu disse-lhe entusiasmado que os empregadores se eles gostassem do bom trabalho dos alunos ainda lhes davam trabalho remunerado! Ela virou-se para mim e respondeu-me que os alunos com NEE não podiam empatar

Marco Poeta

... a empatar o trabalho dos outros... Então, nós, portadores de deficiência, constituímos uma desvantagem ou um peso para os outros? Serão as minhas limitações ou os outros que me impedem de me realizar profissionalmente?

Os preconceitos não foram nada superados pela sociedade do século XXI! Bem sei que escolhi ser psicólogo por ser o meu sonho ir mais longe, mas esqueci a realidade, as rejeições a que estamos sujeitos, as barreiras ao mercado de trabalho... Mesmo que não consiga colocação para psicólogo, pelo menos tentei! E não vou querer ficar de braços cruzados à espera de um trabalho! Posso ser formador de Braille, por exemplo, porque para além de ter uma formação em Psicologia da Educação, sou utilizador assíduo do Sistema Braille e só precisava de um diploma para dar aulas de Braille. E faz muito mais sentido ser um professor cego a ensinar Braille do que um que enxerga. Mas não sei onde poderei tirar uma formação para ensinar Braille. Quem souber, agradecia-lhe muito que me informasse.

É preciso nunca desistir de tentar, procurando sempre uma solução. Tenho certeza que se fosse professor de Braille os meus alunos saberiam tirar toda a vantagem do Braille, aprendendo não só o Braille básico, como também o Braille para a Matemática, Informática, Literatura, Direito e Música. E com os meus conhecimentos de Psicologia ainda poderia ir mais longe e fazer os alunos verem que têm capacidades que os ajudam a superar as suas próprias limitações e a serem mais felizes.

A inclusão plena é para mim uma utopia e só será realidade quando forem todos, deficientes visuais e a sociedade em geral, se unirem por causas comuns em que todos são intervenientes e têm um papel activo.

Marco Poeta

Olá, amor!

Tu és um exemplo de coragem e de muita persistência para todos nós! Apesar das adversidades da vida, nunca desististe de lutar pelos teus objectivos... pelos teus sonhos! Ninguém acreditava que serias capaz de levar o teu curso superior adianta, devido ás tuas limitações. As ajudas técnicas eram muito poucas e a Faculdade que frequentavas não estava devidamente preparada para te receber! Mas a tua determinação foi mais forte que todas as incertezas... disseste para ti mesmo que ias conseguir e, assim foi. Estás no último ano do mestrado e muito me orgulho de ti, amor!

Agora estás com muitas dúvidas, porque estás vais entrar no mundo real do trabalho! Quando sentires preparado para mais um grande desafio... talvez um dos maiores desafios da tua vida, eu estarei ao teu lado para te apoiar, aconteça o que acontecer! É provável que tenhamos algumas desilusões e ouviremos um "Não". E juntos estaremos preparados...

Mas não vais baixar os braços, pois os guerreiros jamais desistem, lutam até ao fim! Tu és um grande guerreiro! Vais-te decepcionar um pouco com as pessoas, é certo! Mas também sei que vais estar preparado para tudo isto! Além do mais, eu estarei ao teu lado, principalmente nos momentos menos bons!

Já falámos na hipótese de dares aulas de Braille e, porque não? Pelo menos não serias mais um desses professores, que não possuem formação suficiente nesta área. Nem sequer são capazes de ler braille com os dedos...! desmotiva um pouco quem aprende! E és um grande admirador de Luís Braille, isso faria de ti um formador ainda mais dedicado!!!

PEDIA, POR ISSO AOS NOSSOS AMIGOS DO LERPARAVER, QUE, SE TIVESSEM CONHECIMENTO DE ALGUMA ESCOLA DE FORMADORES DE BRAILLE, INFORMEM-NOS POR FAVOR! SE NOS AJUDARMOS UNS AOS OUTROS, TUDO SE TORNA MAIS FÁCIL E AS BARREIRAS PARECER-NOS-ÃO MENOS MENOS DIFÍCEIS DE ENFRENTAR!!!

Marco! Um grande beijo para ti, com muito amor e um abraço apertadinho... amo-te!!!

E aos amigos do Lerparaver, cumprimentos e um bom início de semana para todos!!!