Estudos tentam tornar telas sensíveis ao toque mais acessíveis para quem tem dificuldades de enxergar
Amanda Demetrio, da reportagem local
O poder de comandar um dispositivo por meio de uma tela sensível ao toque está tão presente no mundo dos fanáticos por informática que nem sempre lembramos que essa tecnologia ainda não é acessível a todos. O Censo do IBGE de 2000 estima que mais de 16 milhões de brasileiros tenham dificuldades em enxergar.
Desse total, os totalmente cegos são os que mais perdem, já que não podem localizar em qual região da tela devem clicar para que as atividades sejam executadas.
Na edição de 2009 da CES, feira de eletrônicos em Las Vegas, o cantor Stevie Wonder reclamou: "Se vocês puderem dar alguns passos à frente, poderão nos dar a excitação, o prazer e a liberdade de fazer parte disso".
Foi mais um incentivo para pesquisas que pensam como as superfícies podem interagir melhor com os deficientes visuais, sem perder o encanto.
Um dos projetos é o da equipe de Chris Harrison, estudante e pesquisador da Universidade Carnegie Mellon (EUA). O grupo tenta desenvolver uma superfície que fique entre a rigidez dos botões físicos e a flexibilidade das telas sensíveis.
"Os botões físicos proporcionam interações que dispensam a visão, mas isso limita as possibilidades de uso da tela. E a tecnologia touchscreen dá extrema flexibilidade no uso da superfície, mas não tem características táteis", explicou Harrison, em entrevista à Folha.
Ficar no meio não é nada simples. A tela foi desenvolvida com um material elástico e deformável. São várias camadas empilhadas com regiões deformáveis que, segundo ele, podem ser moldadas de diversas maneiras. E tudo isso é feito com material translúcido, o que faz com que a tela possa mostrar diferentes imagens.
Segundo Harrison, a equipe tem conversado com algumas empresas e a tecnologia está pronta -"ocorreram melhoras desde o último trabalho publicado". Veja mais em bit.ly/telasensivel.
Já no Reino Unido, na Universidade de Glasgow, pesquisadores montaram uma espécie de resposta vibratória para usuários do iPhone. Com o iphone-haptics, a ideia é que o usuário sinta uma resposta ao interagir com o telefone. Veja em bit.ly/pesquisaglasgow.
O próprio iPhone, em sua versão 3GS, tenta se adaptar e traz o VoiceOver, um leitor de telas que diz ao usuário sobre qual botão ele está colocando o dedo. Se é ali mesmo que ele precisa clicar, é só dar um segundo toque. A voz do iPhone é bastante robótica, mas se vira bem falando português -ela consegue até dar certa ênfase em algumas sílabas.
Outro programa difundido para celulares é o Talks, que funciona em alguns celulares da Nokia. "É uma ferramenta de independência, era muito ruim ter que pedir para alguém ler as mensagens de texto pra mim", diz Leonardo Gleison, técnico do Laratec (laboratório de tecnologia da Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual). O programa sai por cerca de R$ 700.
Nos testes, o programa funcionou bem. Além de ler o que está na tela, ele dá, por meio de um número, a posição do item dentro do menu. O Talks funciona com o teclado físico do celular.
* Acessibilidade à informação é foco de softwares e projetos Projetos e associações do Brasil e do exterior buscam tornar acessíveis os avanços da tecnologia, que, de início, podem excluir alguns.
Na Fundação Dorina Nowill, Pedro Milliet e Eduardo Peres desenvolveram um complemento para Firefox que lê livros no formato Daisy -padrão internacional que define a estrutura na qual um livro digital deve ser montado.
Com o DD Reader (www.caracol.com.br/ddreader), é possível ouvir livros e navegar pelo programa ao som das vozes de Gabriela, Fernanda e o Felipe -segundo Milliet, é comum dar às vozes os nomes dos dubladores. O leitor funciona somente no sistema Windows por enquanto.
Já no Instituto Nokia de Tecnologia são desenvolvidos aplicativos de celular para quem tem baixa visão, daltonismo ou é surdo. Com o Color Detector (nome provisório) instalado no celular, o usuário pode apontar a câmera do aparelho para alguma coisa e ver a cor que está sendo mostrada escrita por extenso na tela.
Já com o AudioAid (nome provisório), o deficiente auditivo pode sentir sons do ambiente por meio da vibração do celular. Assim, sons como campainhas ou alarmes são traduzidos em vibração.
Esses dois aplicativos ainda estão em desenvolvimento, mas em www.ovi.com já é possível instalar o Nokia Magnifier, uma lupa eletrônica que usa a câmera do aparelho.
O programa é para quem tem baixa visão e pode ser usado em celulares Nokia da série S60.
No meio universitário, a Unicamp desenvolve um projeto para tentar garantir a permanência de seus alunos deficientes no o curso (bit.ly/projetounicamp).
Fora do país, a AbilityNet (bit.ly/abilitynet) oferece gratuitamente uma amostra de um programa que verifica o quão acessível seu site é.
Já em papunet.net/english, é possível encontrar jogos que podem ser usados na reabilitação de algumas deficiências. (AD)
* Programas leitores de tela permitem navegação na rede Graças aos programas leitores de tela, aproveitar o que há na internet também é possível para quem não enxerga. Uma voz -às vezes robótica e fanha demais- lê tudo o que está na tela e, em alguns casos, o software pode traduzir o que está na página para uma espécie de teclado que reproduz o sistema de linguagem braile.
Uma opção é o Jaws, vendido pelo Laratec (www.laratec.org.br), a parte tecnológica da Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual.
A licença de instalação sai caro (R$ 2.400), mas o programa é adaptável e, com ajustes, pode ler softwares específicos de empresas, segundo Leonardo Gleison, técnico em tecnologia assistiva do Laratec. Gleison não enxerga desde 2002 e considera os leitores uma "janela aberta para o mundo".
Já Antonio Carlos Grandi, deficiente visual há dez anos, coordenador e instrutor de informática da Fundação Dorina Nowill, defende o uso do VirtualVision, que também sai caro, por R$ 1.800 (www.micropower.com.br). Grandi diz que o programa é bom para ler softwares como o Microsoft Word, o Excel, o Outlook e o Internet Explorer.
Segundo Gleison, cada um é acostumado com um programa e sua voz. No início, a leitura é feita em velocidade menor, mas com a adaptação a voz fica tão rápida que quem enxerga não consegue entender. Os comandos são feitos no teclado.
Uma opção gratuita é o NVDA, um software visto como "quebra-galho" pelos entrevistados. Segundo Gleison, o programa tem dificuldades em ler tabelas e tem uma voz de entendimento ruim. Grandi o destaca como opção para deixar instalado em um pendrive e usá-lo em qualquer lugar.
Os três programas rodam em Windows e têm um problema: não podem ler as imagens. Assim, parte da navegação na internet é perdida. Mas Grandi afirma que alguns sites podem ser mais acessíveis se descreverem as imagens da página e os campos de formulários colocados neles.
* No próprio sistema O Narrator, do Windows 7 (bit.ly/msnarra), lê textos na tela e descreve eventos, como mensagens de erro; o VoiceOver (bit.ly/vover), para Mac OS, lê textos de documentos e janelas
* Nos Estados Unidos: Maioria das crianças cegas não sabe ler Braille Quase 90% das crianças norte-americanas com deficiência visual não sabem ler e escrever porque não aprendem braile ou não têm acesso a ela, segundo a Federação Nacional dos Cegos dos EUA. Para a organização, existem poucos professores qualificados, conceitos errados sobre o uso da linguagem (o braile visto como fator isolante) e crianças que têm baixa visão são privadas de aprender os sinais.
** Tela é novo desafio para engenheiro Miguel Helft, do New York Times
T. V. Raman (emacspeak.sourceforge.net/raman) foi uma criança estudiosa que desenvolveu amor por matemática e charadas logo cedo. E a paixão não mudou quando um glaucoma levou sua visão aos 14 anos. Mudou o papel da tecnologia em ajudá-lo a atingir metas.
Raman agora é um respeitado especialista em computação e engenheiro do Google.
No caminho, ele construiu uma série de ferramentas para ajudá-lo a tirar vantagem de objetos que não haviam sido desenhados para cegos. Ele criou desde um cubo de Rubik coberto de sinais em braile até um programa que lê complexas fórmulas de matemática.
O próximo passo do engenheiro é tentar adaptar os celulares com tela sensível ao toque.
Sem botões para guiar os dedos, o celular touch- screen pode parecer um desafio assustador, mas o engenheiro diz que os aparelhos podem ajudar os deficientes visuais a navegar pelo mundo. "O celular poderia dizer "ande para frente 200 metros e você chegará no cruzamento"." Para mostrar seu progresso no trabalho com smartphones, ele puxa o seu aparelho com tela sensível ao toque, que funciona com o Android. O celular já tem com um programa leitor de tela, e agora ele e seu colega Charles Chen estão desenvolvendo maneiras de permitir que deficientes visuais possam digitar textos, números e comandos pela tela. Isso deve complementar os sistemas de reconhecimento de voz, nem sempre confiáveis.
Já que não pode digitar precisamente, Raman criou um discador que funciona com posições relativas. O programa interpreta o lugar que Raman toca primeiro como sendo o número cinco (o centro de um discador normal). Para digitar outro número, ele desliza o dedo em direção à posição esperada do próximo dígito.
Fonte: Folha de São Paulo- 27-1-2010 Suplemento de Informática
-
Partilhe no Facebook
no Twitter
- 2115 leituras