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Mudança de Comportamentos Motores no Utilizador de Cão-Guia

por Lerparaver

Introdução

Em primeiro lugar, gostaríamos de referir que este trabalho se baseia na nossa experiência pessoal. Esta abordagem é possível, uma vez que somos ambos cegos tardios, e a nossa evolução no que diz respeito à mobilidade foi e é muito semelhante. Em segundo lugar, como já deixámos antever, gostaríamos de fazer esta abordagem sob a perspectiva de um cego tardio, que como sabem terá uma maneira diferente de lidar com alguns problemas que advêm da cegueira. Como é óbvio, não pretendemos afirmar com isto a vantagem ou desvantagem de nascer cego, ou de se tornar cego numa fase adolescente ou mesmo adulta. Ambas as situações, se encaradas pelo lado mais prático e pondo de parte as emoções e paixões que por vezes somos levados a misturar nas análises que fazemos, têm prós e contras. É portanto, baseados nestes pressupostos que nos propomos analisar a mobilidade antes e depois da utilização do cão-guia. Achámos no entanto conveniente, fazer uma análise do que foi o nosso processo de chegada a um mundo até então perfeitamente desconhecido. Julgamos que assim teremos mais facilidade em nos fazermos compreender, embora saibamos que a maior parte das pessoas aqui presentes têm grande conhecimento destes processos, pois a sua vida profissional foi sempre desenvolvida em torno da reabilitação da cegueira.

1 - A perda de funções básicas.

Pegando no que afirmámos na introdução, gostaríamos de referir que em relação aos cegos de nascença, a aprendizagem de técnicas específicas, como a mobilidade ou a leitura do braille, é levada a cabo numa perspectiva de tomar conhecimento do mundo através dos outros sentidos: a audição, o tacto, o olfacto e o paladar. O indivíduo é estimulado a utilizá-los de uma forma natural, criando assim uma série de imagens auditivas, tácteis, olfactivas e gustativas. É natural que esta percepção do mundo possa parecer um pouco estranha aos normovisuais mais afastados da nossa realidade, uma vez que eles utilizam a visão para confirmar todas as informações que lhes são transmitidas por outras formas de percepção. No caso do cego tardio, existem vários problemas para além da perda pura e simples da visão. As suas actividades mais básicas como por exemplo comer, O vestir, ler e andar ficaram sem o seu instrumento mais precioso, a visão. O sentido que lhes dava segurança, que lhes permitia estar em contacto permanente com o mundo, já não existe, dando-lhes essa falta uma insegurança enorme, e que no princípio não sabem como ultrapassar, situação que lhes vai acrescentar uma série de perdas, muito para além da perda pura e simples da visão. Estas perdas, como lhes chama Thomas Carrol, devem ser reconhecidas e depois ultrapassadas com a reabilitação, que deverá cobrir todas as áreas que permitam ao cego restabelecer a sua vida e a sua auto-estima. Disciplinas como o Braille, as Actividades da Vida Diária, a Informática e a Locomoção são essenciais a uma vida plena e integrada. Para cumprir estes objectivos devem trabalhar os técnicos de reabilitação, que na nossa opinião, deveriam contar com a ajuda de pessoas deficientes visuais que já tivessem passado por processos semelhantes, pois a sua experiência é muito válida para aqueles que chegam ao mundo da cegueira, sem qualquer esperança de retomarem uma vida plena e activa. De todas as áreas referidas acima, vamos debruçar-nos, como é óbvio, sobre a mobilidade. Esta não pode ser apenas encarada sob um ponto de vista prático, que tenha exclusivamente a ver com a técnica mais ou menos perfeita, que cada um desenvolve. Não podemos nem devemos esquecermo-nos que para além da impossibilidade para realizar tarefas, o cego tardio tem uma carga psicológica extremamente negativa. O mundo de certa forma acabou para ele. Alguém que tem o conhecimento do que o rodeia dependente da visão, e que se vê de repente privado dela, deve ser também ajudado a ultrapassar os traumas que uma situação destas provoca. A locomoção talvez seja a parte mais difícil, uma vez que a bengala é o assumir da cegueira. Esta é finalmente reconhecida pelo deficiente perante ele e perante a sociedade. Uma vez que o Homem é, como se costuma dizer, um animal social, toda a nossa actuação advém de determinados comportamentos sociais, que estamos constantemente a exibir ao resto do grupo a que pertencemos, precisando, por este motivo, de uma forma inconsciente, da aprovação destes pela sociedade. É normal que o indivíduo quando cega tente esconder esse facto da comunidade. Todas as actividades específicas (Braille, a.v.d.,etc.), excepto a mobilidade, são desenvolvidas dentro de casa, não há uma demonstração clara e pública do deficiente tardio à sociedade que o rodeia, da sua nova realidade, que no entender dele o coloca numa situação muito pouco vantajosa, muitas vezes de vergonha por algo de que ele não tem culpa. Estes problemas devem, portanto, ser trabalhados, antes do cego partir à descoberta do mundo com uma bengala na mão. Depois de ultrapassada esta barreira, podemos dizer que estamos finalmente em paz com nós próprios e com o mundo, que como é lógico não tem culpa do que nos aconteceu. Aliás, só nesta altura o cego tardio está em condições de enfrentar os desafios que lhe vão ser colocados. Podemos afirmar que a sua reestruturação psicológica está finalmente concluída.

2 - A mobilidade com a bengala.

Vamos passar agora à aprendizagem propriamente dita. Como já foi referido, a mobilidade é uma técnica específica imprescindível para quem pretende levar uma vida independente. É gratificante podermo-nos deslocar sem precisarmos constantemente da ajuda de alguém. A dependência tira-nos principalmente duas coisas: a auto-estima e a privacidade. Quem não tenta andar sozinho não se sente bem, porque está constantemente a ter de pedir ajuda a terceiros, o que por outro lado lhe tira a privacidade. Esta pessoa tem de estar sempre sujeita a que outros saibam o que ele faz e como faz. Por outro lado, é certo que pelo facto de sermos cegos a nossa privacidade é constantemente invadida, em coisas muito simples como o ler da correspondência por exemplo. Isto significa que devemos ser independentes em áreas onde a autonomia é possível.

A nossa primeira experiência de locomoção como cegos, ocorreu na Fundação Sain em Lisboa, um centro de reabilitação de cegos adultos. É de referir, que nessa altura só existiam dois, esta Fundação e o Centro de Nossa Senhora dos Anjos, ambos em Lisboa. Achamos que neste sector específico o estado nunca cumpriu muito bem a sua função, nem o faz actualmente. O primeiro contacto com a bengala é muito doloroso, mais a mais se tivermos em conta que no nosso caso, e uma vez que ainda tínhamos um resíduo visual bastante razoável, éramos vendados para não podermos utilizar a visão que nos restava. Esta prática é discutível, uma vez que se o cego ainda tem um resíduo visual, deve ser encorajado a utilizá-lo no seu dia-a-dia. Uma vez que esta situação era constrangedora, a equipa técnica decidiu que no meu caso as aulas de locomoção seriam dadas de noite, pelo facto de a retinite pigmentar se caracterizar em primeiro lugar pela cegueira nocturna. Voltando ao princípio, começámos por pequenas deslocações sem bengala e depois com ela no terraço da Fundação Sain. Aí os técnicos avaliaram a nossa coordenação e orientação. Depois passámos à rua. Aqui as coisas eram bem mais difíceis. Para além de não dominarmos a técnica, lutávamos com o problema psicológico já referido.

Na mobilidade com a bengala é utilizada uma técnica que consiste em varrer o espaço à nossa frente, descrevendo um semi-círculo que cobre um espaço compreendido entre os dois ombros daquele que executa a chamada técnica de Hubbard. Esta, apesar de bastante eficiente, e que é usada pela maioria dos cegos em todo o mundo, não cobre no entanto algumas situações, que referiremos mais tarde. Voltando à nossa reabilitação, depois de aprendidos os movimentos da tal técnica, saímos para a rua. Este primeiro contacto, como já foi referido é bastante complicado, e começámos a nossa reaprendizagem daquilo que nos rodeia. O que antes antecipávamos com a visão, desviando-nos atempadamente, agora tinha de ser tocado com a bengala. Depois de localizado o obstáculo, teríamos de nos desviar dele. Esta parte também era muito complicada; deveríamos ir pela direita ou pela esquerda? – decisão que o professor deixava ao nosso critério. Aqui tínhamos presente outro factor desestabilizador, a solicitude das pessoas que passavam e que sem querer atrapalhavam mais do que ajudavam. No entanto, e apesar de todos estes problemas, lá continuávamos na nossa odisseia. Neste período, também aprendíamos algo que para nós era bastante confuso; a utilização dos outros sentidos, sem a possibilidade de confirmar as informações com a visão. Como é sabido, o Homem tem dois sentidos para a chamada comunicação à distância: a visão e a audição. Quando somos privados de um temos de, como é óbvio aprender a usar apenas o outro. Este processo é naturalmente complicado, seja qual for a perda. Neste processo, nunca é demais referi-lo, o cego vê-se privado do sentido que à partida é utilizado para confirmar as informações que nos chegam através dos outros. Se pensarmos um pouco no assunto, chegamos facilmente à conclusão, que todos nós temos por exemplo, tendência para olhar quando ouvimos um ruído. Os cegos tardios também o fazem, e no entanto não podem fazer essa confirmação. Continuando com a locomoção, e para além da técnica de Hubbard, o cego recente aprende a ouvir o trânsito, a reconhecer determinados sítios pelo cheiro, por exemplo, uma sapataria ou uma confeitaria. À medida que o processo avança, a destreza também evolui. É claro que os casos não são todos iguais, os ritmos de aprendizagem são sempre diferentes e têm a ver com diversos factores de destreza e coordenação bem como de capacidade psicológica para resistir a tudo o que envolve a reabilitação. Tínhamos dito que depois da aprendizagem da técnica fomos para a rua pôr em prática o que tínhamos aprendido. Com uma bengala é necessário tocar todos os obstáculos que se nos deparam, não há antecipação. Depois de tocado o obstáculo, e de decidido o caminho a seguir, continuamos até ao próximo impedimento, e assim vamos andando. Não queremos que esta descrição dê a imagem e que o cego caminha numa luta constante com tudo o que lhe aparece no caminho, mas a verdade é que todas as características do percurso são identificadas com o tacto, o contacto da bengala com aquilo que nos barra o caminho e também das outras informações que nos chegam constantemente através dos outros sentidos. Ao fim de muitas horas de treino, o professor considera o aluno pronto e este vai para casa. Aqui acontece, na nossa opinião, a primeira grande falha em todo este processo. O cego reabilitado deveria ser acompanhado pelo professor de locomoção até ao seu meio, para fazer o reconhecimento de alguns percursos mais utilizados. A presença do professor de locomoção, para além de o ajudar no aspecto técnico, viria com toda a certeza aumentar a sua confiança e a ajudá-lo a enfrentar a sua comunidade agora que a sua realidade é diferente. Infelizmente este procedimento não é usual, principalmente para os cegos que não são da cidade onde está implantado o centro de reabilitação. Na nossa opinião, este apoio é essencial.

Vamos agora apresentar alguns casos práticos, onde a mobilidade com a bengala pode ser mais problemática.

As referências para quem anda com uma bengala são como já dissemos diversas. Para além do toque da bengala nos possíveis obstáculos, existem uma infinidade de outras referências que cada um cria e utiliza de acordo com as suas possibilidades. Algumas dessas marcas são por exemplo irregularidades no piso, o barulho do tráfego numa determinada direcção, um poste, um sinal de trânsito, o barulho da bengala ao tocar no chão, etc. Como vimos estas referências podem ser imensas, e isto é algo que o cego aprende com a sua prática diária. Por este motivo será sempre positivo o contacto que o recém reabilitado possa ter com a experiência de alguém que já passou pelo mesmo processo. Sendo a visão um sentido de comunicação à distância, é relativamente complicado substitui-la por outros sentidos na detecção de eventuais obstáculos. É evidente que podemos usar a audição para por exemplo ouvir os carros, mas como é óbvio, não nos serve para saber se está um carro em cima do passeio. Nesta situação temos de tocá-lo com a bengala, procurando depois um percurso alternativo. Numa situação deste tipo, a simples utilização da bengala torna complicada a ultrapassagem do obstáculo. Se o referido veículo for um pesado de carga, a bengala passa facilmente por baixo da caixa de carga sem a detectar, e muito provavelmente batemos com a cara na referida caixa. Se considerarmos um local de obras, há uma certa dificuldade em detectar um buraco no chão, mesmo porque é prática em Portugal sinalizar mal este tipo de trabalhos, sejam eles devidos a obras no pavimento ou a à retirada de tampas de saneamento, de tampas de acesso aos cabos telefónicos, etc. Nestes casos a bengala não é totalmente fiável, mesmo porque depois de ganharmos uma certa confiança, e principalmente nos percursos que conhecemos melhor, não fazemos a técnica como a aprendemos. Este facto pode ser benéfico nalgumas situações, mesmo porque se o que interessa é andar com uma certa destreza, cada um de nós tem determinadas particularidades, que normalmente transpõe para as suas actividades. Noutras ocasiões, isto pode ser bastante prejudicial. Continuando com as situações que se nos deparam diariamente, gostaríamos agora de focar a passagem de ruas. Ao atravessarmos uma rua temos várias hipóteses: a rua é conhecida e por isso sabemos determinar o fluxo de trânsito o que nos permite atravessar em segurança, a rua tem uma passadeira mas nós não sabemos exactamente onde fica e temos de pedir ajuda a alguém, a rua tem semáforos sonoros e nós sabemos quando podemos atravessar, etc. Nestes casos, o mais prudente será pedir ajuda a alguém, mesmo porque alguns automobilistas não têm um sentido cívico muito apurado e portanto não é totalmente seguro alguém nas nossas condições atravessar uma rua sozinho. Poderíamos citar muitas outras situações como por exemplo: a detecção de uma caixa Multi-banco, o procurar uma porta, o seguir um percurso alternativo sem ajuda, quando se nos depara um grande obstáculo não habitual, etc. O facto, é que com a bengala, e por muita destreza que tenhamos, põem-se frequentemente a necessidade de solicitar a ajuda de alguém. Por outro lado, precisamos muitas vezes de descrever trajectórias maiores e perfeitamente escusadas para tocarmos uma referência com a bengala.

Achamos que a mobilidade com a bengala é necessária, relativamente segura, mas que existe outra forma de mobilidade mais prática e mais segura, o cão-guia.

3 - A mobilidade com o cão-guia.

A passagem para este novo processo de locomoção é um pouco estranha. Quando estamos habituados a realizar um determinado tipo de técnica durante muitos anos, pode parecer complicado começarmos a confiar a nossa marcha a um cão. Portanto, diríamos, em primeiro lugar, que deve existir uma predisposição para efectuar esta mudança. Se o cego não está decidido a confiar plenamente no cão, não deverá tentar esta passagem, até a sua confiança ser quase absoluta. É natural que este acreditar nas capacidades do cão não surja imediatamente, mas isso será ultrapassado com o tempo, assim haja vontade. O primeiro problema que se põe, na nossa opinião, é o facto do cão não necessitar, como é lógico, de tocar os obstáculos antes de os ultrapassar. Como dizia o lema de uma escola americana, onde o nosso saudoso companheiro Carlos Sobral foi buscar o seu cão, num processo destes trata-se de substituir uma bengala por dois olhos. O sentido de comunicação à distância que nos foi retirado é-nos de certa maneira devolvido. O cão-guia antecipa as dificuldades, e ultrapassa-as. Este talvez seja o facto que nos causa mais confusão. Durante o treino, ouvimos muitas vezes o educador dizer em determinadas situações, que nós não tínhamos a noção do que o cão acabava de fazer e apressava-se a descrever-nos a natureza dos obstáculos que tínhamos acabado de ultrapassar. Como é óbvio, inicialmente, ficávamos um pouco surpreendidos, pois quando nos candidatámos, não tínhamos a noção exacta daquilo que poderíamos esperar do trabalho com o cão-guia. Se concentrarmos a nossa análise no facto deste antecipar tudo aquilo que nos pode atrapalhar o caminho. Achamos que é necessário aprender a contar com este novo tipo de informação, mesmo porque muitos percursos que estávamos habituados a seguir serão ligeiramente alterados. Depois de uma primeira semana um pouco atribulada, pois a nossa coordenação com o cão-guia nem sempre é a melhor nesta fase, começamos a constatar que a nossa vida vai mudar muito. Ao avaliarmos este processo pelo lado prático, temos de admitir que a utilização deste novo meio de locomoção vem mudar os nossos procedimentos habituais em muitos aspectos: na segurança, na rapidez, na confiança e na socialização. Em relação ao primeiro aspecto, podemos dizer, reportando-nos à afirmação que fizemos no início deste capítulo, que o cão-guia, pelo facto de antecipar os obstáculos, traz maior segurança ao cego. Em segundo lugar, e sendo talvez uma consequência da tal antecipação, efectuamos os percursos com mais rapidez, uma vez que não precisamos de estar preocupados em detectar tudo através do toque da bengala. Por tudo isto, a nossa confiança aumenta e passamos a ter um desempenho melhor em todas as outras actividades, uma vez que eliminámos em grande parte um problema do nosso dia-a-dia. Deve-se ainda acrescentar, que o facto de possuirmos o cão vem contribuir para a nossa socialização, pois muitas pessoas querem falar connosco sobre o cão.

Passamos agora a falar de alguns casos específicos, que já abordámos atrás quando falámos da locomoção com a bengala. Em relação aos carros em cima do passeio, podemos dizer que o cão-guia resolve satisfatoriamente este problema, uma vez que encontra a melhor alternativa para ultrapassar esta dificuldade, escolhendo um percurso alternativo. Se em vez do carro estivermos perante um camião de carga, não corremos o risco de bater com a cara, pois o cão-guia mais uma vez escolhe o melhor percurso, permitindo-nos continuar o nosso caminho em segurança. Ao tentarmos atravessar uma rua, não precisamos de nos preocupar com a detecção das passadeiras, pois com uma ordem nossa: - «busca linhas», o cão localiza a referida passadeira, colocando-nos na posição certa para atravessar a rua. Em relação às caixas multi-banco, fomos surpreendidos com a facilidade com que o cão-guia nos dá a indicação da sua colocação exacta, depois da ordem: - «busca a máquina».Finalmente, terminando os exemplos práticos, as obras com os respectivos buracos e andaimes deixam de ser um problema, são sempre escolhidos os percursos alternativos mais adequados. Podemos afirmar que os obstáculos desaparecem na sua quase totalidade.

É óbvio, que a utilização do cão-guia não está isenta de problemas, principalmente porque a sociedade não está habituada a este novo meio de locomoção. No princípio estávamos talvez um pouco inibidos, mas isto é algo que se ultrapassa perfeitamente, visto que as vantagens são enormes e dão-nos força para lidarmos com todas as contrariedades que nos surgem, na maior parte das vezes por ignorância de algumas pessoas. Por este motivo, e saindo um pouco do tema, achamos que todas as acções de sensibilização da sociedade são muito úteis e estamos certos que todos os utilizadores estarão na disposição de ajudar a equipa da escola nestas iniciativas.

Retomando um aspecto que já foi referido quando falámos da mobilidade com a bengala, que dizia respeito ao acompanhamento feito pelo técnico ao candidato quando este volta para casa, é de salientar o efeito positivo que esta prática tem principalmente na adaptação da dupla ao meio onde vai evoluir. Sem esta fase do treino seria impossível saber quais são as dificuldades reais que a dupla vai enfrentar. Felizmente, aqui não foi seguida a prática dos centros de reabilitação que ensinam mobilidade.

Não seria correcto acabar de falar sobre a locomoção com o auxílio do cão-guia, sem referir o nosso caso pessoal. A Duska foi-nos entregue em Julho de 2000 e tem a particularidade de poder conduzir duas pessoas em simultâneo, ou cada um de nós separadamente. Quando fizemos a candidatura, pusemos a hipótese do mesmo cão ter a capacidade de se adaptar a duas pessoas, uma vez que seria para nós muito difícil ter dois cães. Nessa altura ainda não tínhamos a noção do trabalho que um cão-guia podia fazer. Durante a longa espera que tivemos de suportar, que nos pareceu ainda mais longa pelo facto de estarmos ansiosos pela chegada do nosso cão, foi-nos dito várias vezes que estavam à espera que aparecesse um cão com características para guiar e receber ordens de duas pessoas. Por fim a notícia que tanto aguardávamos chegou, e a partir daí podemos afirmar que todas as nossas expectativas foram largamente excedidas, a nossa vida mudou muito e seguramente para melhor.

Conclusão

Não queríamos acabar, sem referir o trabalho, na nossa opinião excelente, que a equipa da escola tem vindo a realizar, com poucos recursos e enfrentando enormes dificuldades. Este trabalho pode parecer desnecessário, acreditamos que algumas pessoas até possam questionar a necessidade real de o cego ter um cão-guia, se tivermos em conta o seu custo elevado, mas pode-se afirmar com toda a propriedade, que a utilização de um cão-guia vem dar ao cego uma independência enorme, e que quando falamos de deficiência não devemos apenas contabilizar os custos desta ou daquela prática, o que interessa em todas as soluções que são apresentadas para resolver determinados problemas dos deficientes é a medida em que essas soluções contribuem para a independência e para o reforço da auto-estima de cada um de nós.

Por tudo o que nos proporcionaram com a entrega da Duska e pela amizade que fomos construindo com todos, queremos deixar aqui o nosso agradecimento público a toda a equipa da escola.