Saiba afinal: quem tem medo do cego mau!

Quem tem medo do cego mau... é o cego bom e alguns dos seus piores benfeitores.
O cego bom é, no conceito do senso comum, aquele que aceita com docilidade a sua deficiência e a mão benfeitora mas inmperiosa que, com inelutável generosidade, o arrebata para o caminho das verdades pré-feitas; que, ignorando a sua vontade e amor próprio, o furta ao incómodo de tropeçar nas barreiras da má consciência que fez o mundo e não contou com limitações que não fazem parte da sua suposta superioridade sensorial.
Embora tratado como tal, o cego bom não é trouxa, tira partido de tudo isto que a moral cristã assume como um dever, não propriamente fraternal porque não exactamente em pé de igualdade; mas, enfim, nada disto o perturba, com o seu melhor sorriso, vive agradecido de bem com o mundo e ainda se ri dele, porque vive protegido e ao colo de gente que intimamente pode menosprezar. Subserviente, serve-se do servidor.
O intempestivo advento do cego mau veio, por efeito generalizador da pequena lógica do senso comum, digamos assim, estragar-lhe o angélico e milenar amparo em que gosta de viver. Se, porém, tal fenómeno não deixa de ser, para a classe, socialmente deplorável, aos dedicados benfeitores, deixa-os confundidos, porquanto esse lamentável espécime a que o senso público estigmatiza com a designação de "cego mau" é, essencialmente, o que há de mais radicalmente contrário ao "cego bom".