Leonardo Silva - O braille e a sua importância na educação dos cegos
Leonardo Cunha da Silva
INTRODUÇÃO
Ao apresentar o presente trabalho quero alertar, que não se trata de um trabalho planificado ou estruturado como era meu desejo, no entanto, compreende um esforço, modesto mas necessário para responder aos objectivos da disciplina.
Com este trabalho pretendo abordar alguns aspectos que tentam mostrar a importância da aprendizagem do braille nas crianças deficientes visuais.
Não se pode educar as crianças sem livros... dizia Louis Braille a seu pai..., devemos hoje repetir esta afirmação quer aos alunos cegos, quer aos professores em geral e, fazer com que os alunos compreendam que não há uma única maneira de "ver", de "escrever" ou de "ler" e que a comunicação se pode revestir de muitas e variadas formas.
A capacidade para intelectualizar os dados captados pelo cérebro através dos sentidos eleva o ser humano acima da simples animalidade fazendo dele um animal racional. Portanto, o papel desempenhado pelos sentidos constitui condição * sine qua non * para o desenvolvimento das potencialidades humanas no relacionamento com o meio físico e social e para a afirmação das capacidades superiores da espécie. Mas os sentidos não concorrem para este fim todos na mesma medida. Uns captam maior quantidade e maior variedade de dados do que outros.
Alguns especialistas dizem que cerca de 80% da informação que chega ao cérebro é veiculada através do sentido da vista; outros limitam-se a afirmar que através deste sentido passa mais informação do que por todos os outros sentidos juntos. Seja como for, ninguém duvida de que, dos cinco sentidos, é o da vista que desempenha o papel mais importante no desenvolvimento equilibrado do indivíduo, permitindo-lhe socializar-se através da imitação. É esta dominância que leva à constatação de que "a vida se apresenta organizada por quem vê, para os que vêem", que encontramos tantas vezes em alguns estudiosos na matéria.
A falta ou diminuição do sentido da vista acarreta, por conseguinte, um enorme deficit de informação, o que gera um grande número de situações de deficiência, desde as que apresentam apenas efeitos sociais ligeiros até às que podem sub-humanizar o indivíduo se não se adoptarem procedimentos adequados.
A visão, como sentido unificador de toda a actividade sensorial, contribui predominantemente para a informação e formação dos indivíduos, o que ocasiona sérias desvantagens para os deficientes visuais. Contudo, o grau desta desvantagem pode ser contínua e consideravelmente atenuado se, na educação, na reabilitação e na formação profissional, forem aplicadas técnicas adequadas, se forem convenientemente explorados e implementados os recursos tecnológicos apropriados e se forem adoptadas medidas sociais justas para compensação da deficiência.
HISTÓRIA DA ESCRITA BRAILLE
Por volta de 1815 a França andava envolvida em múltiplas guerras. As constantes mensagens que circulavam não podiam ser lidas de noite já que, para tal, era necessária luz, o que despertaria o inimigo.
Assim, o oficial de artilharia Charles Barbier, inventou um processo de escrita em relevo, por pontos, que pudesse ser lida com os dedos, sem necessidade de luz. Chamou-se a esse sistema escrita nocturna.
Louis Braille, que cegara aos três anos por acidente, em 1812, encontrava-se a estudar na Instituição Nacional dos Jovens Cegos de Paris quando teve conhecimento da escrita nocturna. Entrou logo em contacto com Charles Barbier, estudou o seu sistema, aperfeiçoou-o e reduziu-o para seis pontos. Este novo método tornou-se universal sob o seu nome: Método da Escrita Braille, que se resume na célula Braille.
Na leitura Braille são usados caracteres em relevo, em combinações diferentes de seis pontos, organizados em unidades de dois pontos na largura e três na altura. Os símbolos são trabalhados em relevo, em papel manilha grosso, da esquerda para a direita, e geralmente o leitor "lê" com uma das mãos e, com a outra, mantém a posição vertical.
As anotações de música, pontuação, matemática e ciências baseiam-se no mesmo sistema.
A escrita Braille é um outro acréscimo ao currículo das crianças cegas.
Há vários instrumentos para escrever os símbolos, sendo o mais fácil e mais rápido a máquina de escrever braille ou máquina de escrita braille. Ela tem seis teclas, que correspondem a cada um dos seis pontos da unidade. Um bom dactilógrafo braille pode bater de quarenta a sessenta palavras por minuto. O Braille também pode ser escrito à mão, utilizando-se uma plaqueta (pauta) e um estilete (punção) que permitem que a criança faça as perfurações numa unidade braille padrão.
DACTILOGRAFIA E ESCRITA A MÃO
A dactilografia, raramente incluída no currículo elementar das crianças com visão, é muito importante para as crianças cegas, caso se espere que comuniquem com o mundo dos que têm visão, pois um número muito pequeno de pessoas com visão consegue ler Braille. As crianças cegas devem aprender a usar a máquina de escrever comum tão cedo quanto possível. A escrita à mão é muitas vezes difícil, no entanto, deve-se incentivar a criança a assinar o seu nome.
A incapacidade de escrever o seu próprio nome é muitas vezes uma fonte de embaraço, e é por esse motivo que se enfatiza a aprendizagem da assinatura. A máquina de escrever tem tudo, mas não substitui recursos como guias de metal, necessários para ajudar a ensinar a escrita à mão.
O PROFESSOR DE BRAILLE E A CRIANÇA CEGA
O ensino do Braille requer que o contacto entre professor e aluno seja individualizado e próximo. Num contacto deste tipo o professor de Braille pode ser uma fonte de aconselhamento e suporte para o aluno, na medida em que o escuta quando, expressa sentimentos, lhe esclarece dúvidas e lhe regula expectativas relacionadas com a situação presente e futura.
Esta acção é importante porque diminui tenções emocionais, motiva o aluno para agir e contribui para que o mesmo não fixe para si, objectivos irrealizáveis, cuja não concretização lhe causaria frustrações, sempre limitativas de uma vivência satisfatória.
Da aprendizagem do sistema Braille até uma leitura destra, gratificante, há um longo caminho a percorrer. Pressupõem-se as bases de um bom ensino e muitas horas de prática para desenvolver até esse nível o sentido do tacto. Hoje em dia é preciso ter mais força de vontade e um gosto inato pela leitura táctil para nos disponibilizarmos assim para ela, resistindo ao apelo dos cada vez mais livros gravados, dos programas de rádio e televisão que agora nos entram em casa em catadupa, das novas tecnologias, dos trabalhos manuais menos exigentes em termos de concentração. Além disso, a leitura é uma actividade possessiva que nos subtrai ao ambiente circundante, que nos solicita por inteiro. Não nos entregamos a ela de bom agrado sem esperar contrapartidas que valham o que deixámos.
TIFLOLOGIA, UM POUCO DE TERMINOLOGIA
De acordo com a perspectiva histórica geralmente adoptada foi em França, no último quartel do século XVIII, que Valentin Haüy fez despontar a tiflologia. É geralmente considerado, com toda a justiça, como pai da tiflologia.
Os cegos começaram então a ser escolarizados, ainda que com um currículo muito limitado, em que as disciplinas apresentavam níveis muito elementares. Por outro lado, o processo de leitura e escrita adoptado por Valentin Haüy (uso dos caracteres gravados em relevo) prestava-se mal à utilização táctil; e Louis Braille que ficou cego aos três anos de idade, vítima de um acidente mas também providencial para os cegos, só viria a brindar-nos com o seu sistema cerca de cinquenta anos mais tarde. Apesar de tudo isto, em 1782, a educação dos cegos era oficializada em França.
A tiflologia apresenta-se-nos hoje como uma posição plurifacetada, traduzida numa actividade multidisciplinar, em que convergem disciplinas do âmbito de diversas ciências oftalmologia e outras especialidades da ciência médica, psicologia, pedagogia, sociologia, engenharia, arquitectura, acção social, direito, etc, com o objectivo de compreender integralmente o deficit funcional motivado pela deficiência visual em todas as suas implicações intrínsecas e extrínsecas ao deficiente e procurar, na medida do possível, reduzir ou eliminar essas implicações.
DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES ESPECIAIS
UTILIZAÇÃO DO BRAILLE
Discutir o sistema que Louis Braille legou à humanidade é, no meu entender, a melhor forma de homenagear o seu autor, na medida em que o seu invento continua a demonstrar uma grande actualidade e uma indiscutível vitalidade. De facto, depois da sua adaptação ao texto literário das diversas línguas e aos diferentes alfabetos, à matemática, à música, à química e ao xadrez, este sistema de seis pontos e sessenta e três símbolos ou combinações possíveis, consegue ter nos nossos dias, uma palavra séria a dizer no campo das novas tecnologias, mais precisamente, no da informática.
O domínio do Braille é extremamente importante, por isso, os professores devem incentivar e ajudar os seus alunos ao estudo e aperfeiçoamento deste. Dado que é através dele que vão tomando contacto com a estrutura dos textos, a ortografia das palavras e a pontuação. Além de ser fundamental para o estudo da Matemática e Física Química.
Os deficientes visuais de uma maneira geral não são motivados para a prática do Braille nem o conhecem em todas as suas modalidades.
Incapazes de ler a um ritmo satisfatório, não tiram proveito dos livros e manuais que já hoje têm ao seu dispor.
A falta de aprendizagem e treino reflecte-se também na escrita que é deficiente quanto ao Braille, e desconcertante quanto à ortografia relativamente a expressão em domínios específicos como a grafia matemática, fonética, etc.
O domínio aprofundado do Braille é uma condição de êxito sobretudo se o aluno não puder estudar com caracteres ampliados.
Para a criança cega, aprender a usar o Braille é uma das chaves que abre as portas para a comunicação com o mundo dos que têm visão.
O BRAILLE E AS SUAS APLICAÇÕES
O braille potencia decisivamente as capacidades de comunicação do deficiente visual, permite-lhe obter informação capaz de lhe manter os interesses que já possui ou incrementá-los.
Sabendo ler e escrever Braille o sujeito pode construir um novo círculo de amizades que lhe proporcionará um espaço de vivência muito gratificante e que contribuirá para o seu equilíbrio emocional.
O facto de o aluno ter sucesso na aprendizagem do Braille, só por si, funciona como reforço da sua auto-imagem e autoconsciência.
Com o conhecimento do Braille o aluno pode reencontrar ou descobrir o prazer da leitura, o qual será uma razão para ele acreditar na sua realização, mesmo sem ele ver.
Perceberá também que o Braille promove a sua independência em muitas circunstâncias e isto dá-lhe ânimo ao mesmo tempo que lhe reduz receios.
Na área da dactilografia os conhecimentos de Braille são úteis porque permite ao aluno fazer na máquina a transcrição de textos em Braille podendo realizar um trabalho prolongado sem ter de recorrer à sua inspiração para construir um texto, e que lhe diminuiria a concentração sobre o trabalho. Recorrendo ao Braille pode ainda o aluno tomar apontamentos relativamente ao funcionamento da máquina, aos esquemas necessários, à elaboração de endereços e mapas, que poderá consultar sempre que necessite.
Na orientação e mobilidade os conhecimentos de Braille são úteis porque possibilitam ao aluno a consulta de mapas, plantas topográficas e roteiros, alimentando desse modo a informação sobre o meio circundante que contribuirá para facilitar a realização de trajectos.
Com o auxílio do Braille o aluno pode identificar e organizar uma colecção de discos, cassetes, disquetes e revistas em tinta.
Utilizando a escrita Braille pode ainda elaborar uma agenda de contactos pessoais e dos serviços públicos relevantes.
Quando se passa para a aritmética há igualmente instrumentos de uso específico e cujo manuseio não é muito fácil exigindo portanto um domínio táctil grande. É ao cubarítmo que me estou a referir. Este instrumento é um tabuleiro rectangular dividido em quadrados dentro dos quais é possível introduzir cubos correspondentes aos algarismos que se pretendem escrever.
O Braille promove o desenvolvimento pessoal do deficiente visual que o aprende, porque o torna mais autónomo, diminui-lhe o isolamento social, enriquece-o culturalmente, permite-lhe a expressão de sentimentos e ideias. Permite também ao cego combater o isolamento social e a estagnação cultural.
Nos nossos dias com a vulgarização da informática o acesso dos deficientes visuais à informação escrita conheceu novas possibilidades. Uma vez introduzido o texto no computador o deficiente visual tem ao seu alcance toda a informação não gráfica disponível no ecrã, podendo fazer a sua leitura através da linha de braille, desde que domine o sistema Braille.
Conhecendo o Braille a criança deficiente visual com o braille.n print é possível escrever um texto e torná-lo imediatamente acessível a pessoas que não conhecem o Braille.
Esta potencialidade é extremamente útil para quem na sua actividade necessita de transformar em caracteres impressos em tinta os seus textos em Braille.
CONCLUSÃO
Do que fica exposto ao longo deste trabalho concluiu-se que aprender o Braille é importante no processo ensino/aprendizagem do aluno com deficiência visual, dado que favorece e dinamiza o desenvolvimento e concretização deste processo e funciona como garante de actualização das competências adquiridas durante o tempo posterior.
Já Cícero dizia "uma casa sem livros é um corpo sem alma". Daí a necessidade da leitura para o homem, quer ele seja deficiente visual ou não. Que não falte aos cegos a persistência para "devorarem" a totalidade da informação que já existe disponível em Portugal e que não lhes falte também a imaginação para ultrapassarem todos os condicionalismos à sua avidez de cultura.
Em síntese, saber Braille, ser capaz de ler fluentemente para mais facilmente sentir prazer na leitura, complementar a informação disponível em Braille com o já vasto espólio existente em formato áudio e em suporte informático, atentar nas programações da radiodifusão e da radiotelevisão em toda a sua amplitude, possuir tecnologia adequada e necessária preparação para "surfar" e usufruir da recente rede de computadores constitui a base fundamental do acesso à cultura da pessoa deficiente visual.
BIBLIOGRAFIA
Poliedro: - Revista de Tiflologia e Cultura, Porto: Instituto S. Manuel - Edições Braille, 1995, Outubro.
Poliedro: - Revista de Tiflologia e Cultura, Porto: Instituto S. Manuel - Edições Braille, 1996, Novembro.
Poliedro: - Revista de Tiflologia e Dultura, Porto: Instituto S. Manuel - Edições Braille, 1997, Janeiro.
Kirk / Gallagher, Educação da Criança Excepcional, Martins Fontes
Luís Braille: - Revista Oficial da ACAPO Ano VI nº 20 - Janeiro - Abril - 1996
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