Prezados:
Ao reler os argumentos abaixo, retirados de artigo publicado na www.rbtv.associadosdainclusao.com.br, tomou-se de mim aquele sentimento de incompreensão do porque o Ministério Público não atua em defesa de garantir às pessoas com deficiência visual o direito à áudio-descrição.
De fato, fico pensando se é por ignorância, ou por conta de negligência mesmo.
Em todo caso, sei que o MP precisa ser demandado a agir, papel que têm o poder, as associações de pessoas com deficiência visual, por exemplo.
Elas têm o direito de recorrer ao Ministério Público para exigir esse direito das pessoas com deficiência e, no meu entendimento, o dever de o fazer.
Mas, será que querem? Será que têm o interesse? Será que temem ser mal vistas pelos que as patrocinam económica e politicamente?
A resposta eu não sei. O que sei é que precisamos defender esse direito, donde este espaço se vale da prerrogativa do dreito à liberdade de expressão para reivindicar a áudio-descrição já!
Se algum membro do MP ou alguma associação desejar argumentos que sustentam o direito à áudio-descrição, podem começar com estes:
"...
3- O direito à Áudio-descrição no contexto do Decreto Legislativo 186 de 9 de julho de 2008
Seria redundância legal advogar pelo direito da pessoa com deficiência aos bens e serviços culturais, bem como à equiparação de condições se esse direito fosse de pronto respeitado. Acontece que não o é! Como confirma a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, (...) as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade e violações de seus direitos humanos em todas as partes do mundo. Portanto, também no Brasil.
Fosse nossa Carta Maior respeitada na íntegra, nenhuma outra lei seria necessária se a pessoa com deficiência fosse, realmente, reconhecida como pessoa, e enquanto tal fosse percebida como tendo direitos, não iguais às demais, mas consoante as suas próprias necessidades e/ou características específicas, visto que é assim que a Constituição Brasileira proclama.
A todos deve ser garantido o direito de ir e vir, às pessoas com deficiência devem adicionalmente ser garantidos os meios/recursos para que exerçam aquele direito.
A todas as crianças é devido o direito à educação, às crianças com deficiência este direito deve ser acompanhado pelo direito de acesso à escola, de acesso aos ambientes educacionais, de acesso aos meios e recursos que viabilizem a educação, etc. Corrobora nosso entendimento, o fato de a referida Convenção reconhecer a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (Decreto Legislativo 186/08).
Assim é que, sustentados na Convenção, defendemos que o direito à cultura, ao lazer e tudo o mais que advém da aprendizagem pela cultura e da saúde pelo lazer, devem estar garantidos a todas as pessoas, e isso significa garanti-los a todas as pessoas, sem qualquer adjetivação. No entanto, a adjetivação de um indivíduo em pessoa com deficiência requer tratamento desigual, sem o que, é sabido, não se promoverá a igualdade dessas pessoas com aquelas sem tal adjetivação. Portanto, a re-edição de dispositivo garantidor do direito da pessoa com deficiência não se trata de mera redundância. De fato, não fosse legislar pelo direito das crianças com deficiência, pelo direito das mulheres com deficiência, pelo direito dos trabalhadores com deficiência, enfim, pelo direito das pessoas com deficiência, estas não seriam tidas como pessoas, trabalhadores, mulheres ou crianças.
Sumariando e, por assim dizer, re-editando a Carta Universal dos Direitos da Pessoa Humana, agora com a adjetivação de pessoa humana com deficiência, países de todo o mundo se unem para dizer que as pessoas com deficiência são pessoas, e são pessoas com deficiência que requerem respeito e cuidado, consoante suas necessidades, porém sem paternalismos e sem privilégios. De fato, reconhecer-lhes os direitos, garantir-lhes o acesso a esses direitos é efetivamente dever de cada um dos indivíduos da sociedade universal, e certamente não é privilégio e nem paternalismo.
Em uníssono com este entendimento, o Brasil reconhece e ratifica os ditames da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na forma de decreto legislativo com força de emenda constitucional (Decreto Legislativo 186/2008).
Por si só este feito é um dos mais significativos passos no reconhecimento de que o cidadão brasileiro com deficiência é pessoa humana, como foi definido, pela primeira vez em nosso país, em nossa Constituição de 1988.
Não obstante, o reconhecimento legal, nacional e internacional dos direitos da pessoa com deficiência não é suficiente para garantir a essas pessoas o desfrute de todos os seus direitos. É mister que os operadores do direito tanto quanto os cidadãos com deficiência, detentores desse direito, saibam interpretá-lo, entendê-lo, respeitá-lo e garanti-lo, em todas as suas formas e instâncias.
Assim é que se reconhece na Convenção que: a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Em outras palavras, reconhece-se que a sociedade e suas barreiras atitudinais impõem incapacidades a essas pessoas, que quando muito teriam limites inerentes às suas deficiências.
Máxime para as pessoas cegas, a advocacia de seus direitos passa pela própria educação dos indivíduos com deficiência visual, quanto aos serviços a que têm direito e dos meios ou vias para alcançá-los. Como afirmamos acima, não se trata de requerer privilégios, mas de saber interpretar os instrumentos jurídicos como ferramentas garantidoras da igualdade de acesso e desfrute do que está socialmente disponível às pessoas não cegas.
Neste artigo fazemos um recorte do direito de acesso à comunicação, à informação, à cultura, à educação e aos demais bens culturais, por meio da áudio-descrição de eventos visuais, os quais sem este recurso limitam e/ou impedem o pleno exercício do direito à educação, ao lazer e à cultura em geral.
A Convenção sobre o direito das pessoas com deficiência, por mais de uma vez, nos permite sustentar a tese do direito à áudio-descrição, considerando a intencionalidade da Convenção e dos pressupostos que a sustentam.
Já no primeiro artigo, a Convenção nos alerta para o fato de que as pessoas com deficiência encontram barreiras físicas e sociais que podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (Decreto 186/2008).
Não é difícil perceber que a barreira comunicacional, advinda da ausência de áudio-descrição, por exemplo nas peças publicitárias, quanto ao uso de preservativos em que se pretende a educação das pessoas a respeito de DST/Aids, exclui da população alvo dessas peças as pessoas cegas ou com baixa visão a quem tais informações visuais não chegam.
Ora, o direito à saúde é direito de todas as pessoas, sejam elas sem deficiência ou com essa adjetivação. Não propiciar, portanto, igualdade de acesso à informação para as pessoas com deficiência visual é discriminá-las por razão de deficiência, uma vez que não é a cegueira que as impede de receber a informação, mas o obstáculo ocasionado pela falta da áudio-descrição, a qual é, em última instância, uma alternativa comunicacional para os eventos visuais.
"Discriminação por motivo de deficiência" significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável; (Decreto Legislativo 186/2008)
O acesso à comunicação, no sentido mais amplo, está previsto na referida Convenção, conforme se pode ler:
Artigo 2
Definições Para os propósitos da presente Convenção:
"Comunicação" abrange as línguas, a visualização de textos, o braille, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis; (Decreto Legislativo 186/2008)
Consideremos, agora, o artigo terceiro, mormente quando diz:
Princípios gerais. Os princípios da presente Convenção são:
a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas.
c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
e) A igualdade de oportunidades;
f) A acessibilidade; (Decreto Legislativo 186/2008)
Seria flagrante afronta a tais princípios negar a uma pessoa com deficiência visual o direito de, por si só, decidir o que e quando assistir na televisão, cinema ou mesmo num DVD, condicionando-a tomar tal decisão se e quando uma pessoa vidente lhe estivesse disponível para ler a legenda do DVD, descrever a cena de um filme, ou o número de telefone exibido na tela da televisão.
É mister, então, frisar que cada vez mais as pessoas precisam de conhecimentos culturais gerais, muitos dos quais veiculados na televisão, noticiários, documentários, etc, para a obtenção de emprego, por exemplo.
Assim, a áudio-descrição vem constituir-se numa ferramenta de acesso laboral tanto quanto para o lazer e para a educação. Se às pessoas videntes está garantido o acesso às informações visuais, estas devem, igualmente, serem disponibilizadas às pessoas com deficiência visual. De outra forma, essas pessoas estarão novamente sendo discriminadas por razão de deficiência, já que nem mesmo o conceito de adaptação razoável pode servir de justificativa para a não oferta da áudio-descrição.
Considerando as grandes cifras destinadas à produção das obras televisivas e de cinema, o investimento de um percentual mínimo para a áudio-descrição não pode ser justificativa razoável para denegar direito fundamental da pessoa com deficiência visual.
Ademais, uma vez áudio-descrito um filme, por exemplo, a áudio-descrição pode ser agregada como mais um produto derivado de uma dada obra. Por exemplo, poder-se-á em um CD divulgar o áudio original do filme, acrescido da áudio-descrição, o que permitirá que um motorista ouça seu filme no carro, enquanto dirige. A áudio-descrição permitirá com que ele veja em sua mente, aquilo que temporariamente seus olhos não podem alcançar.
Com a adoção da Convenção como emenda constitucional à nossa Carta Maior, o Brasil se compromete a pesquisar e desenvolver recursos de acessibilidade, eliminando em todas as instâncias, pública ou privadas, barreiras comunicacionais, atitudinais e outras, de modo a respeitar os direitos fundamentais da pessoa com deficiência.
f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes;
g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível; (Decreto Legislativo 186/2008)
Ora, a áudio-descrição se encaixa no previsto uma vez que advém de pesquisa, inclusive acadêmica, registrada em dissertações e teses, bem como em artigos científicos, encontrados em universidades de renome e reconhecimento internacional.
Além disso, a áudio-descrição permite o acesso a constructos educacionais, por exemplo, na áudio-descrição de uma teleaula, ou de slides apresentados, por exemplo na cadeira de neurofisiologia a alunos de psicologia.
Desconsiderar o custo benefício desse recurso e a viabilidade de sua implantação é tripudiar sobre nossa Constituição, sobre a emenda que agora dela faz parte e principalmente sobre milhões de pessoas com deficiência visual, com dislexia, com deficiência física e outras.
Especial atenção devemos dar para o papel da áudio-descrição na garantia do direito de igualdade e oportunidade devido às crianças com deficiência. Não podemos dizer que as crianças com deficiência visual terão igualdade de oportunidades, menos ainda, igualdade de condições de decidirem pelo que lhes é de direito, se essas crianças forem impedidas do acesso às informações visuais como aquelas contidas nos materiais didáticos (nos livros que trazem figuras, gráficos, mapas, etc.), nos materiais paradidáticos e destinados ao lazer, os quais trazem fotos, figuras para pintar, entre outros.
Uma criança cega que recebe a áudio-descrição das imagens contidas em seu livro, melhor pode acessar as informações e conceitos dele advindos.
Uma criança com baixa visão que recebe a áudio-descrição de uma figura pode melhor visualizar aquilo que está vendo e cujos detalhes não distingue.
A aquisição dos conceitos de novos vocabulários, bem como a oportunidade de discutir os eventos visuais com seus coleguinhas que enxergam, podem ser facilitados, mediados ou viabilizados pela áudio-descrição.
Sem ela, se desconsiderará mais um item da Convenção, e por conseqüência, aviltar-se-á mais uma vez nossa Carta Maior, ao se descumprir o Decreto 186/08 em seu artigo 7.
Artigo 7
Crianças com deficiência
1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças.
2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial. (Decreto Legislativo 186/2008)
O reconhecimento de que não é a deficiência que incapacita a pessoa, mas as barreiras que a ela são impostas, bem como a busca pela independência moral, ética, física, profissional e de toda sorte, vem se somar na tentativa de tornar as pessoas com deficiência livres das peias sociais que as colocam como dependentes daqueles que não lhes devem mais do que o respeito.
É sabido, que o ser humano, enquanto ser social depende de sua espécie, no entanto, tal dependência não pode dar vez a uma relação de privação das liberdades mais fundamentais a que toda pessoa humana tem direito: a liberdade de ir e vir, a liberdade de acesso ao trabalho e lazer, a liberdade de acesso às informações e a liberdade de expressar sobre elas.
Como tais liberdades têm sido denegadas, a Convenção traz, com clareza solar, dispositivo que rejeita tal situação. E, ao fazê-lo, fundamenta mais uma vez o pleito por uma áudio-descrição que esteja disponível em todas as instâncias e a todas as pessoas que dela necessitem, para que o acesso à informação e tudo que dele decorre, possa ser desfrutado pelas pessoas cegas, tanto quanto as informações visuais são para as pessoas videntes. Sem meias palavras, a Convenção diz:
Art 9 Acessibilidade
1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:
b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência;
Artigo 21
Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião, inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e idéias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha, conforme o disposto no Artigo 2 da presente Convenção, entre as quais:
a) Fornecer, prontamente e sem custo adicional, às pessoas com deficiência, todas as informações destinadas ao público em geral, em formatos acessíveis e tecnologias apropriadas aos diferentes tipos de deficiência;
b) Aceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de línguas de sinais, braille, comunicação aumentativa e alternativa, e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência; (grifo nosso)
d) Incentivar a mídia, inclusive os provedores de informação pela Internet, a tornar seus serviços acessíveis a pessoas com deficiência; (Decreto Legislativo 186/2008)
Como se vê, sobejamente, o Decreto, e a Convenção que ele aprova, hora em comento, sintetiza a defesa pela dignidade humana da pessoa com deficiência, pela igualdade de condições, pela igualdade de oportunidades, pela igualdade de acesso, pela quebra de barreiras atitudinais, e, fortemente, pela promoção da acessibilidade (física, cultural, comunicacional, entre outras).
A constante defesa desses direitos, ao longo da Convenção, de um lado denuncia o quanto eles vêm sendo negados, de outro, diz da premência de torná-los realidade, num momento histórico, em que milhões de pessoas por todo o mundo são excluídas, desrespeitadas, discriminadas, por razão de deficiência.
Certamente, a áudio-descrição não dará cabo de toda essa mazela social, no entanto, enquanto um serviço mediador de acesso à cultura, enquanto um serviço assistivo de baixo custo e enquanto uma ferramenta de acessibilidade comunicacional, contempla os princípios fundamentais desta Convenção e vem contribuir para a independência das pessoas com deficiência, seu acesso à informação, à educação, ao trabalho e ao lazer.
Em suma, a áudio-descrição é um exemplo claro de que se pode fazer muito, investindo economicamente pouco, para beneficiar a tantos.
A A-d, neste diapasão, é Acesso à Dignidade, é Acesso ao Direito, é áudio-descrição."
Para mais argumentos, leia o artigo na íntegra na revista.
Francisco Lima
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