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Áudio-descrição: Opinião, Crítica e Comentários - blog de Francisco Lima

Áudio-descrição de Direitos: Ainda Sobre as Denúncias Feitas ao MPPE, Pelas Pessoas com Deficiência.

por Francisco Lima

Prezados,
Partilho com vocês resposta que dei a um amigo, Milton, a respeito de como entendo o direito à áudio-descrição, enquanto direito à acessibilidade comunicacional, de como fiquei descontente com a reunião que tivemos no MPPE (em Recife), quando, depois de muitas queixas a respeito de falta de acessibilidade, saímos de lá com menos do que promessas, visto que nem a certeza de que seriam propostas ações (judicializadas ações) em defesa da acessibilidade para as pessoas com deficiência, por aquele órgão.
Também, faço a assertiva de que os TACs têm sido uma forma de postergação dos direitos da pessoa com deficiência, donde concluo que, na forma que estão sendo feitos, ou quando nem eles são feitos, constituem crime de discriminação, na forma do Dec. 3.956/01.
Esteio minhas assertivas em nosso ordenamento jurídico, muito embora eu não seja advogado, nem mesmo rascunho disso. Sou, porém, cidadão e, sentindo meu direito sendo aviltado, ouso a alegar as razões do porquê o MP deve agir para restituir a ordem e garantir a justiça, naquilo que a acessibilidade iguala em direitos e oportunidades, quando a falta de acessibilidade comunicacional, por exemplo desiguala as pessoas com deficiência visual.
Fiquem com a parte de meus argumentos, na conversa com o publicitário Milton Carvalho.
Cordialmente,
Francisco Lima
Caro Miltinho,

A situação é ainda mais grave, uma vez que o que vimos acontecer no MP é grandemente impeditiva do exercício do direito à acessibilidade (Lei 10.098/00) e do exercício do dever (Lei 7.853/89).

Tomemos o que diz a Lei Federal 7.853/89, a qual já tem mais de 21 anos:
Lei nº 7853 de 24/10/1989 Diário Oficial da União de 25/10/1989 Abrangência UF Município Tema Subtema Federal Federal Federal Portador de Deficiência CORDE

Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Normas Gerais Art. 1° - Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. § 1° - Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito. § 2° - As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. Responsabilidades do Poder Público Art. 2° - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. Parágrafo único. - Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objeto desta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

Art. 3º As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência.
§ 1º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias.
§ 2º As certidões e informações a que se refere o parágrafo anterior deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão se utilizadas para a instrução da ação civil.

Miltinho, já do trecho que estratifico aqui, podemos ver que o MP é parte legítima para entrar, por exemplo, com ação civil pública na defesa de nossos direitos e podemos ver que o prazo para a aquisição de documentação para instruir o processo , eventualmente necessária tem prazo estreito. Isso nos conduz a perceber que quando o Legislador disse que aos casos de negação de direitos humanos da pessoa com deficiência deve-se o tratamento prioritário, ele não está brincando nem dando a chance de que esse direito e consequente defesa possa ser dilatada anos a fio, como o que hoje ocorre no atual procedimento no MP-PE.
Mas, tem mais:
Art. 5º O Ministério Público intervirá obrigatoriamente nas ações públicas, coletivas ou individuais, em que se discutam interesses relacionados à deficiência das pessoas.
Art. 6º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou particular, certidões, informações, exame ou perícias, no prazo que assinalar, não inferior a 10 (dez) dias úteis.
Aqui vemos que novamente o prazo é estreito e que o MP não só é parte legítima, mas é obrigado a atuar pelas pessoas com deficiência, quando o direito envolve as questões de direitos dessas pessoas.
Assim, ver o que está ocorrendo com a observância da lei na oferta do recurso de acessibilidade é um despautério, uma vez que prazos largos e mais largos têm sido oferecido e nada de concreto, entenda, respeito ao nosso direito, está sendo obtido.
Escrevi, Miltinho, já faz anos, que temos de parar de sermos diplomatas com o desrespeito aos direitos dos outros. No caso em que o MP está envolvido, coisa que não pode ou deve legalmente, comete crime por razão de deficiência.

Vejamos mais o que diz esta Lei:
Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:
V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta Lei;
VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público.
Art. 9º A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.
Ora, para que o art. 9 seja comprido, é mister que o MP entre com ação e que o faça em prazo razoável, a saber, com prioridade no trato do assunto, coisa que parece não ter acontecido, pelo menos desde 2010, quando se teve uma reunião para instaurar o procedimento foco da reunião ou que a ela deu origem, semana passada.
A Lei Federal 7.853/09 não diz nada sobre o que devemos fazer ou o que deve acontecer aos responsáveis, quando o Poder Público não age, quando não faz uso de uma ação pública, por exemplo, mas diz que o MP está obrigado a agir e deve fazê-lo com prioridade e de maneira adequada, apropriada para eliminar preconceitos e promover a participação social com igualdade de condições e de oportunidade. A lei 7.853 não diz que o poder público deve agir com esta ou aquela ação, embora diga que pode ele fazer uso da ACP. Mas, será que a Constituição não determina a ação efetiva do poder público na eliminação das barreiras comunicacionais? Será que nosso ordenamento jurídico não determina que a postergação de atitude efetiva na garantia do direito não constitui crime, inclusive perpetrado pelo poder público, quando ele não atua efetivamente para prevenir a discriminação por razão de deficiência ou quando a ação do poder público, não sendo apropriada, célere e efetiva constitui crime por razão de deficiência, uma vez que vai resultar na restrição, postergação ou dificultação do desfrute aos direitos fundamentais de que as pessoas com deficiência têm direito?
Miltinho, não tenho dúvida que as ações tomadas não são apropriadas: se fossem, teríamos áudio-descrição, pelo menos, há anos. Tenho certeza que a abertura do procedimento com a forma que tem sido conduzido nega-nos direitos em vez de o garantir, respeitar e fazer ser respeitado: prova disso é que não temos áudio-descrição nas escolas, nos concursos públicos, nos teatros, cinemas e nas reuniões do MP para discutir a acessibilidade comunicacional e a garantia da oferta da áudio-descrição, muito embora a lei que isso determina foi regulamentada em 2004, logo há 9 anos.
Não, não adianta espernear e alegar retoricamente que se está fazendo algo, que os prefeitos alegam não terem dinheiro e por aí vai... as ações tomadas não são adequadas conforme dita a lei e a postergação do dever resulta em crime por razão de deficiência na medida em que dezenas de milhares de pessoas com deficiência ficam em desvantagem quando a lei determina o tratamento desigual para que igualem os acessos à cultura, lazer, educação, saúde e trabalho, além de outros direitos decorrentes de nossa Carta Maior.
Disse eu, Miltinho, na reunião que a cada 2 anos que se passa sem que a áudio-descrição seja garantida, por exemplo, na cultura ou na educação, 25% da vida de uma criança de 8 anos foi perdido para que essa criança seja atendida no direito que tem de ser considerada com igualdade de condições e oportunidades no âmbito cultural, de lazer ou da educação.
Não podemos ser diplomatas com o desrespeito aos direitos humanos da pessoa com deficiência, mesmo porque, fazer olhos fechados para o cumprimento legal não é ser diplomata, mas ser criminoso, cometendo crime por razão de deficiência.
Será aplicável a determinação de reclusão de até 4 anos nos casos em que se protela a acessibilidade comunicacional, visto que ao fazer se protela o acesso à informação e se pode fazer cessar uma matrícula?
Não, penso que não. Mas estou certo que nem por isso não constitua crime de discriminação por razão de deficiência continuar nesse passo lento e ineficaz, cujo propósito, se há um, é o que resulta na restrição dos direitos da pessoa com deficiência aos bens culturais, aos serviços educacionais e outros, com igualdade de condições e oportunidades previstos por nossa Constituição.
E já não é de hoje que temos visto frustrados nossos direitos, já que a lei de acessibilidade é de não menos que 13 anos.
Vejamos:.

A Lei Federal 10.098/00, a qual trata da acessibilidade comunicacional, entre outras, determina em seu capítulo IV que “CAPÍTULO IV
DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS PÚBLICOS OU DE USO COLETIVO
Art. 11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:
I - nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a estacionamento de uso público, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente;
II - pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
III - pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e
IV - os edifícios deverão dispor, pelo menos, de um banheiro acessível, distribuindo-se seus equipamentos e acessórios de maneira que possam ser utilizados por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art. 12. Os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar deverão dispor de espaços reservados para pessoas que utilizam cadeira de rodas, e de lugares específicos para pessoas com deficiência auditiva e visual, inclusive acompanhante, de acordo com a ABNT, de modo a facilitar-lhes as condições de acesso, circulação e comunicação.

Art. 27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de dezembro de 2000; 179o da Independência e 112o da República.

Ora, destaquemos que a Lei diz que “pelo menos”, o que não significa que é somente, ou que o que se pretende para os espaços é apenas a acessibilidade física. Obviamente3 que se o legislador pretende que se dê acessibilidade aos espaços culturais, educacionais e similares, não é só para que as pessoas lá entrem e nesses lugares possam usar os banheiros, os quais devem, igualmente, ser acessíveis. É para que possam assistir aos shows, às peças, às conferências aos filmes etc. É, certamente, para que as pessoas com deficiência tenham igualdade de condições e de oportunidades de exercer direitos fundamentais da pessoa humana, posto que são e que assim determina a Carta de 48 e nosso ordenamento jurídico, a exemplo da Lei em comento. Assim, veja que a Lei 10.098/00 explicita: “Os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar... deverão dispor... de lugares específicos para pessoas com deficiência auditiva e visual, inclusive acompanhante, de acordo com a ABNT, de modo a facilitar-lhes as condições de acesso, circulação e comunicação.”
Não precisa ser muito conhecedor das técnicas de entendimento do texto legal para que verifiquemos que a Lei está tratando do acesso à comunicação e que esse acesso implica nas condições necessárias para a expressão da comunicação, bem como do recebimento da informação, cultura e lazer também. E esses são direitos Constitucionais, desde a Carta Constitucional de 1988.
Enfatizo mais, a Lei expressamente diz que a acessibilidade comunicacional e física é devida aos espaços culturais, tanto quanto educacionais, o que fica claro como cristal que a acessibilidade comunicacional é devida nas escolas, nas conferências, também nos cinemas: “Os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar... deverão dispor... de lugares específicos para pessoas com deficiência auditiva e visual, inclusive acompanhante, de acordo com a ABNT, de modo a facilitar-lhes as condições de acesso, circulação e comunicação.” Se não fosse assim o legislador não teria incluído a expressão “de natureza similar”.
Perceba, Miltinho, que a Lei não disse que apenas a acessibilidade física ou instrumental são devidas, mas determina que a acessibilidade comunicacional seja cumprida, e o seja conforme a ABNT, fato que inclui claramente que as Normas de acessibilidade comunicacional, de acessibilidade aos caixas eletrônicas e outros previstos na ABNT sejam cumpridas para que esta Lei Federal seja obedecida. E, em nenhum momento, diz ao operador do direito que ele tem o direito de, ao seu bel prazer, aprazer o cumprimento do que determina a letra da lei.
Mais sigo e aponto:
“CAPÍTULO VII
DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO
Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação. Regulamento
Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES SOBRE AJUDAS TÉCNICAS
Art. 20. O Poder Público promoverá a supressão de barreiras urbanísticas, arquitetônicas, de transporte e de comunicação, mediante ajudas técnicas.

Miltinho, não precisamos forçar nenhum entendimento ao dizermos que a Lei 10.098/00 trata do direito à acessibilidade comunicacional, também às pessoas cegas ou com baixa visão, a elas garantindo a áudio-descrição, e às pessoas surdas, a elas garantindo a Língua Brasileira de Sinais, a subtitulação e a legendagem em português (Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.” Afinal, quem são as pessoas com deficiência sensorial? E que são ajudas técnicas?
As respostas são tão conhecidas e têm tanta bibliografia nesse ramo que não precisa um cultor da inclusão e do direito inclusivo dizer para que o operador do direito o saiba também. Assim, apenas lembro que a Lei determina que o Poder Público deve eliminar as barreiras na comunicação, valendo-se para isso dos mecanismos e ajudas técnicas necessárias e suficientes para esse fim. Os operadores do direito, o MP e o MPF, tanto quanto a defensoria pública, onde ela existe são partes nesse polo de mecanismos para a eliminação de barreiras, mormente porque é assim que determina a função do promotor, por exemplo.
Ocorre que não agir pela eliminação de barreiras é coniver com elas. É, mais ainda, cometer crime por razão de discriminação, visto que se não pela intenção, a atitude de protelar o exercício do direito de acesso à informação e à comunicação por parte da pessoa com deficiência constitui impedimento ou dificultação/restrição desse exercício, o que é proibido pelo Decreto Federal 3.956/01:
DECRETO Nº 3.956, DE 8 DE OUTUBRO DE 2001
Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência por meio do Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 200l;
Considerando que a Convenção entrou em vigor, para o Brasil, em 14 de setembro de 2001, nos termos do parágrafo 3, de seu artigo VIII;
D E C R E T A :
Art. 1º A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

a) o termo "discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência" significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

Artigo II
Esta Convenção tem por objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade.
Artigo III
Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:
a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de outubro de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

Meu caro Miltinho, veja, então, que não se pode querer atuar exclusivamente pela implantação da acessibilidade física e nisso considerar estar cumprindo a Lei 10.098/00, pois o Decreto acima é para ser cumprido “inteiramente”, assim como as demais leis que tratam, direta ou indiretamente de garantir a integração cultural, educacional e de lazer das pessoas com deficiência. Se o operador do direito não atua integralmente para garantir o cumprimento do texto legal, ele está cometendo crime de discriminação por razão de deficiência, pois ele deve “prevenir” a discriminação e a ele não é permitido agir de maneira que sua ação, neste caso, omissão, resulte na restrição do desfrute do direito ao acesso comunicacional aos bens culturais. Na prática, quando se posterga a atuação daqueles que devem prover a acessibilidade comunicacional às pessoas com deficiência sensorial, por meio da Libras, da subtitulação, da áudio-descrição etc., se está restringindo o direito fundamental da pessoa humana com deficiência, disso resultando o crime por razão de deficiência na forma do Dec. 3.956/01 e de nossa Carta Maior, pois esta, desde o preâmbulo, reza que não se pode admitir o preconceito de maneira nenhuma, de nenhuma forma. Refresquemos a memória: “Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade...”. A áudio-descrição é uma ajuda técnica, ou recurso assistivo, assim também conhecida e, não fosse isso, ainda assim estaria abarcada pelo Dec. 3.956/01 quando o Legislador diz “Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade...”. “ou de qualquer outra natureza”, diz o Decreto. E isso não significa que é em algum grau, mas é integralmente, “inteiramente”.
Ora, a discriminação por razão de deficiência é, não precisa ser muito “crítico” para se perceber isso, uma forma de preconceito. Mais precisamente, constitui uma barreira atitudinal, o que é proibido por nossa Constituição, principalmente emendada pelo Dec. Legislativo de 2008, Dec. 186 o qual internaliza a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência no Brasil, Decreto Presidencial 6949/09.
Então vejamos:
“DECRETO nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009

Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o Art. 84, inciso IV, da Constituição, e

Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3o do Art. 5o da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007;

Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação dos referidos atos junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 1o de agosto de 2008;

Considerando que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008;

DECRETA:
Art. 1o A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.”
E é nele que está a acessibilidade à comunicação, à educação, aos bens e serviços culturais etc., os quais “serão executados e cumpridos tão inteiramente” como previstos estão na Convenção. E ela não autoriza o operador do direito a cumprir parcialmente, pois fazê-lo implica em discriminação por razão de deficiência, conforme define a própria Convenção:

“Artigo 2
Definições

Para os propósitos da presente Convenção:

“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;”

Ora, novamente não é necessário que se tenha a intenção, o propósito de discriminar para que uma atitude seja considerada uma discriminação, basta que resulte na restrição do desfrute, gozo de um direito, como por exemplo, o do acesso à comunicação e o direito à informação. A Convenção vai além: “...Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;”. E não se pode alegar retoricamente que fazer as audiências públicas e dar prazos alargados aos empresários e políticos para que cumpram a lei de acessibilidade é cumprir com a Convenção, pois na prática não o é, uma vez que treze anos se passaram para chegarmos até aqui, sem o cumprimento legal, e agora darmos mais, sabe-se lá quanto mais tempo, já que o representante do MP disse “não vou tomar pelas palavras” ao dizer que não se preocupassem que ele não pegaria pelo que os representantes da cultura e empresas privadas colocariam no cronograma de implantação das cabinas para oferta de áudio-descrição.

Miltinho, meia acessibilidade é negativa de direito, no mínimo por restringir a acessibilidade das pessoas com deficiência, com igualdade de condições como prevê nossa Constituição. R Isso é discriminação por razão de deficiência, mesmo porque é negativa de atendimento à adaptação razoável.
E para quem se deve essa adaptação, a acessibilidade? Às empresas e aos prefeitos e Governadores? Não! Às pessoas com deficiência, elas que a Convenção define como sendo:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Por isso, Miltinho, esta nossa discussão vale para a oferta de Libras para as pessoas surdas, qual seja, apenas troque áudio-descrição para pessoas com deficiência visual, com dislexia e outras pra Libras para pessoas surdas e a reflexão aqui será a mesma, já que as leis brasileiras assim entendem e hoje têm em Nossa Constituição o respaldo de que precisavam. Vejamos o que diz a Convenção a respeito da acessibilidade comunicacional, também devida às pessoas surdas:
“Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o Braille, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis;”
Sei que não preciso dizer-lhe, Niltinho, para que não seja indelicado com você e presuma sua ignorância que estamos falando também em acessibilidade para as pessoas surdocegas, pessoas com baixa audição, com baixa visão e com outras deficiências, como, por exemplo, as pessoas com deficiência física e com deficiência intelectual. Negar, assim, a imediata aplicação da lei é sim discriminar por razão de deficiência, conforme a Convenção e o Dec. 3.956/01.

E essa negativa não pode vir do MP, já que diz a Convenção:
“Artigo 4
Obrigações gerais

1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;
b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;
c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência;
d) Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente Convenção;
Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada;”
Miltinho, não tome como afronta o fato de eu comentar as letras acima transcritas. Faço, não por achar que você é um ignorante dos preceitos legais, mas apenas como um exercício de minha reflexão, a qual, reconheço, é destituída da melhor inteligência, embora plena de boa intenção.
Todas as ações públicas devem levar em consideração a pessoa com deficiência, visar a integração plena dela na sociedade, respeitar o direito de acesso comunicacional e de acesso à informação à cultura e à educação. O poder público não pode tomar parte em ação que restrinja direito da pessoa com deficiência, nem mesmo que o restrinja e o Poder Público deve fazer com que práticas excludentes sejam eliminadas, inclusive pelas empresas privadas.
Tudo isso e muito mais está dito claramente no que antes transcrevi e muito mais é determinado por nossa Carta Maior, mormente por meio da emenda que acolhe a Convenção como cláusula pétrea, visto que a Convenção é assunto de direitos humanos fundamentais.
Em face disso tudo e do que venho estudando, Miltinho, não tenho dúvida que as ações que vimos na reunião no MP, as ações tomadas e outras não contemplam a obrigatoriedade de o Poder Público atuar na defesa dos direitos da pessoa humana com prioridade, conforme dita a mencionada Convenção. Não podemos dizer que prioridade tem sido observada, quando já em 2010 tivemos no MP reunião que tratava da áudio-descrição e que 13 anos depois da lei 10.098/00 ainda se dá prazos alargados para que se inicie o cumprimento legal.
Felizmente a Convenção prevê em seu Protocolo Facultativo a possibilidade de nós cidadãos recorrermos aos organismos internacionais para vermos nossos direitos humanos respeitados, quando o Estado Brasileiro flagrante e sujamente nos nega o direito à educação com qualidade, o acesso à cultura com igualdade de condições e ao lazer, com igualdade de oportunidades.
Miltinho, espero muito que o MP faça o papel que a sociedade espera dele, a saber, requerer que a lei seja cumprida. Não é possível que os que estão para defender a pessoa com deficiência, investigue, instrua e julgue um descumprimento legal flagrante e postergue o desfrute de nosso direito, claramente cometendo crime por razão de deficiência, visto que o resultado das ações tomadas não têm garantido nosso acesso à cultura, aos espaços culturais, à educação, às bases educacionais e, como vimos na última reunião, sequer cumprindo o que determina o CNJ, quando na Linha N da Portaria 27 de dezembro de 2010, portanto 3 anos atrás, não nos ofereceu a acessibilidade comunicacional, deixando-nos à parte do exercício pleno da cidadania. E, não sei se para você, mas para mim, foi uma afronta a minha dignidade de pessoa humana de pessoa com deficiência estar lá sem acessibilidade, ver lá que continuaremos a não ter acessibilidade comunicacional, ver que o MP não vai, até que se prove o contrário, fazer valer a Lei 7.853/89 e a Convenção, dando tratamento prioritário e adequado aos nossos direitos.
Por tudo isso, Niltinho, digo que a coisa é bem mais preocupante, mais grave, já que teremos de convencer o MP que atuar como está atuando não é atuar, mas omitir, é restringir direito em lugar de ele garantir, defender. É discriminar, em lugar de prevenir a discriminação, é obrar pelos interesses empresariais e políticos e não da pessoa humana com deficiência.
E isso é muito triste, pois ou teremos de fazer isso recorrendo a uma Ouvidoria, uma Corregedoria as quais provavelmente não entendem das leis mencionadas e, talvez jamais tenham ouvido falar da Convenção, ou teremos de recorrer ao Protocolo, coisa que estou estudando, já que recorrer à Secretaria de Direitos Humanos na esfera Federal isso é tempo perdido mesmo e não vale o gasto com a energia do notebook para enviar um e-mail sequer.
Abraços,
Francisco Lima

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