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Brasil: Peças teatrais quebram paradigmas sobre surdez, síndromes, velhice e cegueira

por Norberto Sousa

CAPUCHO - "E como vocês descobrem a cor?", perguntam ao ator cego. "A cor a gente imagina", responde

"Não pode", "não consigo" e "não deve" são expressões fora do esquadro de três novas produções teatrais na capital mineira. Para comprovar essa diretriz o quanto antes, duas delas entram em cartaz nesta sexta-feira (11): o monólogo "A Velha na Cadeira de Rodas" e o balé "Som, Silêncio, Luz e Escuridão". Já para setembro do próximo ano, outra produção afim promete mesclar teatro e dança por meio do roteiro escrito por um ator deficiente visual, o mineiro Oscar Capucho, da Companhia Coletiva. "E a Cor a Gente Imagina" é o nome da peça na qual Capucho trabalha suas "memórias remanescentes".

O nome é "pra’ lá de sugestivo. Capucho, hoje com 32 anos, enxergou até os 9. Noção das cores, admite que ainda guarda. Mas... e para quem nunca enxergou, como se dá esta noção? "Esta é a pergunta que me faço", diz.

Para tentar responder à questão, o ator mergulha em uma pesquisa dentro do próprio universo dos deficientes visuais, por meio de entrevistas com estudantes do Instituto São Rafael, em BH.

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COMPANHIA COLETIVA - Capucho e Victor Alves em "Sentidos". Crédito: Camila Rocha/Divulgação

Como eles "veem"?

"As vivências de um cego no cotidiano não são diferentes das vivências de outras pessoas. Posso abrir a porta e escolher a roupa que quero. Temos uma forma de organizar e de reconhecer o mundo por meio de texturas", explica.

Na pesquisa, o termo "texturas", assim como "sensações", estão em evidência nas respostas dos alunos ouvidos por Capucho. As sensações complementam as definições do mundo.

Como é a água para o cego? "Não há como explicar que ela é límpida e transparente. Então, eles pensam em frescor e tranquilidade. Daí, imaginam que é azul". O ator diz que está construindo as falas do espetáculo a partir dessas impressões. "Será algo bem poético", adianta.

Capucho é o ator que brinca com a gravidade na foto maior que ilustra esta página. Formado em artes cênicas pela UFMG, em 2008, ele integra a nova montagem ao lado do coreógrafo e bailarino Victor Alves e da produtora Fernanda Abdo. Em outubro deste ano, eles encerraram a temporada de outra peça, "Sentidos".

"E a Cor a Gente Imagina", vai reunir danças urbanas, dança contemporânea e teatro. A temática surgiu durante a montagem e apresentação de "Sentidos", de onde vieram as fotos desta página.

O encontro e a primeira troca de experiências entre os artistas suscitou, por mais de uma ocasião durante o trabalho, questionamentos e diálogos acerca de como a pessoa com deficiência visual cria suas referências e memórias de um mundo que ela não vê, mas sente. A peça terá recursos do Fundo Municipal de Cultura.

Na ponta dos pés ou na velhice também se faz arte e crítica

Nesta sexta-feira (11), a bailarina Wilmára Marliére tem mais um grande desafio pela frente. Após quatro cirurgias na coluna, motivadas pelos sintomas da Síndrome de Arnold-Chiari – e mesmo que tenha que usar um colar cervical – ela vai apresentar, na ponta dos pés, os três minutos do solo “A Morte do Cisne”.

O trecho será mostrado dentro do espetáculo “Som, Silêncio, Luz e Escuridão”, com alunos do Projeto Céu e Terra. A iniciativa reúne bailarinos surdos e ouvintes, além de violonistas cegos, surdos e também ouvintes. Wilmára é a idealizadora do projeto.

“Estou usando o colar para estabilizar um pouco os sintomas, pois a compressão provocada pela síndrome continua, e eu não posso operar mais, pois é muito arriscado”, explica.

Wilmára diz que teve medo de voltar a dançar, mas amigos e colegas a estimularam. Com ensaios bem dosados, ela vem conseguindo se equilibrar na ponta – local que é quase “a casa” de um bailarina. “Talvez seja a primeira vez que uma bailarina apresente esta peça com um colar cervical. Mas eu vou tentar”.

Peças teatrais quebram paradigmas sobre surdez, síndromes, velhice e cegueira
WILMÁRA MARLIÉRE - A bailarina quer se apresentar com um colar cervical. “Vou tentar”, promete. Crédito: Frederico Haikal/Hoje em Dia

“Velha”, mas viva

“Você acha que por ser uma velha, eu não faço mais, eu não quero mais?”, provoca a protagonista do monólogo “A Velha na Cadeira de Rodas”, que entra em cartaz também nesta sexta-feira, sobre a presumida falta de sexualidade dos idosos.

A peça tem atuação de Arethuza Iemini, que, vale dizer, não é idosa (tem 35 anos) nem cadeirante, mas que encarna facilmente todas as ironias do texto escrito por Wester de Castro.

De sua cadeira, ela vê o quanto se pode ver. Num espicho de pescoço, vê o universo. Na sua boca, formam-se impropérios. A sala, a praça, qualquer canto. Nas mãos, flores e cachaça; e ninguém mais nos outros bancos”, diz Castro, no texto.

“Em 45 minutos em uma cadeira de rodas, contestamos a figura de que a 3ª idade é inválida, imóvel e esquecida. É um jogo com o espectador”, avisa o autor.

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NA PEÇA - "Na cadeira se assentam meus desejos, todos os planos", diz a protagonista de "A velha na cadeira de rodas". Crédito: Marco Aurélio/Divulgação

SERVIÇO

“Som, Silêncio, Luz e Escuridão”, sexta-feira (11), às 20h, no Grande Teatro Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, Centro). Ingressos: 1 quilo de alimento não-perecível ou R$ 10. E “A Velha na Cadeira de Rodas”, dias 11, 12 e 13 de dezembro, às 20h, no Teatro de Bolso, do mesmo SESC Palladium. Ingressos: R$ 20 ou R$ 10 (meia)

Fonte:
http://www.hojeemdia.com.br/almanaque/pecas-teatrais-quebram-paradigmas-...